Recentemente, foi noticiado o alto índice de suicídio entre os povos indígenas da Ilha do Bananal, no estado do Tocantins. Só entre os Iny (pronuncia-se: inan), já foram 11 tentativas e 3 desde o início de 2014 até agora, o público alvo, em sua maioria, jovens.
Uma jovem indígena revoltada com a realidade do seu povo, ao ver seus irmãos morrendo, lança na internet um manifesto pedindo que a Presidente do país, Dilma Rousseff pare para (re)pensar a condição do índio hoje no Brasil.
Em meio a suas palavras, a jovem Narúbia fala: “Tenho esperança que nosso povo venha superar esses traumas e que nossos jovens voltem a sonhar e não terem pensamentos de morte e autodestruição, precisamos de uma intervenção urgente”.
Para entender mais sobre esse fenômeno, o portal (En)Cena – A Saúde Mental em Movimento, fala com o Iny Karajá José Hani, professor da Escola Comana e Mestrando em Meio Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins.
Iny Karajá José Hani – Foto: Narúbia Werreiá
(En)Cena – Como professor, você acha que a educação pode contribuir para reverter a realidade de suicídios vivenciada pelo povo Iny Karajá?
José Hani – O mais importante nesse caso é acompanhar de perto a casa, a família. Nós, professores, podemos visitar onde moram esses jovens, conversar com a família sobre o que está acontecendo. Se na casa descobrimos que o jovem começou a utilizar bebida alcóolica, a gente pode trazer esses jovens na escola e fazer palestras, e podemos também buscar parcerias com profissionais da saúde, para prevenir esses suicídios.
(En)Cena – Qual o papel do professor nesse processo de prevenção?
José Hani – O papel do professor não é só ensinar o que está no livro e planejar sua aula como deveria ser dada. Por isso, com aproximação na casa, ficando mais perto da família, ele consegue ajudar esses pais a ensinar a esse jovem sobre o que ele pode ou não fazer. Na parte de educação, que é papel mais importante do professor, ele pode conscientizar o jovem sobre o que é bom para a vida.
(En)Cena – A que você atribui essa mudança no comportamento dos jovens, que resultou na perda da autoridade dos pais sobre seus filhos dentro das aldeias?
José Hani – Isso é a consequência do contato com outra cultura. De uns anos para cá, mudou totalmente os nossos hábitos de alimentação, adicionou o consumo de álcool. Quando os jovens se acostumam a beber, eles já não ouvem mais os pais. Mesmo eles dando conselhos… As vezes, por influência de amigos, eles acabam não respeitando e nem ouvindo seus pais. Então eles só procuram por briga e bagunça… Perdem o respeito pela família, ai não respeitam mais ninguém.
(En)Cena – Você acha que as mídias podem ajudar o povo Iny a superar esse problema?
José Hani – Com certeza. Com a divulgação, pessoas podem se sensibilizar. Podem surgir pessoas, profissionais, querendo ajudar nosso povo. Quando eles vierem visitar nossas aldeias verão de perto o nosso sofrimento. Esses suicídios estão ficando cada vez mais frequentes, e as tentativas também, então acredito que divulgando isso é o melhor meio que temos de conseguirmos ajuda.
(En)Cena – Você acha que o governo e as autoridades estão fazendo ações efetivas em relação ao suicídio? Fale um pouco sobre o que você tem enxergado sobre a forma do governo de lidar com esse problema.
José Hani – Até agora, foram feitas três grandes ações e que não tiveram nenhum resultado. As lideranças locais até reclamaram dizendo que o recurso que está sendo aplicado está sendo tão mal gerido que poderia ser aplicado em outra coisa mais eficaz.
(En)Cena – Quais ações foram feitas e por que você acha que não está dando resultado?
José Hani – São ações voltadas pra parte cultural. Mas quando tem evento de jogos indígenas, eles não fazem palestras dentro desse evento. Eles só promovem os jogos. Fica faltando essa parte. Quando tem os jogos todos ficam felizes, mas quando eles acabam, os jovens ficam como antes. O ideal é que fossem estratégias permanentes, que deem uma ocupação a esses jovens. Se ele está preferindo usar drogas, é porque ele não tem para onde ir, e nem com o que se ocupar.
(En)Cena – Como indígena, o que você acha que poderia ser feito para ajudarmos de fato esses jovens?
José Hani – Eles alegam que como essas ações que eles fizeram não deram certo porque eles não são os responsáveis pela saúde da aldeia. Eles dizem que o responsável mesmo pela saúde indígena é o Pajé de cada aldeia. E estão buscando com as lideranças das aldeias como resolver isso utilizando também a sabedoria dos Pajés. Na minha opinião temos que trabalhar as famílias, dar suporte aos pais. Mas eles não querem fazer nada efetivo. É a sensação que eu tenho.
(En)Cena – Você acha que por causa dessa mudança cultural, os jovens não têm mais motivação para manter as tradições do passado? Como você percebe isso?
José Hani – Recentemente teve o caso de uma menina que cometeu suicídio porque o marido era pescador, mas não podia mais pescar por causa da piracema. Isso aconteceu no mês passado. Hoje o índio tem que trabalhar para garantir seu sustento, e ele não sabe como, porque não tem ensino de qualidade ele é desprezado pelo homem branco. Ele se sente inferiorizado, sem perspectiva de futuro. Antigamente ele tinha mais fartura, tinha a pesca… Agora não sobrou mais nada. O “caluzin” foi substituído pelo café da manhã, o beiju foi substituído pela bolacha, e isso tudo tem um custo. São produtos que não tem na aldeia, então temos que comprar na cidade, e para comprar tem que ter dinheiro.
(En)Cena – José, para finalizar. Na sua opinião, o que falta na aldeia para o jovem índio tenha oportunidade de crescer nesse mundo moderno que cresceu sem considerar/respeitar a cultura indígena?
José Hani – Eu acho que, para ter dignidade, precisamos ter uma escola técnica-profissionalizante para ele trabalhar, já que estamos em um mundo cada vez mais próximo da tecnologia, até temos computadores nas aldeias. Hoje em dia minha família não come mandioca, peixe, eu não pesco e, quando pesco, pego pouco… Hoje eu compro, mas não tenho mais como repartir com a meus parentes, porque é a nossa cultura é assim. Por exemplo, quando meu cunhado pesca, minha irmã traz para mim na porta da minha casa. Então mudou muito. E como tem pessoas que não têm condição de comprar as coisas que precisam para ter um mínimo de dignidade na vida, aí fica difícil… Então acontecem os suicídios.