Uma causa, pouco recurso e muita perseverança

“Eu sei que muitas outras pessoas poderão ajudar a concretizar
este meu sonho, mesmo que eu nem esteja mais por aqui”.

                                                                             Fotos: Arquivo pessoal

Bernadete Aparecida Ferreira nasceu em Campo Mourão, zona rural do Paraná, mudou-se para São Paulo, onde cresceu. Estudou em escola pública dos seis aos 15 anos quando ingressou em movimentos organizados pela Igreja Católica. Aos 16 começou a trabalhar com mulheres e pessoas não alfabetizadas, nas favelas.

Aos 21 anos, abandonou a capital paulista para ser freira. Mudou-se para a Bahia onde atuou durante quatro anos em hospitais. Retornou para São Paulo, como freira, onde desenvolveu trabalhos em favelas. Formou um grupo de mulheres, ajudou a fundar a associação Carolina de Jesus e entro nopartido dos trabalhadores (PT). Em 1992, deixou o Instituto Missionário para dedicar-se as lutas pelas minorias.

Á frente da casa desde a sua criação em 1998, Bernardete acompanha de perto a luta das mulheres que sofrem violência domesticas travestis e garotas de programa em situação de vulnerabilidade.

(En)Cena – Sua história de vida fez com que você se aproximasse da realidade dos marginalizados pela sociedade, quando e onde foi que você disse pra si mesma que poderia mudar a situação dessas pessoas de alguma forma?

Bernadete Aparecida – Desde sempre, a vida inteira. Desde que sempre me senti muito próxima dessas pessoas…

(En)Cena – A Casa 8 de Março atua em Palmas há 16 anos, atendendo mulheres em situação de vulnerabilidade social, prostitutas e travestis, com  apoio e muitas vezes até abrigo. Como é feito o trabalho de acolhida e de reinserção dessas pessoas na sociedade pela casa?

Bernadete Aparecida – É feito através de projetos que desenvolvemos para cada grupo específico, com ajuda de algumas voluntárias e pequenas parcerias locais e com organizações de fora do Tocantins.

Curso de maquiagem realizado pela Casa – Foto: Arquivo pessoal

(En)Cena – A Casa 8 de Março fica situada em uma quadra residencial, como é a aceitação da comunidade quanto ao trabalho desenvolvido pela entidade? 

 Bernadete Aparecida – Atualmente é boa, mas foi problemática no início, tanto com a comunidade quanto com a Igreja, pois naquele tempo o preconceito, a discriminação, a desconfiança, e a falta de compromisso com as causas sociais era menor. Porém, ainda não há aquela cumplicidade da comunidade como desejávamos também porque a comunidade é carente e o mundo incentiva o isolamento e o individualismo. Mas, temos envolvimento da comunidade também com nosso trabalho e este envolvimento, ainda que não o ideal, é um dos grandes responsáveis pela sustentabilidade da Organização e ela ainda não ter fechado.

(En)Cena – A Casa foi responsável para realização do Fórum de Mulheres, em Palmas e também em fazer os monitoramentos da violência contra as mulheres e o trabalho cotidiano de formação, educação popular feminista com os cursos de promotoras legais populares. Quais são as maiores dificuldades em realizar esse monitoramento e dar continuidade á essas formações?

 Bernadete Aparecida – As maiores dificuldades são de cunho financeiro, de comunicação abrangente tanto dos cursos e atividades quanto dos imensos resultados deste trabalho. Outra grande dificuldade é a falta de políticas públicas voltadas para as mulheres no Estado que poderia ajudar na perenização destas atividades sem retirar de nós, enquanto sociedade civil e enquanto entidade feminista histórica, o protagonismo legitimado e conquistado n a práxis.

(En)Cena – A entidade não possui funcionários, mas conta com o auxilio de voluntários que ajudam na aplicação dos cursos ou mesmo na manutenção da casa. Qualquer pessoa pode ser voluntaria na casa ou precisa ter um perfil?

 Bernadete Aparecida – A pessoa tem que ter sim um perfil, de preferência adequado a cada projeto que desenvolvemos, mas o principal item deste perfil é preferir ter um engajamento solidário-social com mulheres em situação de vulnerabilidade, gostar do feminismo, mesmo que não conheça bem, não ter preconceitos de raça, cor, etnia, orientação sexual, e contra as pessoas da periferia ou das classes trabalhadoras, que possa dedicar algumas horas por semana por pelo menos seis meses a um ano. Depois disto, qualquer pessoa poderá integrar nosso quadro de associadas, pertencer a um conselho da Entidade ou a uma diretoria, após um ano de engajamento em qualquer um dos nossos trabalhos.

(En)Cena – A entidade não possui atrelamentos políticos, sobrevive atualmente do dinheiro arrecadado das vendas do brechó, das pequenas porcentagens nos cursos organizados e de pequenos projetos enviados para organizações parceiras. Apesar de todas essas dificuldades o que te mantém firme pra seguir com essa bandeira?

Bernadete Aparecida – O que me mantém firme (mas, não tão firme como no início por causa da idade, dos problemas de saúde, do cansaço normal que todas as pessoas sentem) é a vontade de que realmente a situação das mulheres mude em nossa sociedade, em especial para aquelas mulheres que sofrem violência, são obrigadas a se prostituir ou não vêem saídas imediatas para seus futuros ou para seus filhos. Isto temos visto mudar ao longo destes mais de quinze anos de trabalho. Eu quero ver mais. Eu quero ver dentro de alguns anos uma situação de muita dignidade, inclusão e equidade para as mulheres do Tocantins. Sinceramente, é um sonho meu. Mas, eu sei que muitas outras pessoas poderão ajudar a concretizar este meu sonho, mesmo que eu nem esteja mais por aqui.


Publicação feita através da rede social Facebook

(En)Cena – Fale um pouco sobre o calendário das atividades que serão realizadas no segundo semestre.

Bernadete Aparecida – As atividades que pretendemos realizar no semestre que vem, são as mesmas que temos realizado, mais um novo projeto intitulado REBEG que também tem o folder divulgado, com todas as atividades a serem realizadas em um ano. Precisamos de voluntárias e de montar nossa equipe de profissionais que queiram atuar neste projeto e que queiram ajudar a buscar recursos, assim como nos outros, como o projeto Em Busca da Noite, o PROMAS e FIL – Formação Integral de Lideranças com o curso de Promotoras Legais Populares que realizaremos a partir de setembro.

A Casa 8 de Março conta com parceiros e voluntários para continuar com seu trabalho, para saber mais sobre as atividades realizadas, curta a Fan Page https://www.facebook.com/casa8demarco/photos_stream.

Veja também: Feminismo no Brasil,Mulheres no Brasil

Notas:
1 (http://ensaiosdegenero.wordpress.com/2013/07/11/mulheres-e-feminismo-no-brasil-um-resumo-da-ditadura-a-atualidade/)

2 http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/onu-mulheres/