Foto: Rosely Camargo
“Eu acredito e sempre acreditei na vida
De uma maneira muito forte muito intensa
É que é difícil a gente ouvir de nosso próprio coração
Que ele só pulsa, bate, chora, mas não pensa”.
Me encontrava sozinha sentada a beira de um rio e ao olhar a paisagem à minha frente não deixei de perceber toda magia e beleza que me rodeava. Ao olhar as águas turvas do rio, as árvores na margem dele, os galhos secos em meio ao seu leito e uma canoa ancorada em sua margem, percebi que estava diante do inexplicável.
Olhei aquelas águas escuras como se fossem a vida. Não sabemos o que encontraremos nela, não sabemos para onde ela nos levará, não sabemos o que iremos encontrar mais adiante. Assim como aquelas águas que eu olhava…
Pude ver naquela canoa ancorada a margem do leito do rio o ser humano. Em contato com a vida que te leva – as águas – ao mesmo tempo preso com medo de percorrer a vida que está a sua frente.
A corda segurava a canoa em um pedaço de tronco que não a deixava seguir sem rumo ou sem destino. As pessoas a quem amamos são esses troncos que ao longo da vida nos fazem parar e esperar a hora certa de navegar pela vida.
Naquela canoa ancorada refiz meu caminho diante da vida…
Percebi que posso carregar muitos comigo e juntos podemos perceber que a vida mesmo sendo indefinida surge a todo momento com coisas belas diante de nós. Eu me vi ancorada e feliz por perceber que quem me segura nesse momento da vida são pessoas a quem amo e a quem espero para mais tarde navegarmos nas águas turvas da vida a nossa frente.
Senti a brisa leve tocar meu rosto e balançar meus cabelos e nesse momento foi como se meu corpo se esvaziasse de tudo o que carrego e somente consegui ver o rio e a canoa. Eu e a Vida. Um galho que pendia do tronco em que estava ancorada balançou e nesse balançar senti uma paz infinita penetrar meu ser…
Os peixes ao longo do rio me faziam percebê-los quando se debatiam na água turva, dizendo assim que ali continha muita vida e esperança. E assim é importante que nós possamos sentir esse chamado mesmo diante do desconhecido que encontramos ao longo do caminho, pois a vida segue… Pede passagem, abre caminhos e nos convida a nos deliciarmos do que de bom ela tem.
No farfalhar das folhas secas nas margens do rio vi as rodas de amigos no fervilhar das conversas diárias dos botequins, vi a alegria das crianças ao se encontrarem em uma festa de aniversário, vi as risadas da família em torno da mesa, vi a alegria de um casal enamorado ao se reencontrarem depois de um tempo longe um do outro…
O remo deitado ao longo da canoa representava naquele instante os abraços que damos e recebemos nas pessoas com quem convivemos. Muito mais que o abraço ele representa a segurança que temos para que possamos desbravar o rio que nos é colocado a frente. O remo representava naquele instante, a segurança que recebemos das pessoas que nos rodeiam para prosseguirmos navegando nas águas profundas que nos esperam.
Mesmo com toda escuridão das águas podia ver nelas refletidas as árvores que de sua margem pendiam. Nesse reflexo via a imensidão que clareava o que escuro parecia.
Nesse turbilhão de imagens e sentimentos lembrei-me então dos versos da música de Fábio Júnior em que diz:
“Estou tentando resolver esse problema
onde uma cena cresce mais que seu autor
Se estava escrito que haveria outra pessoa
Rio e Canoa sabem mais que pescador.”
Naquele instante o Rio e a Canoa sabiam mais que qualquer outra coisa. A cena era maior que o descanso que eu ali procurava, maior que as pessoas que perto de mim se encontravam…
Pessoas passavam para lá e para cá e não conseguiam ver o que eu via. Não sentiam o que eu sentia…
Em meio aquela maravilhosa paisagem era como se aquelas águas servissem apenas para dar a eles os peixes que desejavam comer e a canoa fosse apenas o meio de locomoção sobre as águas.
E assim, em uma tarde quente de agosto, às margens de um rio, senti a minha vida ali refletida. Sem meias palavras, percebi que como a canoa ancorada e que velha parecia, era eu quem estava com muita vida percorrida…
Com a certeza de que mais perto do fim do leito que me é dado eu me via. No entanto, com muita alegria, pois o que é efêmero dentro de mim naquele instante morria.
Agosto de 2012