TEMA: Desvio da atenção e perda do foco em função da tecnologia.
Nenhuma cadeira fica de pé sem 3 apoios. Neste caso é: escola, família e estudante.
(En)Cena entrevista Pedro Henrique Furtado, professor, graduado em Matemática e Física pela Universidade Luterana do Brasil, com MBA em Gestão Escolar pela USP. Atualmente exerce a função de Diretor Escolar no Colégio Simbios em Goiânia/GO, e possui especialização em Metodologias do Ensino de Física e Matemática.
(En)Cena: Pedro, é um prazer entrevistá-lo. Para começarmos, gostaria que você nos explicasse de onde surgiu seu interesse pela educação. Ser professor sempre foi seu projeto? Como tem sido pra você ser diretor escolar?
Pedro: Sim, ser professor… Definitivamente, lecionar! Sempre me vi feliz ao estar na frente dos colegas apresentando um trabalho. Fosse no quadro, cartolina ou nos slides. Cogitei me tornar engenheiro, mas para dar aula de engenharia. Ser professor sempre foi um alvo particular. Hoje como diretor escolar, reconheço que o apreço pela organização, coordenação e gestão, habilidades que os colegas sempre destacaram em mim, me fizeram chegar a essa função de gerir, ou dirigir. A função de diretor não é fácil, não é apenas cuidar dos professores e alunos ou atender famílias. Tem muita coisa em jogo a respeito do mercado escolar com suas estratégias, táticas e operações. Detalhes como precificação, marketing, engajamento, gráficos e muitas planilhas e relatórios.
(En)Cena: Quais são as principais diferenças na rotina e nas responsabilidades entre exercer a função de professor e a de diretor?
Pedro: O diretor escolar necessariamente precisa (eu diria que deve) ser professor. A sala de aula é um treinamento quanto à gestão do tempo, do conteúdo, da conversa, da atenção e foco do aluno. E somente um diretor que passou pela sala de aula como professor entenderá os desafios e necessidades dos seus professores. Há muita semelhança, mas eu destaco como principal diferença o olhar macro, e nesse olhar, enfatizo o conhecimento da legislação educacional. Há um universo extenso de leis, portarias e documentação para dominar.
(En)Cena: Pedro, um dos objetivos desta entrevista é entendermos sobre os efeitos benéficos e maléficos do uso de tecnologias no âmbito escolar. Assim sendo, gostaríamos de discutir os desafios relacionados aos desvios de atenção e à perda de foco devido ao uso de tecnologia pelos alunos neste contexto. Como você, enquanto diretor, enxerga essa questão?
Pedro: Os estudantes mudaram muito na última década, essa mudança foi muito forte após a pandemia. Dos malefícios, vou destacar um: a perda do foco e da atenção durante a aula. Não é mais suficiente o professor elaborar uma aula atrativa, eu diria que o professor tem que ser atraente. Não é apenas lecionar bem, mas ter muita conexão com seu aluno. A atenção do atual estudante é frágil. De igual modo, nos benefícios, destaco um: velocidade do compartilhamento. Um professor consegue entregar para seu aluno muito mais que 45 ou 50 minutos de aula. Ele consegue envolver o aluno no ato de estudar por um dia inteiro. Há muitas formas, por meio da tecnologia, de manter esse aluno nutrido com atividades, leitura e tarefas que agregam muito tempo de estudo para ele.
(En)Cena: Quais são os principais desafios enfrentados pela escola em lidar com o desvio de atenção causado pelo uso constante de dispositivos tecnológicos?
Pedro: Manter a atenção do aluno naquilo que se precisa passar. O celular é um vício, sem dúvida. Não sou daqueles que criminalizam o celular ao ponto de não poder trazê-lo para a escola. Não vejo problema no ato de trazer, apenas preciso de regras bem estabelecidas com relação ao uso. Tenho professores que combinam com seus alunos que o celular deve ficar dentro da bolsa e pronto. Nem ao sair de sala para ir ao banheiro esses professores permitem que os alunos o levem no bolso. Apesar disso, a dependência das telas é um fator destrutivo para o foco e a atenção, como mencionei anteriormente. Volto a dizer, não se trata apenas de tornar a aula atrativa, mas de ser um professor atraente em sua didática, eloquência e conduta diante da turma.
