O (En)Cena recebe equipe de coordenadores e consultores da PNH que explicam quais as diretrizes e como funciona essa importante ferramenta do trabalho em saúde.
Humanizar é preciso, mas como fazê-lo? O (En)Cena recebeu nos estúdios de rádio do CEULP/ULBRA, Terezinha Moreira, enfermeira, psicóloga e coordenadora da PNH para a região Norte; Jamison Nascimento, bacharel em educação física e consultor da PNH para o estado de Roraima e também Alexsandra Cardoso Souza, pedagoga e consultora da PNH para os estados do Tocantins e Amazonas.
Explicando a configuração da PNH e falando sobre a realidade do trabalho em rede na saúde, os três profissionais discorreram por temas que vão desde os fundamentos que criaram até as dificuldades encontradas ao percorrer o trajeto atual de consolidação da proposta de humanização. Confira abaixo a transcrição da entrevista:
(En)Cena – Terezinha, o que é a PNH?
Terezinha – É uma política destinada a fazer o aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS), é uma política pública e como nós gostamos de dizer “de todos nós”, e essa política de humanização surge no Ministério da Saúde, em 2003. Um grupo de professores doutores, mestres, chega para escrever esse texto. A construção da PNH é uma construção coletiva, ela nasce inspirada na construção coletiva no sentido de ajudar, de contribuir com a consolidação com os princípios do SUS: acesso, equidade, universalidade… E ela traz também algumas diretrizes para que nos oriente até porque o paradigma da política é algo instigante. É um paradigma ético, político, estético…
(En)Cena – O PNH é apresentado como política e não como programa, por quê?
Terezinha – O SUS está “prenho” de programas, porque eu digo isso? Porque o programa ele tem um início, um meio e um fim. Um programa, se não cumprir essas etapas ele não alcança seus objetivos, isso é o programa, a grande diferença entre um programa e a política é que a política se coloca num macro, coloca-se muitas vezes no micro, mas se coloca no macro, e uma política pública, ela surge não pela essência ou pela força de recurso financeiro, a política vem pelo nosso compromisso a política vem pelo nosso engajamento, a política vem pela nossa militância, então é algo que nós defendemos e em que, a cada momento mais, apostamos.
(En)Cena – A PNH prevê o sujeito como protagonista, o que isso significa?
Terezinha – Essa ideia que a política traz é algo fascinante para nós, a política quando ela chega ao SUS em 2003 e diz que o SUS é para produzir e cuidar de vidas. Essa questão do protagonismo é fundamental, porque a política nos traz uma compreensão e nós trabalhamos intensamente nessa direção, na produção de sujeito. Nós precisamos estar com os trabalhadores, gestores e usuários do SUS neste sentido. De que essa condição de “assujeitamento” não contribuiu para o aprimoramento do SUS, não contribui para o seu próprio processo de vida, não contribuiu para a abrangência daquilo que o SUS tem para oferecer. Se nós trabalharmos nessa direção de produzir sujeitos, nós temos a clareza de que esses sujeitos farão o protagonismo e terão autonomia de cogerir esse sistema.
(En)Cena – A PNH tem como prerrogativas elementos objetivos: melhoria das condições de trabalho, melhoria salarial, melhoria do ambiente de trabalho. Mas ele tem como princípios também questões subjetivas, fale um pouco do que é subjetivo dentro do que a Rede Humaniza SUS também trabalha.
Terezinha – Bem… O professor Gastão Vagner é quem mais trouxe essa ideia, dizendo que uma clínica se amplia quando ela incorpora a produção subjetiva que o sujeito traz. Então o sujeito vem com uma história e nem sempre essa história tem o sentido daquilo que ele vem buscar na saúde. Então diz o professor Gastão que uma clínica que não inclui a produção subjetiva dos sujeitos é uma clínica dada ao fracasso. E é exatamente esse movimento que a Política Nacional de Humanização, e é um movimento contra hegemônico, vem produzindo para que a clínica se amplie. E o que degrada o SUS é justamente ignorar que o sujeito produz um tanto de coisa que a essa clínica organicista não dá conta, como por exemplo, a ambiência. A engenharia e a arquitetura têm que entender isso, que nós não estamos aqui para os mega hospitais e arroubos não, mas sim para criar espaços onde essa subjetividade possa se dar.
(En)Cena – Como lidar com o paradoxo da subjetividade? Como a política traz essa visão da necessidade de olhar para a subjetividade para os médicos, enfermeiros e outros trabalhadores da saúde?
