A falta de planejamento sempre foi um carma na vida de muitas pessoas que buscam mudança, desenvolvimento pessoal e profissional, posto que, parafraseando o Gato Cheshire de Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll) aquele que não sabe para onde ir, qualquer caminho serve, até mesmo o fracasso.
Em um país de proporções continentais, é de se esperar problemas em proporções continentais, em todos os campos da vida social e coletiva, o que resulta em diversos conflitos de interesses que acabam virando processos judiciais, lotando assim o Poder Judiciário com demandas que poderiam facilmente ser evitadas com um diálogo saudável e com bastante planejamento.
Diante disso é que se tem observado um interesse crescente da sociedade em se prevenir, de entender os riscos dos próprios atos, de otimizar os serviços que ofertam, principalmente após a pandemia que virtualizou uma boa parte do comércio em geral, com um aumento disparado no setor de entregas e transportes.
Diante deste conjunto, o (En)Cena entrevista o advogado Alcides Ferreira, advogado, atuante na área de compliance, planejamento e prevenção familiar e tributário para pessoas e empresas, para falar sobre a importância de um bom planejamento estratégico e os impactos psicológicos que podem ocorrer na ausência destes, principalmente neste cenário pandêmico que o mundo vive.
(En)Cena – Fale sobre sua formação e como é o seu cotidiano de trabalho?
Alcides Ferreira: Minha formação acadêmica foi repleta de aprendizados importantíssimos. Contei com a ajuda de diversos docentes que possuíam uma extensa bagagem de experiência e busquei absorver ao máximo tudo que era desenvolvido em sala. Sempre demonstrei uma pré-disposição para matérias contratuais e tributárias, por essa razão fui monitor nas disciplinas de Direito Civil – Contratos e Direito Tributário, ambas com o professor e advogado Thiago Perez.
Além da experiência acadêmica, estagiei em diversos órgãos, escritórios de advocacia, tendo diversos profissionais que impulsionaram meus conhecimentos jurídicos e métodos de atuação. Destaco, mais uma vez a importância do professor Thiago Perez que foi professor e mentor e hoje é um grande amigo.
Na vida profissional, busquei pôr em prática todos os conhecimentos adquiridos, além da própria experiência agregada com o passar dos anos.
Hoje atuo, principalmente, fora do Poder Judiciário, visando trabalhos de prevenção, planejamento, estratégias de atuação, projeção de riscos etc., buscando auxiliar o cliente a ter uma redução de gastos e uma contenção de possíveis riscos.
(En)Cena – Por que escolheu atuar com prevenção e planejamento?
Alcides Ferreira: Atuar especificamente com prevenção e planejamento é o resultado de ter observado todo o cenário jurídico brasileiro e perceber que uma boa parte de todas as contendas judiciais poderiam ser evitadas caso houvesse um conhecimento prévio dos riscos de atuação, além de planejamentos a longo prazo.
Um exemplo que pode ser citado são os processos relacionados ao divórcio, inventários e partilhas de bens. Na maioria esmagadora dos casos há um litígio intenso entre as partes, há manipulação de herança, chegando a situações até de assassinato, como o caso do advogado Danilo Sandes, em Araguaína-TO.
A máxima “o combinado não sai caro” é um exemplo da importância da prevenção. Um bom planejamento é peça fundamental para se evitar dores de cabeça futuras. Um contrato pré-nupcial, evita discussões e contendas no divórcio. Um planejamento tributário evita o pagamento indevido e/ou desnecessários, sobrando mais recursos para serem investidos. Um planejamento sucessório, evita brigas entre herdeiros além dos gastos exorbitantes nessa etapa tão dolorosa da vida.
(En)Cena – Qual o resultado prático e psicológico de uma prevenção no âmbito familiar?
Alcides Ferreira: Já temos uma resposta sobre o resultado prático de uma atuação preventiva no âmbito familiar.
Traçar um planejamento de acordo com o perfil familiar é extremamente importante, sabendo que existirão contendas em um divórcio, por exemplo, a elaboração de um contrato que disponha todas as regras e divisão de bens; os deveres para com os filhos; o tipo de guarda, evita cerca de 70% (setenta por cento) dos problemas.
Já em um inventário, um bom planejamento evita discussões desnecessárias e brigas irracionais sobre o que é de direito de cada um dos herdeiros, já que isto será previamente estabelecido.
É sempre importante lembrar que a prevenção e o planejamento são mecanismo para minimizar os riscos e prejuízos, não há uma garantia de que estes não ocorrerão. Mas, se ocorrer, serão em pequena escala em vista ao que poderia ser.