(En)Cena: Em sua opinião, de que forma o desvio de atenção relacionado à tecnologia pode impactar o bem-estar emocional e psicológico dos alunos? Você acredita que tal situação pode estar contribuindo para o aumento de problemas de saúde mental entre os alunos? Se sim, de que forma?
Pedro: De várias maneiras, da perda do raciocínio, até as perdas das habilidades sociais e emocionais. Acredito, especialmente no aspecto da desregulação do sono. Ter dormido bem é crucial para assistir a uma boa aula. Fisiologicamente, o impacto é sonolência, constantes dores de cabeça, tensão muscular, ardência dos olhos… Que dirá cognitivamente. Tenho estudantes que ficaram tão acostumados com a tecnologia, no aspecto de obter respostas rápidas na internet, que procuram seus professores para perguntas simples como: “Qual foi a primeira capital do Brasil?”. Bastava uma busca e eles teriam essa resposta em segundos, não precisariam ter percorrido a escola inteira atrás do professor para descobrir que a primeira capital do Brasil foi Salvador, na Bahia. E durante a aula, algumas perguntas tão óbvias são levantadas pelos alunos, mas parece que eles não buscam minimamente por 5 segundos em sua mente a possível resposta.
(En)Cena: A unidade que você trabalha dispõe de um psicólogo escolar? Como a equipe pedagógica trabalha em conjunto com esse profissional, tendo em vista as demandas causadas pelo problema aqui levantado?
Pedro: A unidade em que estou não possui um psicólogo escolar. Estamos buscando esse profissional, mas isso envolve um estudo orçamentário para não termos apenas um, pois entendemos que os psicólogos serão muito procurados dentro da escola.
(En)Cena: Como a escola tem envolvido os pais e responsáveis no combate ao desvio de atenção causado pela tecnologia, considerando o impacto familiar e social desse problema?
Pedro: Infelizmente, os pais também estão com déficit de atenção. Todos nós, na verdade, devemos ter algum grau de déficit de atenção. A escola em que sou diretor tem o perfil de aprovação e resultados. Sendo assim, conscientizamos as famílias e os estudantes de que focar no momento de estudos é um fator obrigatório. Incentivamos os estudantes a se ensinarem uns aos outros como método de aprendizado, mas também para que evoluam em suas relações sociais.
(En)Cena: Qual é sua percepção sobre a expectativa dos pais e alunos de que o diretor escolar assuma responsabilidades semelhantes às do psicólogo dos estudantes? Qual a relevância dessa prática psicológica no contexto atual, especialmente considerando o cenário tecnológico pós-pandêmico?
Pedro: Os pais transferiram responsabilidades difíceis aos diretores e coordenadores. Mas não apenas as difíceis, até as responsabilidades mais simples, como dizer ao adolescente que ele precisa tomar banho antes de vir para a escola porque isso é higiene pessoal. Esse é um exemplo da simples transferência que a escola recebeu das famílias. Outros mais graves também recebemos, como ser os primeiros a saber que uma criança ou adolescente vem sendo abusado sexualmente por um familiar seu, e a criança não consegue contar para outra pessoa senão seu diretor ou coordenador. Isso mostra o quanto é necessário que os pais tenham momentos de troca com seus filhos. Sobre o psicólogo, vejo como muito importante o acompanhamento feito por ele, até porque nem sempre dispomos de técnicas psicológicas necessárias para intervir. Equipe pedagógica não deveria fazer esse papel.
(En)Cena: Expressamos nossa gratidão pela sua disponibilidade e contribuição neste momento. Gostaríamos de lhe conceder a oportunidade de deixar uma mensagem final para o nosso público do portal.
A mensagem final é: enquanto houver escola, haverá a possibilidade de transformar a sociedade. A escola sempre foi muito forte e sempre será, o que precisamos é apenas que as famílias estejam sempre do lado da escola. A relação de parceria é crucial, uma relação que eu chamo de tripé, assim como nenhuma cadeira fica de pé sem 3 apoios: escola, família e estudante.