VOCIFER – Por dentro do heavy/power metal tocantinense

Jurupary” foi lançado em 23 de junho de 2023 explorando as lendas por trás de uma controversa figura do folclore amazônico. Naturais do estado do Tocantins, com a proposta de levar a essência brasileira para além das fronteiras nacionais, a Vocifer entrega um som singular

Ana Júlia Labre Tavares (Acadêmica de Psicologia)  – anajulialabre@rede.ulbra.br

 

A riqueza mística que permeia as diversas culturas e lendas em um país tão vasto como o Brasil oferece inspiração para narrativas envolventes, sejam compartilhadas ao redor de uma fogueira, registradas em páginas de livros desgastadas pelo tempo, ou até mesmo ecoando através de acordes poderosos em discos de heavy metal. O que a banda de power/heavy metal tocantinense, Vocifer, demonstrou com maestria nos álbuns ‘Boiuna’ (2020) e ‘Jurupary’(2023).

A banda de Heavy/Power Metal originária do Tocantins mantém sua dedicação em difundir a rica cultura amazônica globalmente. Em seu mais recente feito, a banda oficializou parceria com a gravadora grega Alone Records, encarregada da distribuição internacional do álbum ‘Jurupary’ em formatos de CD e vinil. Fundada em 2016, a atual formação da Vocifer conta com João Noleto nos vocais, Lucas Lago no baixo, Pedro Scheid e Gustavo Oliveira nas guitarras e Alex Cristopher na bateria.

O Portal (En)Cena entrevista o guitarrista da banda, Pedro Scheid, de Palmas-TO, para melhor compreender o cenário atual da música no Tocantins e, também, como tem sido sua experiência como músico.

(En)cena – Considerando suas experiências até o momento, qual a tua percepção sobre o cenário da música no Tocantins?

Pedro Scheid – O Tocantins é um Estado que pouco explora a vastidão de sua cultura. Existem muitas manifestações artísticas e culturais que são pouco divulgadas, pouco difundidas, sequer faladas nos ambientes acadêmicos. Acredito que inicialmente, para que possamos fortalecer a nossa cultura, consequentemente o cenário musical, deve-se investir em locais de divulgação. Uma regularidade maior em apresentações no espaço cultural por exemplo, trazendo artistas de fora de todos os nichos para realizar apresentações no teatro Fernanda Montenegro, seria uma forma efetiva de criar uma cultura de consumo e propagação das manifestações artísticas do nosso estado. Existem vários artistas locais, desde a velha guarda como Dorivã, projetos musicais como Tambores do Tocantins, bandas que já apresentam relevância mundial como a Vocifer, enfim, vários estilos diferentes que respiram inspirações muito semelhantes presentes no cotidiano tocantinense. Portanto, com os incentivos e investimentos certos, as manifestações culturais serão difundidas e se tornarão um hábito para a população, contribuindo para seu desenvolvimento e evolução.

(En)cena – Pouco se fala sobre a temática que vocês têm levado mundo afora. Como vocês chegaram nessa ideia de abordar lendas e mitos da região Norte nos álbuns? 

Pedro Scheid – Como toda grande ideia de bandas famosas, tudo começou na mesa de um bar (risos). Através de conhecidos que tinham projetos e convivência com povos originários locais, suscitou-se a temática inicialmente em torno da Boiuna, a grande cobra que atormenta/acalenta os ribeirinhos e os povos originários que difundem suas histórias. O tema despertou muito interesse por nossa parte, uma vez que essa temática fantasiosa e mitológica é muito comum dentro das bandas de metal no mundo todo. Nada melhor, então, que contar histórias sobre a nossa região, onde nascemos, crescemos e fazemos parte e levar para o mundo uma história tão pouco conhecida entre os próprios tocantinenses. Tal temática foi muito bem recebida pela crítica, como pudemos perceber pelo feedback gerado no nosso primeiro disco (intitulado “BOIUNA”) sendo chamados de “os contadores de história do Tocantins”. Isso marcou tanto a banda que levamos a ideia para o segundo disco, trazendo a história por trás do “Jurupary”.

                                                                                                                Fonte: Acervo Pessoal

Foto retirada nas gravações do último álbum, Jurupary. Em sequência, da esquerda para a direita, Pedro scheid, Thiago Bianchi, João Noleto, Luis Fernando Ribeiro, Leandro Abrantes, Gustavo Noleto e Lucas Lago.

(En)cena – Com a grande quantidade de tribos presentes no Tocantins, e, consequentemente, uma grande diversidade de crenças e culturas, como vocês conseguiram elaborar uma única linha de narrativa para a composição dos álbuns? 