(En)Cena – Um processo judicial será sempre uma tormenta na vida dos envolvidos?
Alcides Ferreira: Nem sempre! Hoje o próprio judiciário tem tomado iniciativas para ter um processo mais humanizado. Existem sistemas de apoio aos familiares em processos da Vara de Infância e Família, além das audiências de conciliação do CEJUSC – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, que buscam sempre a resolução pacífica de um imbróglio judicial.
Mas, infelizmente, muitas das vezes os processos judiciais são intensos, de modo que além do próprio resultado do processo, há ainda o abalo de ter que enfrentar todas a brigas que surgem, além dos argumentos lançados nos autos e em audiências de instruções, oitivas de testemunhas que mais se parecem com inquisições.
Em suma, dada às proporções do nosso país, há de tudo um pouco nos processos judiciais, mas é fato que o impacto psicológico é gritante.
Existe um texto de uma colega advogada, aqui no (Em)Cena, salvo engano se chama Bravura e Sobrevivência, onde ela dá dicas importantíssimas para a saúde mental da mulher durante um processo judicial, recomendo a leitura.
(En)Cena – Um bom planejamento evita dores de cabeça?
Alcides Ferreira: Não, mas reduz significativamente. A nação brasileira, no geral, não possui hábitos saudáveis quando se trata de prevenir. Temos aquele ditado “é melhor prevenir que remediar”, mas, na prática, a maioria das pessoas levam as situações no famoso “deixa acontecer”.
Cito um exemplo dentro da própria psicologia. Se desde a primeira infância houvesse uma preocupação com a saúde mental efetiva por parte da maioria dos brasileiros, uma boa parte dos problemas da vida adulta relacionados à psiquê poderiam ser evitados.
Hábitos alimentares e os cuidados com a saúde física são outros pontos que indicam o quão importante é saber planejar, pois, este só será colocado em cheque no futuro.
É sempre bom lembrar que não basta planejar, tem que saber analisar os possíveis riscos, criar as mais variadas projeções de cenários, por mais desagradáveis que seja, até aquelas em que a possibilidade de ocorrer seja remota, só assim poderá ter uma redução efetiva nas dores de cabeça em situações emocionalmente instáveis.
(En)Cena – Quais seriam os principais métodos de planejamento?
Alcides Ferreira: Vou delimitar a resposta dessa pergunta no âmbito familiar. Os métodos de planejamento irão variar em cada caso, a fim de ter uma adequação a situação vivida pelos indivíduos.
Dentro do planejamento sucessório, por exemplo, existe o testamento, uma prática muito conhecida de determinar, ainda em vida como irá ocorrer a sucessão dos bens.
Outra forma de planejamento sucessório são doações com reserva de usufruto vitalício, situação em que a pessoa já passa os bens para os herdeiros, nas devidas proporções, mas continua detentor da posse, podendo usufruir dos bens e dos frutos que sobrevier destes.
Além das situações já citadas, um método novo, eficaz, e econômico que vêm ganhando força, são as chamadas Holdings, que dão a mesma proteção que os métodos anteriores, além de garantir uma proteção maior para o patrimônio de cada pessoa.
(En)Cena – Os impactos psicológicos da pandemia são fatores que influenciam a instabilidade de relacionamentos, além da própria mortalidade. Como a falta de preparo pode prejudicar a vida de um indivíduo?
Alcides Ferreira: A pandemia do Covid-19 criou um marco na história, forçou a mudança de hábitos em todo o globo. Medidas de contenção, lockdowns, uso de máscaras, todas as medidas restritivas impactaram a psiquê de cada indivíduo. Tanto é que houve um crescimento, no começo da pandemia, de pedidos de divórcio, pois algumas pessoas não conseguiram lidar com esse novo cenário.
O despreparo nestes casos resulta nas situações que já citei: prejuízos e problemas no momento do divórcio; o luto intensificado pelo doloroso, oneroso e moroso processo de inventário.
A falta de planejamento fechou diversas empresas que não possuíam um planejamento estratégico ou não conseguiu elaborar um plano tático de atuação nesses meses de intenso clamor social.
A falta de prevenção, por exemplo, com relação ao uso de máscaras e o distanciamento social, ceifou a vida de várias pessoas que foram contaminadas pelo vírus da Covid-19.
Estar preparado para as adversidades da vida é compreender que elas podem nunca ocorrer, mas, se porventura chegarem, haverá um preparo para lidar passar pelos momentos de turbulência.