Concorre com 1 indicação ao OSCAR:
Melhor Edição de Som
Sem poder se valer da comunicação verbal, o espectador precisa ir além e observar as ações dos personagens, as expressões faciais, os conflitos não verbalizados, mas completamente tangíveis.
Assistir “Um lugar Silencioso” (A quiet place) é inquietante. O filme consegue criar um ambiente de grande tensão, no qual o espectador une-se aos personagens, sempre à espera de “algo”. O efeito se dá porque a história do filme é a seguinte: uma família do meio-oeste, nos Estados Unidos da América, tenta sobreviver em um mundo distópico, onde criaturas mortais conseguem perseguir e capturar quem faça ruídos.
O cenário é vazio, silencioso, os lugares estão abandonados, mas o filme não se preocupa em explicar detalhadamente o que houve. O espectador mais atento conseguirá entender brevemente o que houve: manchetes de jornais antigos falam sobre a queda de um “meteoro” no México, e após isso, o surgimento dessas criaturas que identificam o barulho e atacam e matam sem piedade quem o emitiu.
Ao espectador, então, é ofertado esse cenário:
**********alerta de spoiler**********
Sem maiores explicações, nos vemos, desde a primeira cena, percebendo a imensa importância do silêncio. A família anda nas pontas dos pés, falando a linguagem dos sinais (a filha mais velha é surda, e eles estão habituados a se comunicar assim) e segurando a respiração quando a criança mais nova quase derruba um objeto.
Somente nos créditos finais descobrimos os nomes dos integrantes da família, e durante o decorrer do filme, nos habituamos a pensar neles como “a mãe, o pai, a filha mais velha, o irmão do meio” e há apenas uma cena em que temos contato com outra pessoa, além da família.
Sem poder se valer da comunicação verbal, o espectador precisa ir além e observar as ações dos personagens, as expressões faciais, os conflitos não verbalizados, mas completamente tangíveis. O espectador precisa olhar para as relações familiares e compreender as angústias que vão muito além do medo externo que as criaturas (supõe-se que sejam alienígenas) representam.
Vemo-nos, então, diante de uma família tradicional, que em outro contexto até seria estereotipada, com um pai um pouco frio e distante, que sempre sai para resolver as coisas no mundo lá fora, a mãe calorosa e esmerada “dona de casa”, a filha mais velha “rebelde sem causa” e o filho mais novo “medroso” e hesitante. Há culpa, medo, raiva, ressentimentos, mas também cumplicidade, respeito e encorajamento mútuo.
A família Abbott tenta sobreviver aos seus dramas internos, e isso aproxima o espectador, que se reconhece nos conflitos e nas pequenas felicidades que eles compartilham. A expressividade do elenco é, felizmente, uma das responsáveis para que o filme consiga retratar toda sua grandiosidade.
O casal possui uma conexão forte e uma relação segura, onde há afetividade, respeito e confiança. O pai, apesar de em raras vezes demonstrar afeto aos filhos, está sempre procurando formas de prolongar a vida da família, faz viagens para procurar mantimentos e constrói a maior parte dos aparatos de segurança.
A característica mais marcante da filha mais velha é a raiva contida, que explode algumas vezes. Ela é uma adolescente surda, e o pai passa inúmeras horas tentando criar um aparelho auditivo para ela, pois como não tem noção dos sons que emite, ela pode representar maiores perigos para a família. Os aparelhos auditivos não funcionam e chega um momento em que ela não quer mais continuar tentando. Além disso, ela se sente culpada por um evento que traumatizou a família. Ninguém fala sobre isso (nem em ASL – American Sign Language) e ela tem certeza de que não é amada pelos pais, o que a leva a se isolar com frequência.
O menino mais novo é apenas uma criança. Não aparenta ter mais de 10 anos de idade, é apegado à irmã mais velha e à mãe, sofrendo quando o pai o faz sair de casa para buscar mantimentos. Há outro conflito aí, visto que a irmã mais velha se esforça para que o pai a leve, mas ele a ignora. O menino, mesmo com todos os seus medos, é o responsável por sinalizar sobre o conflito latente da família para o pai.
A mãe está grávida. Isso é o mais gritante sobre ela. Como parir nesse mundo silencioso? O espectador se angustia mais e mais à medida que se aproxima o parto. Além disso, a mãe se dedica a cuidar da casa e dos filhos e a apoiar o marido. Ela é delicada, mas também se mostra forte, e são delas as cenas mais angustiantes e expressivas.
O filme acerta ao focar nas relações, sempre permeadas do silencio ensurdecedor, do qual o espectador certamente partilhará. O drama decorre, principalmente, dessas relações, e o aparecimento das criaturas tem a medida certa de horror e suspense.
Indo na contramão dos filmes atuais onde os sons são sempre presentes e quase sempre espalhafatosos, “Um lugar silencioso” aposta no que não é dito (nem sinalizado) e acerta ao conseguir fazer o espectador se sentir quase parte da família. Outro grandessíssimo acerto é a contratação de uma atriz surda (Millicent Simmonds) para o elenco, que não deixa a desejar em nenhuma cena, atuando como Regan Abbott, a filha adolescente do casal.
Por fim, o filme, que pretende ser de terror, acaba por prender o espectador mais pelas relações estabelecidas entre os personagens do que pelo cenário assustador lá fora. Isso não significa que o mundo apocalíptico da trama não assuste. Assusta e amedronta, mas, convida o espectador a compreender que nossos maiores dilemas estão nas relações pessoais e que para algumas famílias isso pode ser mais complicado do que qualquer problema externo.
Apesar de silencioso, o filme ecoa durante algum tempo após o termino, num convite para que reflitamos sobre a importância do que dizemos e deixamos de dizer, e como isso afeta diretamente as nossas relações (sobretudo familiares).
FICHA TÉCNICA :
UM LUGAR SILENCIOSO
Título original: A Quiet Place
Direção: John Krasinski
Elenco: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds, Noah Jupe;
Ano: 2018
País: Estados Unidos da América
Gênero: Drama,Terror