A construção social do amor e do casamento para as mulheres

Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser — Simone de Beauvoir.

A promessa dos felizes para sempre em duas alianças.
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Se entrelaçando entre as relações humanas, o amor romântico e o casamento foram apresentados às mulheres como algo primordial em suas vidas, ainda que o conceito tenha perdido fôlego nos últimos anos, atualmente a felicidade e completude de uma mulher ainda se encontra associada ao papel de esposa e mãe, aos homens são apresentados outros sonhos na infância, já para as mulheres, até mesmo com as brincadeiras vemos um padrão de fantasiar, quando criança, em ser dona de casa e mãe. 

Ao longo da vida as mulheres são ensinadas a sonharem e desejarem uma grande história de amor, o encontro da alma gêmea, o casamento e a maternidade como a descoberta da felicidade, o patriarcado implantou a ideia de que, para as mulheres o amor é o principal, e tópicos como casamento e maternidade foram romantizados ao longo dos anos, disseminando a mensagem de que mulheres são seres sensíveis e amorosos, com necessidade de amar e se tornar cuidadora, se completando dentro de uma relação romântica. Simone de Beauvoir escreveu em seu livro O Segundo Sexo (1949):

Não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos: seria admitir a existência de uma natureza feminina, quer dizer, aderir a um mito inventado pelos homens para prender as mulheres na sua condição de oprimidas. Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade. 

Desde a infância, em filmes direcionados para o público infantil, como os clássicos da Disney, contos de fadas protagonizados por figuras femininas, o feliz para sempre da heroína era o encontro do amor e o matrimônio, essas imagens por vezes são enraizadas nas cabeças de meninas, que sonham com o dia que vão vivenciar a fantasia dos filmes, encontrando o príncipe perfeito, o homem ideal, mas diferente dos filmes, na vida real nem sempre o casamento é o final feliz da história.

Durante a infância as crianças são bombardeadas com contos de fada. São geralmente histórias para dormir extremamente machistas, que reforçam a ideia de que a mulher é inferior. Enquanto as crianças crescem, suas opções literárias evoluem para outros gêneros narrativos que comumente trazem o mesmo conceito de subalternidade. (ACOSTA, 2009). 

No entanto essa imposição tem a tendência de gerar infelicidade e frustração, pois agora a felicidade tem um padrão previamente estabelecido, é necessário que o encontro com a pessoa que será o complemento perfeito, e quando se tem a sorte de achar o seu par, o aprendizado sobre o amor ofertado às mulheres diz que como mulheres são seres emocionais, a reflexão sobre o amor não é válida, ele deve ser sentido, e o amor é uma coisa linda, que a tudo tolera, aceita e consente. 

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Era uma vez uma princesa que conseguiu o seu felizes para sempre, mas a vida de casada ironicamente não era um “conto de fadas”, ser uma esposa influencia em sua identidade e modifica a sua vida, ela percebe que em nome do amor e por convenções sociais, ela deve abandonar os seus planos individuais, e que a conjugalidade é cansativa, trazendo a perda de si própria, e até mesmo desgaste físico e mental, no entanto ela deve resistir pois esse é o papel para o qual a mulher foi historicamente designada.  

Esses contos ao refletirem a realidade histórica e cultural da época, por diversas vezes colocavam a figura feminina com um objeto para o matrimônio, com a função de auxiliar o homem. Ainda na contemporaneidade a vida cotidiana não se distanciou desse fato, pois a figura masculina ainda é supervalorizada, constantemente colocada em uma posição de superioridade em relação à mulher. Histórias como essas transmitem a mensagem de que o casamento é a principal etapa na vida de uma mulher, diminuindo ou não valorizando outras conquistas, esse estereótipo conclui que o casamento é primordial se ter felicidade e sucesso. 

Tal ideia foi difundida por inúmeras obras literárias e audiovisuais no decorrer dos anos, com um destaque expressivo em obras destinadas para um público infantil, sendo assim o contexto que foi criado a mulher ainda pode ser vista com atribuições de serventia para os homens, e esses conceitos são propagados de uma forma que não é incomum que muitas mulheres reproduzam esse ponto de vista em seus posicionamentos.

A mulher sempre esteve inserida dentro de uma estrutura patriarcal, na qual seu destino era marcado pela submissão e direcionado ao casamento. Era uma figura emudecida e marginalizada em vários aspectos, por exemplo, como filha ou esposa, não podia opinar em nada que se referisse a outro universo que não o lar, o enxoval, o noivo/marido e o bem-estar da família, restringindo-se a obedecer aos homens da casa. (PIMENTA; DAL CORTIVO, 2012). 

As histórias que são apresentadas em filmes geralmente refletem o imaginário de amor romântico, o sofrimento é o aprendizado que o amor traz, a jornada do herói da maioria das protagonistas femininas é a busca pelo amor, de acordo com Anthony Giddens (2001, p. 28) o amor foi definido por alguém como “[…] uma conspiração engendrada pelos homens contra as mulheres para lhes encher a cabeça com sonhos tontos e impossíveis”. 

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Por muitas vezes o casamento se compõe em uma elaborada armadilha para as mulheres, pois para elas, em concordância com Simone de Beauvoir (1976, p. 498): “o amor foi apontado à mulher como uma suprema vocação e, quando se dedica a um homem vê nele um deus […]”. A forma que homens e mulheres aprendem a amar e se comportar em um relacionamento é divergente, em uma sociedade patriarcal que se centraliza na figura masculina, ao homem cabe “sustentar” seu lar, a mulher é imposto o papel de cuidadora, a responsável de manter o casamento mesmo com dificuldade, a culpada se essa relação fracassar, o casamento e as relações amorosas podem no final ser um fator que traga mais sofrimento que alegria, diferente da promessa vendida ao longo da vida para as mulheres.    

Referências: 

ACOSTA, Rossana Paiva. Personagens femininas da literatura e seu impacto nas gerações. 2019. Disponivel em: https://www.redeicm.org.br/revista/wp-content/uploads/sites/36/2019/10/Personagens-femininas-da-literatura_ok.pdf. Acesso em: 24 de Fev. 2023. 

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Venda Nova: Bertrand, 1976.

GIDDENS, Anthony. Transformações da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. Oeiras: Celta Editora, 2001.

PIMENTA, Luciana Mendes; DAL CORTIVO, Raquel Aparecida. A representação da mulher nos contos de fadas tradicionais e contemporâneos nas obras cinderela e procurando firme. 2012. Disponivel em: https://edoc.ufam.edu.br/retrieve/12c3a303-bcba-440e-8d1a-d7145924352c/TCC-Letras-2012-Arquivo.013.pdf. Acesso em: 27 de Fev. 2023.