Aceitação e resiliência – (En)Cena entrevista a pesquisadora Dra Flávia Matos

“Dá até vontade de chorar, porque eu estou em teletrabalho, só que eu sou uma pesquisadora e minhas pesquisas são no campo. Está tudo atrasado: recurso, entregas, contrato de estagiários, a pandemia que impede a gente de ir para campo”.
Flávia Tavares de Matos

Para explicitar o cenário da pesquisa no Brasil de hoje, o documento acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul intitulado Produtividade Acadêmica Durante a Pandemia: Efeitos de gênero, raça e parentalidade conclui que 13% do total das pós-graduandas possui filhos. E que muitas delas tiveram sua produção acadêmica comprometida por causa das suspenções das creches e escolas, do isolamento compulsivo, do ensino remoto e da assunção de múltiplas tarefas domésticas.

O citado estudo destaca, ainda, que quanto às submissões de artigos, mulheres negras (com ou sem filhos) e mulheres brancas com filhos (principalmente com idade até 12 anos) são os grupos cuja produtividade acadêmica foi mais afetada pela pandemia. Por outro lado, a produtividade acadêmica de homens, especialmente os sem filhos, foi significativamente menos impactada ela pandemia. Nessa entrevista a pesquisadora da Embrapa em pesca e aquicultura e professora no Mestrado Profissionalizante em Engenharia Ambiental (Universidade Federal do Tocantins-UFT) Dra Flávia Tavares de Matos. Ela que destaca sua perspectiva sobre os desafios de ser mulher, mãe e produzir ciência no Brasil da pandemia. Destaca, ainda, os impactos das triplas jornadas de trabalho e das aulas online das crianças na saúde mental das mulheres pesquisadoras.

Flávia Tavares de Matos. Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Considerando o seu lugar de fala, de mulher, profissional, pesquisadora, mãe e professora dos filhos em aula online e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?

Dra Flávia Matos – É uma situação muito desafiadora e ao mesmo tempo sem saída. A gente simplesmente tem que fazer o esforço de aceitar que a situação é essa. E pelos nossos filhos, a gente tem que se esforçar ao máximo e seguir adiante. É muito difícil mesmo a pessoa se dividir entre o trabalho doméstico, teletrabalho e aulas online. Então é muito complicado, muito mesmo porque as vezes a gente não tem a didática necessária para ensinar as crianças e tem o cansaço, enfim.

Fonte: encurtador.com.br/gTW46

(En)Cena – Como a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres, no contexto de pandemia, interfere em tomadas decisões acertadas ou equivocadas no trabalho?

Dra Flávia Matos – A saúde mental não interfere só no trabalho. Ela interfere aqui na vida pessoal, interfere nas aulas online também. A gente perde o equilíbrio e rende menos. A gente deixa de produzir um paper, deixa de fazer uma ligação que é necessária, deixa de mandar um email, deixa de participar de uma reunião por causa da aula online e isso tudo vai refletir no trabalho obviamente. A pessoa acaba que toma decisão errada, com emoção. Não usa tanto a razão para tomar decisões. A gente fica um pouco desequilibrada mesmo.

Fonte: encurtador.com.br/hlrRZ

(En)Cena –  Elizabeth Hannon, editora do British Journal for Philosophy of Science, destaca que durante o mês de abril de 2020, durante a primeira onda da COVID 19, quase não recebeu pedidos de submissões de trabalhos realizados por mulheres (https://revistapesquisa.fapesp.br/maes-na-quarentena/, recuperado em 29 de julho de 2020). Diante disso, pergunto: quais os desafios de produzir ciência sendo mãe e mulher, durante a pandemia?

Dra Flávia Matos – Dá até vontade de chorar. Porque eu estou em teletrabalho, só que eu sou uma pesquisadora e minhas pesquisas são no campo. Está tudo atrasado: recurso, entregas, contrato de estagiários, a pandemia que impede a gente de ir para campo.  Então comprometeu tudo da produção científica.

Fonte: encurtador.com.br/oBWZ1

(En)Cena – Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Dra Flávia Matos – Eu acho que as mulheres no pós-pandemia, primeiro têm que procurar uma psicóloga para abrir o coração. Eu tenho amigas psicólogas que estão atendendo muitos pacientes que tiveram COVID, pois a doença pode deixar sequelas físicas e psicológicas também.  No trabalho, as pessoas vão ter que ter compreensão e tentar ajustar da melhor forma. É preciso dar tempo ao tempo. Investir em trabalhos de autoajuda. E no nosso caso, de mães pesquisadoras, é importante que sigamos uma ajudando a outra e nos apoiando sempre.