Completados em 2013 uma década de existência, a Política Nacional de Humanização – PNH, tem muitos resultados positivos a comemorar. A afirmação é do coordenador nacional da PNH, Gustavo Nunes de Oliveira, em entrevista para o (En)Cena, que destaca a formação dos trabalhadores e dos gestores com alguns dos principais avanços.
Gustavo Oliveira em entrevista para o portal (En)Cena.
“Avaliamos também que ampliamos interlocuções importantes com os gestores municipais, estaduais, com os Conselhos Municipais e Estaduais e também com os gerentes, que são os profissionais que têm cargos de gestão nos vários níveis de gestão do SUS [Sistema Único de Saúde]. Além disso, abrimos uma interlocução importante com o trabalhador, acumulamos inclusive com a produção em parceria do Ministério [da Saúde], do SUS e dos trabalhadores com a política de promoção de saúde do trabalhador, além disso avaliamos que a interlocução com o usuário, com os movimentos sociais, ainda precisa ser aquecida e ter um investimento mais claro por parte da PNH”, pontuou Gustavo.
Há cerca de dois anos a coordenação vem realizando as avaliações em torno da PNH, o que possibilitou ter em mãos os dados sobre as ações em várias regiões.
(En)Cena – Entre as estratégias da PNH está a realização dos Seminários Regionais. Qual o foco destes eventos?
Gustavo Oliveira – A gente colocou como um dos eixos de todos esses seminários a questão da participação do usuário, a fim de conseguirmos construir alguns coletivos parceiros da humanização e alguns indicativos sobre os caminhos, deliberações e estratégias que poderíamos trazer e agregar no campo do trabalho na política nos territórios e no próprio Ministério da Saúde, para ampliar essa interface com o usuário. A discussão desse encontro aqui do Norte [Manaus – AM] já foi bastante madura. A roda que eu participei teve, inclusive, a participação cidadã e dos movimentos sociais como tema. Conseguimos abrir um diálogo entre trabalhador, gestor e usuário para a gente pensar estratégias para construir movimentos de interfaces mais fortes com usuários de movimentos sociais. Eu acho que nesse encontro a gente conseguiu efetivar melhor uma questão que já vínhamos perseguindo em dois anos, ensaiamos no macro encontro regional do Nordeste, conseguimos incluir mais ações no seminário do Sudeste, e eu acho que aqui já se configurou um cenário de participação concreta com encaminhamentos.
(En)Cena – Após as avaliações nestes últimos dois anos, voltadas para os dez anos da PNH, você acha que os trabalhadores estão desgastados, um pouco cansados ou desestimulados?
Gustavo Oliveira – Eu acho que a gente está num movimento histórico, num período, numa época em que se está dando um valor exacerbado à dimensão gerencial da resolução dos problemas do SUS. O SUS tem questões de gestão muito importantes, então, assim, para resolver a peregrinação dos usuários nos vários serviços, temos grandes desafios de gestão. Para resolver a dificuldade da relação entre equipes, de capacidades instaladas e demandas ou necessidades dos usuários, que levam muitas vezes à superlotação, dificuldade de organização das demandas e oferta dos serviços, isso sobrecarrega os trabalhadores, então esses são somente alguns dos grandes desafios de gestão. Mas o SUS, em sua construção, não se resume aos desafios de gestão e aí quando a gente trabalha com saúde e passa a considerar o desafio da relação social entre trabalhador e usuário, entre gestor e trabalhador como uma relação de uma sociabilidade mais democrática e colaborativa, na linha de entender a saúde como direito, e a “lógica imediatista” resume isso a um problema gerencial ou de capacitação… eu acho que estamos equivocados.
Gustavo Oliveira durante entrevista na abertura do Seminário Norte de Humanização. Foto: Michel Rodrigues
(En)Cena – O problema é pontual?
Gustavo Oliveira – Nós temos problemas grandes, gargalos de informação, grandes dificuldades de qualificação técnica, mas também temos grandes dificuldades de sociabilidade. Não é um trabalhador do SUS que tem dificuldade de lidar com o usuário que faz discriminação, que faz racismo ou violência institucional, pois também o gestor faz com o trabalhador, também o usuário faz com o trabalhador e faz com o gestor, porque essa é uma questão que está na sociedade, não é uma questão específica do trabalhador de saúde. Então se tratarmos esses fenômenos simplesmente como uma questão de qualidade ou uma questão de organização gerencial, estaremos resumindo um problema que é social, da sociedade brasileira, a uma questão de ordenamento instrumental. Então eu acho que necessitamos tomar cuidado na hora de acolher a queixa do trabalhador que está adoecido, sobrecarregado, que vivencia uma relação de trabalho complicada, para não confundir isso com uma questão só no nível da falta de capacidade, do ponto de vista técnico, de competência, ou só do nível de ser uma vítima do sistema em termos organizacionais. Tem uma questão de sociabilidade que precisamos tratar. Percebo que quando trabalhamos para criar espaços onde trabalhadores, gestores e usuários possam dialogar estamos tratando disso, avançando na sociabilidade, também para se chegar à planos de ação e intervenção que, de fato, possa discutir questões gerenciais, discutir as questões sociais relacionais, discutir as questões técnicas, de competência e discutir as questões de cidadania e de corresponsabilidade, e nesse caldo todo a gente possa conseguir constituir processos de mudanças efetivos.
