Jonatha Rospide é psicólogo que se interessou pela área devido ao contato ainda na escola com o serviço de psicologia para garotos indisciplinados e desde então começou a ler Freud e Nietzsche e se inteirar mais do assunto. Alguns anos depois de sair da escola prestou vestibular na PUC do Rio Grande do Sul, onde integrou o movimento estudantil que o deu a oportunidade de conhecer autores como Deleuze, Guattari, Foucault que com a filosofia da diferença influenciaram positivamente seu processo de militância. Sempre interessado em esquizoanalise e na área social desde seus estágios na faculdade, já atuou em clínica, Ação Rua – projeto que influenciou sua tese de mestrado e local em que teve contato direto com a rede -, CAPS, CREAS e atualmente além de professor no CEULP atua no matriciamento no CAPSad em Dianópolis, é colaborador do CRP 09 na Comissão de Psicologia e Justiça e um dos colaboradores do portal (En)Cena.
(En)Cena – Com base em sua experiência profissional, qual a sua visão acerca da loucura?
Jonatha Rospide – Essa é uma pergunta bem complexa mesmo, então eu vou fazer uma resposta e não vou me demorar muito. O que eu acho da loucura? Acho que tem várias concepções da loucura. Então primeiro um conceito estatístico: aquilo que é mais normal pras pessoas, é aquilo que mais aparece, temos também o conceito da loucura ligado ao oposto a razão que seria ‘desrazão’, a loucura como algo divino, a loucura como algo a ser estudado e tratado, enfim tu pode ter várias concepções de loucura. Mas eu entendo que a loucura faz parte do ser humano, sempre teve loucura, sempre vai ter loucura. Agora eu acho que a questão principal não é a loucura em si, mas sim como a gente lida com a loucura, o que que a gente faz, o que que a gente produz a partir dessa loucura. Porque a loucura se expressa nas pessoas, mas ela é produzida socialmente. Tanto que a gente vê que as pessoas que são consideradas loucas hoje elas tem características, jeitos de ser e de viver e discursos que tem muito haver com o nosso contexto social-histórico de hoje, bem diferente das pessoas que eram consideradas loucas na idade média, antes de cristo era completamente diferente. Então é uma produção que é social, vamos dizer que se expressa nas pessoas, mas a grande questão é de como a gente lida com essa loucura atualmente. Então resumindo, tem várias concepções de loucura, mas eu acho que o principal a respeito da loucura é como a gente lida com isso.
(En)Cena – Então, como essa loucura, que é produzida socialmente, influencia a sua vida?
Jonatha Rospide – Ela influencia porque ela faz parte da minha vida, mas não só porque eu sou psicólogo e teoricamente estaria mais perto da loucura, mas porque eu sou ser humano. E aí tem loucura na minha família, tem loucura no meu circulo de amigos, tem loucura no meu trabalho, tem loucura em tudo que é lugar. Só que isso é interessante porque o contato com a loucura ele acaba sendo um contato diferenciado, porque as pessoas sempre veem pelo fato da psicologia, sempre vêem na gente um porto seguro pra loucura, que por um lado é bom e por outro é ruim, o lado bom é que agente tem a possibilidade enquanto estar num lugar de poder, por ser psicólogo – todo saber lhe da um poder e todo poder constitui um campo de saber – então eu como num lugar de poder acabo contagiando as pessoas, e a partir do momento que eu tenho um tratamento da loucura que é um tratamento diferenciado em relação a maioria assim, isso também acaba influenciando as pessoas e isso eu acho que é legal, porque o pessoal diz: ‘pô o cara quer formar e tal, ele não discrimina ele não trata mal’, isso é o lado bom. E o lado ruim é que as pessoas muitas vezes acham que pelo fato de ser psicólogo ou por trabalhar com saúde mental, enfim, a gente tem que resolver a loucura, a gente tem que solucionar os problemas causados pela loucura e aí eu acho que isso não é legal, porque eu acho que isso não cabe ao psicólogo, acho que cabe a um contexto, sendo o psicólogo junto à equipe de serviço junto com a família, junto com a comunidade e traçar estratégias coletivas, e não pra resolver algo assim, mas pra criar formas de lidar com aquela situação.