Terezinha – É como se tivéssemos que virar profissionais da saúde pelo avesso. Em primeiro momento deve-se reconhecer que a pessoa está em sofrimento, é diferente. A humanização não nega que o sujeito adoece, o que ela preconiza é as condições que trazem adoecimento para esse sujeito. Essa compreensão que a humanização vem articulando, vem tecendo entre nós trabalhadores do SUS para que a gente possa mudar esse cotidiano. E não de forma imperativa ou prescritiva, a clínica ampliada não é clínica de prescrição é clínica, como diz a Alexsandra, de inscrição, e isso é muito forte.
(En)Cena – Jamison e Alexsandra, como é para vocês viver esse desafio, de trabalhar como consultores do SUS e lidar com a questão da humanização?
Alexsandra – A gente vem experimentando de uma política né? A gente vem teorizando e construindo uma política. Eu sempre falo que na PNH a gente é consultor, mas a gente faz um movimento e aí é quase uma militância. É a partir da implicação que a gente pode ser gestor do trabalho, e a gente pode mudar o processo de trabalho dentro do serviço com uma escuta ampliada, vendo o usuário não como uma doença mas como uma pessoa que pode estar nas relações, porque os dispositivos da PNH se estabelecem nas relações, nas relações de trabalho.
Jamison – Primeiro, é a história de falar que o SUS não foi dado, é bacana a gente perceber como que entramos nesse procedimento da instituição do SUS. A política traz a característica da militância, pois o SUS ainda tá em movimento de disputa, o que temos hoje do SUS é o que a sociedade conseguiu com essa disputa. Trazendo pra questão do trabalho e do trabalhador acho interessante falar do campo do trabalho no mundo, pois é interessante pensar em nós como sujeitos (trabalhadores) fomos conduzidos a condição de objeto, então valorizar o trabalhador é reconhecê-lo como sujeito com vontades, desejos e necessidades.
(En)Cena – Sobre os marcos que o PNH tem conseguido como está a efetividade deles no SUS ?
Terezinha – Eu acho que a gente não tá em busca de uma conquista fácil. Eu não tenho governabilidade para reduzir filas, por exemplo. Se eu não tenho governabilidade para tratar desses problemas agudos do SUS o que eu vou fazer então para a Política Nacional de Humanização contribuir para a redução de filas? Para contribuir para que a pessoa seja acolhida no sistema? Contribuir para que ela encontre medicação? Para que ela encontre um ambiente que acolhe? O que tem na política que tem com que a gente aposte que é possível alcançar isso? A questão do SUS não é uma questão de ausência de recurso, de dinheiro. Para mim o SUS tem uma questão que é de gestão desses recursos, em toda a dimensão, para mim não se reduz fila com isso, só com dinheiro é um conjunto de ações. Falo do treinamento, é preciso “formar formadores” e isso só é possível em um espaço democrático…
(En)Cena – Imagino que é um espaço de muita tensão também, não?
Terezinha – O Jamison colocou a questão da disputa, o SUS tem que disputar. Isso é uma radicalização, o acolhimento também é uma radicalização, temos que radicalizar para acolher. Acolher é receber as pessoas, ver o que tá acontecendo com essa pessoa e quais são os recursos que necessita esse atendimento. E isso tem um atendimento, um acompanhamento e uma avaliação…
Alexsandra – Acho que isso se concretiza quando a gente faz uma proposta de trabalhar em redes, a gente percebe que tem que estar conversando e dialogando com outros serviços da saúde naquela região, pois tem várias pessoas que estão imbricadas nessa rede que estão nesse processo formativo do trabalho, não é só o hospital ou o ambulatório, mas também são as organizações, os movimentos sociais, as representações, as associações…
(En)Cena – Ainda hoje é difícil verbalizar tudo isso dentro dos serviços de saúde, expor e conversar sobre isso com os profissionais?
Alexsandra – É duro.
Terezinha – É difícil sim. Por que o que é que nós desejamos? É que o gestor estadual, ou municipal, enfim, os gestores pudessem acatar para suas pastas essa proposta. O que não acontece…
Jamison – Ou não é regra.
(En)Cena – Estão aí, como a Alexsandra falou, uma série de vontades políticas de muitos atores (as diversas organizações, os movimentos sociais etc.), então a PNH é uma política que tem que lidar com muitas políticas?
Terezinha – Vou exemplificar um pouco essa dificuldade, determinadas situações exigem enfretamentos. Nós devemos fazer o enfretamento nos campos das ideias. Quando o gestor diz pra mim: “Terezinha, humanização é filigrana” ou “humanização é utopia” ou que “dá muito trabalho e produz pouco”.
Alexsandra – Ou então pedem para que peguemos as pessoas que “dão mais bom dia e coloquem pra acolher”
Terezinha – E pensam: “pronto, humanizou”. Então isso traduz a nossa dificuldade, não é nada simples. Nós temos que fazer com que esses gestores, e toda sociedade na verdade, compreendam o tipo de humanização que nos queremos. E o que queremos é um novo jeito de fazer aquilo que estamos fazendo no SUS.