Pedro Scheid -Apesar de existirem, como eu posso dizer… muita difusão “boca-a-boca” dessas histórias, a nossa principal fonte de pesquisa foram as dissertações de acadêmicas na área, principalmente de faculdades como a UFAM. Através das referências, encontramos vários livros sobre as temáticas, livros estes que eram basicamente relatos dos historiadores que visitaram as tribos indígenas no século XIX. Fizemos um compilado de várias versões e várias histórias até chegar em uma linha que nos agradasse e fosse possível converter numa história desenvolvida com início, meio e fim, enfim, uma cronologia lógica. A ideia, na verdade, não é utilizar apenas uma versão narrativa, ou evidenciar alguma versão como sendo correta, na realidade, nós bebemos das várias versões e nos inspiramos para desenvolver algo nosso e que levasse a várias interpretações sobre a vida como um todo, para que quem lesse nossas letras e escutasse nossas músicas, trouxesse os acontecimentos narrados para sua própria vida.

(En)cena – Como você aborda o processo de composição de músicas? Você segue alguma rotina específica?

Pedro Scheid -Normalmente o processo de composição depende de vários fatores. Inicialmente é necessário definir uma temática e quais as referências que servirão como base para inspiração. Através da temática e do contexto de cada música, é possível inferir quais as interpretações instrumentais serão ideais para despertar nos ouvintes os sentimentos equivalentes ao que está sendo contado na música. Dessa forma, imerso nas referências e na temática, aguça-se a criatividade de forma orgânica e os arranjos passam a ser criados. É um processo demorado e volátil pois as composições vão se adaptando ao longo do tempo até chegar em sua versão final. A Vocifer sempre foi muito criteriosa, calculista e perfeccionista em suas composições e isso é exemplificado quando se escuta cada música nos álbuns já produzidos.

                                                                                                                                 Fonte: Acervo Pessoal

Pedro Scheid nas gravações do videoclipe de “Rain of Doubts”, uma das canções do segundo álbum. A composição é uma balada bastante introspectiva que emana uma sensação melancólica e angustiante de incerteza.

(En)cena – Quais são seus álbuns ou guitarristas favoritos?

Pedro Scheid – Hoje em dia meus guitarristas favoritos são: Kiko Loureiro, Andy James, Rick Graham, Timo Tolkki, John Petrucci, Steve Vai, Michael Romeo, Roberto Barros, Bastian Martines, enfim, a lista é grande. Álbuns é mais difícil de citar, acredito que é melhor citar bandas que vieram me inspirando ao longo dos anos em minhas composições como Iron Maiden, Angra, Shaman, Helloween, Edguy, Avantasia, Symphony x, Stratovarius, Kamelot, essas principalmente para a Vocifer, no entanto para o desenvolvimento como músico tenho consumido muito música clássica da escola barroco, metal moderno e instrumental como djent e também linhas de música brasileira como Toquinho, Djavan e Yamandu Costa.

(En)cena – Como lidar com imprevistos durante uma performance ao vivo?

Pedro Scheid – É muito difícil lidar com imprevistos, pois como o próprio nome sugere, é algo que você não consegue prever. Então a melhor forma de lidar é se preparar muito bem para a performance ao vivo, seja fisicamente, seja mentalmente, e lógico, se preparar musicalmente. Os imprevistos sempre acontecem, não existe ambiente musical sem imprevisto, mas aqueles que estão mais preparados e que possuem mais experiência sempre sabem como dar a volta por cima. Uma dica importante é estar acompanhado de profissionais habilitados, como bons técnicos de som, bons roadies, bons produtores e sempre se organizar e pensar em todos os backups. Por exemplo, para o meu caso, guitarrista, eu levo duas guitarras caso uma dê problema, dois jogos de encordoamento caso arrebente, várias palhetas caso eu perca ou caia durante a execução das músicas, cabos de instrumento extra, a possibilidade de tocar em linha caso dê problema nos amplificadores e caixas de ferramenta multiuso para qualquer recurso técnico – gambiarra – que seja necessário.

(En)cena – Quais tendências musicais você acha mais interessantes?

Pedro Scheid – Hoje em dia eu busco não rotular um nicho específico como mais interessante que outro. Eu busco encontrar as qualidades e aquilo que está por trás de uma manifestação artística. Todos os estilos musicais têm suas qualidades e, para um músico, quanto mais este conhecer os linguajares dentro de estilos musicais diferentes, maior a sua desenvoltura principalmente em aspectos criativos e nas composições. Infelizmente, hoje no Brasil nós vivemos um monopólio cultural por conta do alto investimento do agronegócio no estilo “sertanejo”, o que ofusca tantos outros estilos muito mais ricos culturalmente falando.

(En)cena – Por fim, que conselhos você daria a artistas aspirantes que estão começando suas jornadas?

Pedro Scheid – A dica de ouro que eu dou é encontrar o seu ídolo, é buscar referências, é escutar muita música, degustar música, assistir shows, ir em shows, ver o seu ídolo tocar, entender como seu ídolo chegou aonde está e buscar trilhar um caminho parecido. E principalmente, encontrar aquilo que você gosta e traçar um objetivo para se desenvolver cada vez mais, fazendo tudo com seriedade e buscando o profissionalismo.