(En)Cena – Profissionalmente o seu primeiro contato com a loucura foi no CAPS II no Rio de Janeiro?
Jonatha Rospide – Não, não. Meu primeiro contato com a loucura foi no Hospital Psiquiatrico São Pedro lá em Porto Alegre, que no primeiro semestre da faculdade em 1998/1 eu fiz um estágio de familiarização no hospital, numa ala que eu acho que nem existe mais chamada Juliano Moreira pra deficientes físicos e mentais.
(En)Cena – Como foi esse contato?
Jonatha Rospide – Foi muito louco, porque eu tava no primeiro semestre e lá era uma galera bem ‘sequelada’ mesmo, a maior parte das pessoas que estavam lá já se encontravam institucionalizadas a mais de vinte anos, então era uma galera já muito crônificada. E tinha um rapaz que tinha uma síndrome, não sei exatamente ou uma doença, chama Lesch-Nyhan e eu nunca vou esquecer porque, eu tava estudando isso logo depois em genética aplicada a psicologia e estudei essa síndrome que chama Lesch-Nyhan, e a característica principal dessa síndrome é que a pessoa se auto devora, ela come a si mesma, então esse cara passava o tempo inteiro em contenção mecânica e uma das vezes que eu vi ele se soltar ele comeu três dedos dele! Então foi bem pesado assim esse primeiro contato com a loucura.
(En)Cena – E no CAPS como foi?
Jonatha Rospide – No CAPS foi o primeiro momento de trabalho mesmo na política da luta antimanicomial e foi muito legal porque de certa forma pelo fato de já ter trabalhado com assistência e trabalhar com essa questão da rede, da intersetorialidade, da interdisciplinaridade, foi bem tranquilo e pelo fato de na clinica trabalhar com psicoterapia de grupo, acompanhamento de grupo e acompanhamento terapêutico, foi muito tranquilo. Como na clinica e no trabalho de comunitária a gente fazia muito visita institucional, ia até as escolas, ia até os juizados que encaminhavam pra gente, ia até os conselhos tutelares, no trabalho de comunitária também a gente fazia discussão de caso; na APAE, conselho tutelar, juizado da infância e da juventude, isso me instrumentalizou muito pra esse trabalho no CAPS, então foi uma coisa que foi bem tranquilo. Foi uma entrada tardia, no sentido que eu já estava formado a um bom tempo, mas foi muito tranquila.
(En)Cena – Partindo agora para outro foco em que você atua, gostaríamos de saber como você vê o apoio matricial?
Jonatha Rospide – Então apoio matricial é uma área que eu to entrando agora, eu já conversei muito com o Victor sobre isso, até porque ele sabe mais do que e/ou tem mais experiência sobre isso, já leu mais coisas e a gente tem trocado muito sobre isso. A experiência que eu to tendo no apoio matricial é muito boa porque eu vejo que me possibilita colocar em pratica toda essa experiência que eu já tenho de interdisciplinaridade e intersetorialidade e, ao mesmo tempo, de poder estar participando de um processo, no caso eu estou fazendo no município de Dianópolis o matriciamento em álcool e drogas, então de a gente poder pensar municipalmente que as questões da drogadição, dependência química, são questões de cor-responsabilidade e não questões da secretaria de educação, de saúde, nem da assistência social, é uma questão de todos esses atores estarem fomentando isso coletivamente, tipo: como nós juntos vamos resolver isso?! E isso pra mim tá sendo uma experiência super legal, mas assim de conceituar mais especificamente eu ainda não tenho condições, mas as coisas estão acontecendo e eu to gostando muito, mas ainda tem cenas dos próximos capítulos…
(En)Cena – Mas você acha que o plano teórico tá sendo aplicado? A ideia que se tem tá sendo aplicada?
