A relação entre psicanálise e educação vem de longa data, desde que Freud demonstrou seu interesse pela pedagogia na intenção de possibilitar uma melhor compreensão por parte dos educadores sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente.
Mesmo sem nos ter deixado escrito algum sobre a educação, pode-se dizer que, em toda a obra de Freud, há uma preocupação constante com as questões desse campo, no sentido de que a psicanálise, nascendo de uma prática clínica, constrói um corpo teórico fundamentando uma nova concepção de mundo e de homem, como ser histórico, social e cultural, e tenta compreender como se dá a inserção desse homem na cultura.
Para a psicanálise, é de fundamental importância, no intento de entender o que norteia o processo educativo, considerar o sujeito do inconsciente na educação, sujeito este que não segue o modelo científico e os ideais da ciência. Assim, decorre que, enquanto na educação o sujeito contemplado é o do conhecimento, cognitivo, passível de mensuração, o sujeito do qual ocupa-se a psicanálise é o sujeito do inconsciente enquanto manifestação única, singular, não mensurável e que, por isso, não pode fazer parte do concretamente observável.
A finalidade da educação, segundo a Psicanálise, é a instauração do princípio de realidade, ou seja, é permitir ao indivíduo, submetido ao princípio do prazer, a passagem de pura satisfação das pulsões para um universo simbólico, que faz referência a uma lei, a lei da castração. A entrada no universo simbólico se dá pela linguagem.
A Transferência no processo ensino-aprendizagem
A transferência é antes de tudo, transferir sentidos e representações, e que no contexto educacional ganha vida na relação professor-aluno (SANTOS, 2009).O professor é objeto de transferência e está ligado a “protótipos”, principalmente à imagem da mãe, do pai, etc. Ou seja, as pessoas estimadas ou respeitadas. Iniciada a transferência, a figura do professor é esvaziada de sentido e preenchida pelo aluno conforme sua fantasia. Isso acontece de forma natural na relação educador-educando, assim como em outras relações humanas.
O professor (a) é um fator fundamental para que ocorra a aprendizagem que não está focada somente nos conteúdos, mas sobretudo, na questão que se impõe entre professor e aluno, isso pode estimular ou não o aprendizado, independente dos conteúdos. A relação professor-aluno depende, em grande medida da maturidade afetiva do professor. É numa relação de diálogo e escuta que a educação será uma relação de respeito entre ambas as partes.
Considerando que o indivíduo traz consigo uma experiência relacional vívida com a família, com um inconsciente com todas as suas frustrações e recalcamentos de seu drama interior, com seus desejos e sua história. Portanto, deve-se lembrar que as dificuldades encontradas pelo aluno, na universidade, podem também ser de origem afetiva.
A pedagogia poderia se articular com essa expressão simbólica do aluno a partir das múltiplas situações oferecidas pelo grupo escolar e suas diferentes formas de atividades, oferecendo ao aluno oportunidade de verbalizar suas tensões. É dessa forma que a psicanálise pode ajudar o educador, permitindo a possibilidade de uma compreensão em profundidade do sujeito, no que ele tem de mais pessoal e mais íntimo. Para tal, é necessário que a universidade não mantenha os alunos numa relação de submissão passiva à autoridade do professor.
Freud, em “Por que a guerra?”, afirma que a comunidade se mantém unida pela força opressora da violência e pelos vínculos emocionais dos seus membros. Ele coloca a existência no homem da pulsão de ódio e destruição, e também a pulsão agressiva. Coutinho (Jorge, 2003) coloca que a concepção de pulsão foi construída ao longo de toda obra Freudiana. Pulsão é um conceito situado na fronteira entre mental e somático, sendo representante psíquico dos estímulos que são originados no organismo e que alcançam a mente e, diferentemente do da mesma: Pressão (Drang), Finalidade (Objekt) e Fonte (Quelle). Na Quelle se dá a partida de certa pulsão, o processo somático, sendo localizado numa parte do corpo ou em um órgão; Drang é impulso, uma força constante que se origina de uma excitação interna; Objekt é o que tem de mais variável, podendo ser qualquer um. Para Freud Recalque e Sublimação, destinos da pulsão, são dois pólos extremos e opostos que se excluem bilateralmente.
