Diante do mar

Ontem, fui assaltado.

Levaram-me o carro e um pouco da esperança que insisto em ter na possibilidade de um mundo mais justo. Revólver, surpresa, constrangimento, impotência, pés e mãos gelados. Depois, cenas esparsas, lembranças vagas, coisas que poderia ter feito, coisas que não tive coragem de fazer, vontade leve de chorar, um cigarro fumado às pressas – ainda com as mãos trêmulas. Olhos úmidos.

Tentei, e já desisti, de ter raiva de quem o fez. Sua ação foi técnica, precisa, calma e discreta. Não houve espaço sequer para o medo. Estava ali um profissional em seu simples e inevitável fazer cotidiano.

– Olha, é o seguinte…

E senta-se tranquilamente a minha mesa, mostrando um revólver dentro de um capacete.

– Isso é um assalto. Fica na boa.

Pega a chave. Caminha lento em direção ao carro, liga-o e parte.

O que me resta depois? Termino de beber a cerveja que, a esta altura, já anda meio quente. Peço outra e mais outra, enquanto penso no que realmente fazer.

Olho o mar, que neste trecho da praia é lindo, lindo demais. Tão bonito que, outra vez, tenho vontade de chorar. Já não sei se pelo assalto, pela beleza que se descortina a minha frente ou por saudade. Saudade da cidade que deixei há onze anos e que a cada vez que venho está mais distante. Saudade do calor amoroso dos que aqui vivem. Saudade dos amigos. Peço outra cerveja…

Aqui, talvez, seja o pedaço de litoral mais bonito de Fortaleza, essa cidade que – de algum modo – me constituiu. Um rio que, generoso, se oferece ao mar e lambe as pedras, formando pequenos lagos de água meio doce meio salgada onde, em outro tempo, eu me banhava. É uma pena ser assaltado de frente a uma cena como essa. É uma pena saber que nunca mais a verei sem que me venham à lembrança o assalto, o constrangimento, a impotência…

Diante disso, o carro que me levaram já não tem importância. Ontem, perdi um pouco de minhas memórias, levaram-me um tanto de minha meninice e subtraíram-me algo da cidade de minha infância, que insistia em carregar comigo.

É realmente uma pena ser assaltado diante do mar.