(En)Cena – Em seu discurso, durante a abertura do Seminário Norte de Humanização, em Manaus – AM, você disse que estamos aqui para nos emanciparmos. Como é isso?
Gustavo Oliveira – Então, eu quis trazer um pouco, ou melhor, sair um pouco do paradigma só da inclusão. A gente acostumou muito a falar da questão da inclusão e a questão da inclusão perpassa por um pressuposto de que é sempre bom incluir. Mas é bom incluir no que? E incluir no SUS significa ampliar acessos, significa ampliar acessos às diferenças, então significa que o sistema de saúde possa ser compatível com os vários modos de vida. Tem de ser compatível ao modo de vida do heterossexual, do homossexual, do transexual, do índio, do negro, do branco, do modo de vida das pessoas em geral que podem constituir outras singularidades. É disso, para mim, que se trata a questão da inclusão. Agora incluir também significa que a gente possa pensar em outras possibilidades de organização do próprio sistema para que a gente não faça uma inclusão no sentido de constituir dependência ou de simplesmente constituir uma relação de consumo. Então, assim, “incluir à camadas da sociedade”, no SUS, não significa só dar acesso à bens e tecnologias de saúde e ao consumo desses bens e tecnologias, mas significa também incluir em uma posição política, nesse sentido emancipatório, no sentido de uma construção coletiva desse bem social, dessa conquista social, que é o SUS.
(En)Cena – Você está tranquilo e satisfeito com as discussões ocorridas no Seminário?
Gustavo OIiveira – Tranquilo não, porque a gente sai com muitas questões e muitas demandas de trabalho. Eu saio engajado. Acho que conseguimos dar um passo importante. Eu acho que esse seminário aqueceu as Redes na Região Norte e temos boas perspectivas para que essas Redes continuem e se aqueçam ainda mais e a gente tenha uma grande mobilização para o Seminário Nacional. Agora, isso vai demandar muito trabalho daqui até o segundo semestre (2013), não só de preparar, mas da gente fazer mesmo essa construção de maneira coletiva, e como a Região Norte já tem em si uma dimensão continental, onde a comunicação é difícil, estamos apostando muito na conexão entre os pequenos coletivos, como os coletivos nas cidades, dos trabalhadores que estão nos serviços, dos usuários que estão nesses serviços para que possam se conectar e a gente possa constituir com isso uma grande rede. Agora a preocupação é como a gente faz para analisar tudo isso, o problema é conseguir fazer um grande movimento que dê expressão nacional para a pauta da humanização. Que tal uma Semana Nacional de Humanização em Saúde em 2014?
Gustavo Oliveira no encerramento do Seminário Norte de Humanização. Foto: Michel Rodrigues
(En)Cena – Você ficou surpreso com o resultado desse evento, com a participação, com a forma como se deu essa organização?
Gustavo Oliveira – Tivemos encontros de coordenações, encontros de apoiadores, mas o seminário mais amplo, com vários segmentos e várias parcerias e forças em torno dessa pauta é o primeiro. Eu saio em parte surpreso, mas é uma surpresa boa de confirmar que aqui na Região Norte há um engajamento todo especial das pessoas, que estão dispostas a viajar e passar horas viajando para chegar aqui no centro de Manaus e fazer esse movimento. Eu continuo positivamente surpreso porque apesar das dificuldades a gente consegue muito engajamento na Região Norte. Agora, eu também esperava que a gente conseguisse, porque o coletivo daqui é muito forte, o coletivo de consultores está muito bem organizado, muito engajado e muito conectado às várias forças do território. Para mim é também uma confirmação de que a gente tem feito algumas estratégias, algumas propostas que tem tido efetividade. Há 5 anos tinha pouquíssimo movimento da humanização aqui no território do Norte. Aí com o trabalho da Terezinha, com o trabalho da Patrícia, com o trabalho do Jamison, da Alexsandra, agora a Rosário, o César, o Victor que já esteve nesse coletivo, eles foram constituindo uma rede bastante ampla e diversificada e isso está mostrando resultado nesse seminário.