Jonatha Rospide – Olha a gente está tentando ali em Dianopólis e, pelo menos a partir dos textos que eu li, uma das coisas que é importante no matriciamento é a galera perceber que se todo mundo pegar junto, se todos esses setores pegam junto, não vai ficar pesado pra ninguém e todos esses setores tem condições enfim, de contribuir pra aquela prática, de pensar juntos e isso tem mais força inclusive principalmente nos municípios pequenos, porque os municípios pequenos estão muito relacionados com um força partidári. A política não é uma política de estado, ela é de governo, só que quando tu tem uma corresponsabilização, uma pactuação de todas essas secretárias juntas fica muito difícil de tu voltar atrás sabe, daí eu acho que isso é uma coisa importante e massa!
(En)Cena – Eu não sei se deu tempo já de você visualizar como que é em Dianópolis a relação entre o CAPS e a atenção básica, mas se deu se você poderia descrever mais ou menos como que se dá essa relação?
Jonatha Rospide – Na verdade não deu! Mas eu sei como é que é essa relação, eu ouvi falar coisas, mas eu gosto muito de falar daquilo que eu vivi, e eu acho que seria leviano da minha parte eu falar coisas que eu ouvi falar. Mas o nosso trabalho de matriciamento em Álcool e outras Drogas, ele prevê um trabalho forte com as unidades básicas, e em especial um trabalho com os agentes comunitários de saúde. Eu acho que os agentes são atores estratégicos porque eles estão no território mesmo, não que os funcionários da unidade, a gente também vai trabalhar com eles, mas a gente entende que os agentes de saúde são estratégicos pra conseguir efetivar o matriciamento. Na medida em que possuem vínculo com os urusários como moradores, ou seja, fazem parte da comunidade.
(En)Cena – Outro conceito que envolve tanto saúde mental quanto a reforma psiquiátrica é a rede. Gostaria de saber como foi para você aplicar os conceitos de rede que aprendeu na faculdade quando começou a atuar como psicólogo?
Jonatha Rospide – É que na faculdade eu não tive nada sobre trabalhão em rede, eu tive nas leituras por fora, nos grupos de estudo de esquizoanalise, onde o pessoal já tava discutindo isso, que nem o pessoal discutia interdisciplinaridade, transdiciplinaridade e pra isso é fundamental a rede. Então aí a gente já tava discutindo fora da universidade isso e até no movimento estudantil também, e aí assim quando chegou na pratica eu não me decepcionei tanto assim, porque eu já vinha nesse estudo. Mas não era na faculdade sem dúvida, e nem política publica na faculdade.
(En)Cena – Você já atuou em cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro e agora Palmas. Gostaria que você falasse um pouco do seu contato com a rede nessas cidade e de como a mesma funcionava.
Jonatha Rospide – Algumas coisas funcionavam e outras não! Vamos pensar assim: eu tive a oportunidade de participar de duas redes, uma no Rio Grande do Sul e outra no Rio de Janeiro. Então tinha coisas que o pessoal do Rio Grande do Sul tava mais avançado em relação ao Rio e Palmas nem se fala, Palmas tá começando agora esse movimento também, é só tu pensar quantos anos tem Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e quantos anos têm Palmas, que já diz um pouco da rede de Palmas. Mas em Porto Alegre uma coisa que funcionava muito era que a rede tinha uma relação institucional, então independente das pessoas que estivessem nos locais a rede ia funcionar. Funcionava comunicação, parceria, corresponsabilização porque era uma relação institucional, diferente de alguns lugares no Rio que era uma relação pessoal. Então enquanto eu estava lá as coisas funcionavam, se eu saísse de lá acabou! É pessoal e não institucional. Agora em compensação a capacidade de militância no Rio de Janeiro é muito maior. O que eu estou querendo dizer com capacidade de militância? É a capacidade que a pessoa tem de em todos os lugares que elas tem de disseminarem um entendimento, um jeito de ser, uma ideia, enfim, lá no Rio tem muito disso, coisa que no Rio Grande do Sul, não. A pessoa lá é militante no trabalho dela, saiu do trabalho acabou a militância. E as duas coisas são positivas, tanto uma quanto a outra.