Pela necessidade existente de viver em sociedade e conviver com os outros nos obriga a adotar uma das duas soluções: Bloquear e impedir a exteriorização dos impulsos do Id (Recalque), ou então, transformar esses instintos em ações boas e compatíveis com a necessidade da convivência social (Sublimação).
A Sublimação é a capacidade de deslocamento da pulsão para fins não sexuais, e pensando na contribuição da educação para se conter os impulsos agressivos é necessário considerar os impulsos sexuais e agressivos dos componentes, e a sublimação como um destino possível das pulsões. Estevam (1969) coloca que ocorre quando nossos impulsos malignos se disfarçam de inocentes e inofensivos e se manifestam na vida consciente do ego, sem que ninguém consiga descobrir sua verdadeira identidade. Freud coloca que a análise de professores e educadores é a medida mais preventiva e eficiente do que analisar as crianças. Millot (1987, p.39) coloca que “Saber o que se está fazendo quando se educa, já que não se faz o que se quer.” Em 1920, no texto “Além do Princípio do Prazer”, a teoria das pulsões sofre uma mudança pois Freud conceitua a pulsão de morte.
De acordo com Costa (2007) a escola foi construída com o intuito de afastar a criança da exposição a sexualidade dos adultos, sendo entendido que tal exposição seria inadequada para a formação moral deles. Podemos ver, então, que as propostas da educação não levam em conta os processos inconscientes no aprender, no viver juntos e na violência, que são fundamentais para se pensar nas relações humanas, é entendido que “aprender a viver juntos” pode ocorrer através de um ensino, não levando em conta o que é transmitido de forma inconsciente.
Freud coloca, em uma discussão sobre suicídios de alunos, que uma escola deve dar aos jovens o desejo de viver além de lhes oferecer apoio e amparo em uma época da vida que o seu desenvolvimento faz com que diminua seus vínculos com a família. Sendo assim, podemos ver que para ele a escola e o professor possuem importância na constituição subjetiva dos seus alunos, deve ser colocada como um espaço para vivenciar o convívio com o outro, o diferente de si, onde se posso sonhar, falar, pensar e experimentar limites. Ele coloca, em Massas e Análise do Eu, que libido é a energia dos instintos que tem a ver com tudo incluído pela palavra amor (amor próprio, amor por pais e filhos, amizade, devoção a objetos, idéias).
No Complexo de Édipo, segundo observações da psicanálise, o primeiro objeto de amor da criança são os pais, eles seriam os primeiros instintos sexuais da criança, porém ocorre uma repressão dos instintos sexuais, assim a criança permanece ligada a eles pelos instintos, sendo assim, todas as relações desenvolvidas após a infância carregam uma herança dos instinto amorosos pelos pais, inclusive a relação educadora(or)-educanda(o). O Complexo de Castração é um conceito desenvolvido por Freud para caracterizar o momento em que as crianças procuram entender que todos eram iguais, possuíam o mesmo corpo e em dada situação, algo aconteceu que fez com que alguns perdessem algo.
Para Freud, a educação teria um papel importante no processo de sublimação. Porém, a mesma repressão que pode gerar uma sublimação, também pode gerar uma neurose. Uma educação repressiva teria um papel importante na manutenção de uma sociedade neurótica. Uma grande dificuldade que surge para a educação está no fato de que a sublimação se dá através de processos inconscientes. O educador deveria promover a sublimação, mas sublimação não se promove, por ser inconsciente.
A teoria psicanalítica contribui com a educação no sentido de permitir que, tendo conhecimento do caminho que a energia para o saber percorre, o professor atue de maneira mais consciente, viabilizando e compreendendo as manifestações que as pulsões parciais e a pulsão sexual exercem no desenvolvimento infantil.
Atuação do Psicólogo Escolar no Ensino Superior
Estudos mostram que têm surgido novos espaços de atuação emergentes para os psicólogos, como as políticas públicas educacionais, pós-graduação e o Ensino Superior. Devido à facilidade de acesso ao ensino superior, com vestibulares menos seletivos, que tem possibilitado o ingresso de indivíduos que apresentem dificuldade de aprendizagem. Alguns autores relatam que há uma grande recorrência de casos de universitários com problemas de aprendizagem (WITTER, 1998; WATANABE, 2000; FERRARI e SEKKEL, 2007; FERREIRA, 2007). Após o seu ingresso, tanto aluno como universidade devem encontrar alguma forma de sanar ou diminuir os problemas relatados como barreiras no método de aprendizagem, para evitar a evasão ou que este aluno não conclua a sua formação.
Marinho-Araújo (2009), destaca que a atuação do psicólogo dentro das instituições de ensino superior foca principalmente no acompanhamento dos estudantes nas demandas relacionadas a problemas de adaptação à vida universitária e às novas relações sociais efetivadas; à orientação profissional; ou à demanda ligada aos processos de ensino e aprendizagem. A autora afirma, ainda, que a forma de intervenção é a mesma utilizada na Educação Básica.
Neste contexto temos a psicanálise como um método desenvolvido para consultórios e sua teoria desenvolvida por Freud baseado em casos clínicos, porém, sua aplicação tem sido pensada desde o próprio Freud para outras ciências, dentre delas a educação. Fornecendo assim todo suporte teórico a interpretação de fenômenos que ocorrem fora do contexto analítico, a psicanálise pode fundamentar a prática do analista fora da clínica. Sendo assim não se faz clínica psicanalítica fora dos consultórios, mas atua-se fundamentado na ética da psicanálise (ANSELMO, 2008).
No final da década de 1970, Catherine Millot trabalhou sobre as possibilidades de haver uma pedagogia que levasse em conta os conhecimentos e o método de trabalho da psicanálise, mas concluiu que não era possível, devido a distância entre as duas propostas: a psicanálise pretende trazer à tona o que a educação pretende barrar. Segundo ela, a relação possível entre psicanálise e educação se daria apenas pela psicanálise do educador e da criança (MILLOT, 1979, p.157). Em 1989, Kupfer fundamentada nos estudos de Millot, limita a contribuição da psicanálise como a geração de uma filosofia de trabalho ao educadores.
(…) a Psicanálise pode transmitir ao educador (e não à Pedagogia, como um todo instituído), uma ética, um modo de ver e de entender sua prática educativa. (…) Cessa aí, no entanto, a atuação da Psicanálise. (KUPFER, 1989, p.97).
Em 2007 a autora revê suas elaborações anteriores e modifica sua posição. Afirmando que pode-se falar em educação orientada pela psicanálise (KUPFER, 2007). Demonstrando a possibilidade de educar de modo psicanaliticamente orientado.
Kupfre (2007) se refere a estilos cognitivos, a relação de cada indivíduos com o conhecimento, o professor sabendo disso conduzirá o aluno para o seu próprio estilo cognitivo. Propondo uma educação voltada para o sujeito, considerando particularidades, incluindo o modo de aprender.
Na educação, a psicanálise propõe um trabalho de escuta dos educadores, por um lado, e de transmissão da teoria psicanalítica a esses profissionais, por outro. Escutam-se suas angústias diante do diferente, do que foge ao padrão. Transmite-se o que é educar, transferência professor-aluno, e qualquer outro tema que possa auxiliar na prática educativa. Segundo Colli (2008), ao conhecer a teoria psicanalítica o educador pode sustentar a sua função, além de ter reduzido o nível de angústia presente no ato de educar.
Para a psicanálise a dificuldade de aprendizagem deve ser tratada da mesma maneira que se trata qualquer outra queixa clínica, em que se pergunta ao próprio sujeito o que ele pensa a respeito da sua dificuldade. O estudante é levado a refletir sobre a sua queixa, a fim deles próprios encontrem as causas e as possíveis soluções para seu problema, considerando a existência do inconsciente como determinante dos acontecimentos psíquicos.
Além dos poucos estudos voltados para a atuação do psicólogo no ensino superior com uma abordagem psicanalítica há um grande distanciamento entre a atuação profissional e o conhecimento adquirido na academia.