O psicólogo trabalha em cima da prevenção da saúde mental de seus pacientes, acompanha casos onde haja necessidade de intervenção quanto a tratamentos, atende grupos de familiares, até mesmo funcionários do hospital.
A presença dos psicólogos na saúde pública foi influenciada em suma pela reforma sanitária e psiquiátrica que ocorreu na década de 1980. Foi um movimento que buscou mudanças essenciais no sistema de saúde a fim de melhores condições de vida para a população. Dentre essas mudanças, almejava-se o não isolamento de indivíduos com algum distúrbio mental em manicômios, onde eram separados de suas famílias e excluídos da sociedade.
Como resultado dessa luta nasceu o Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de garantir o direito ao acesso à saúde de qualidade á toda a população, oficializado na Constituição de 1988, ao qual diz o seguinte: “Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (in: CONASEMS, 1990, p. 04).
O SUS trouxe uma ideologia do ser humano como um todo, um ser biopsicossocial não fragmentado, que necessita de saúde integral: física, psíquica, emocional; com práticas que vão desde a prevenção até o tratamento. Seu princípio é ser descentralizado, ou seja, as atitudes a serem tomadas devem ser baseadas nas necessidades de cada localidade ou região, visando suprir as demandas dessa população.
A partir disto, surge como modelo de assistência à saúde o Programa Saúde da Família (PSF), com seus objetivos a serem descritos a seguir: “O programa Saúde da Família é um modelo de assistência à saúde que vai desenvolver ações de promoção à saúde do indivíduo, da família e da comunidade, através de equipes de saúde que farão o atendimento na unidade local de saúde e na comunidade, no nível primário […]” (Brasil, 1994, p. 02).
Com a visão do ser humano como um todo, a promoção da saúde no PSF deve ser feita por uma equipe multidisciplinar, descentralizando o trabalho médico e dando ênfase na pluralidade das diversas demandas direcionadas a outras áreas profissionais. Essa equipe deve trabalhar integrada entre si, unindo seus conhecimentos para uma melhor qualidade de vida da população local.
Para a Organização Mundial de Saúde, a qualidade de vida apresenta uma natureza multifatorial, enfocando cinco dimensões: a psicológica, a física, as relações sociais, o meio ambiente e o nível de independência, que, nesse caso, corresponde aos aspectos de morbidade, dependência de cuidados médicos e de medicações, capacidade laboral e atividades diárias (Souza e Carvalho, 2003).
É aí que entra o papel do psicólogo. Não há como falar em saúde desassociando-a da saúde mental, uma é complementar à outra. A psicologia se mostra extremamente necessária dentro do PSF, pois ficam a cargo do profissional os princípios de prevenção e promoção da saúde mental e o tratamento de transtornos psíquicos de forma humanitária e digna junto à família e a comunidade, isso visando promover aspectos e práticas de uma vida saudável à população local, dando a cada indivíduo a consciência de agente da sua própria saúde. Ele deve estar atento também a questões que implicam ao meio social e às suas relações, tais como o uso de drogas, criminalidade, abusos sexuais, relações familiares e etc.
Segundo Ana Carol Pontes de França e Bartyra Amorim Viana, “há contribuições relevantes quanto à atuação do psicólogo no PSF de acordo com sua realidade, são elas: Assessoria na elaboração, implementação e avaliação permanente de ações em saúde pública junto à equipe multidisciplinar; Assessoria na elaboração de programas e atividades complementares, em áreas pertinentes à consecução do projeto em saúde, tais como: desenvolvimento emocional e relações interpessoais, orientação sexual, prevenção em relação ao uso de substâncias psicoativas, orientação vocacional e preparação para o trabalho, preparação para a aposentadoria, reorientação profissional, lazer, criatividade, etc; Elaboração e condução de programas de trabalho com grupos que contemplem a prevenção e a promoção da saúde mental da comunidade, objetivando a melhoria na qualidade de vida, a promoção da resiliência psicológica.” (PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2006).
A presença do psicólogo no PSF é essencial e mostra bons resultados quanto à promoção de qualidade de vida das comunidades. Com isso, vê-se a necessidade da continuidade dos trabalhos para superar os desafios presentes, em vista que o profissional deve estar atento à realidade da comunidade, às suas possibilidades e os seus limites, disposto sempre a oferecer um serviço de qualidade para a população.
Psicologia hospitalar
Alfredo Simonetti em seu livro, define a Psicologia Hospitalar como um campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento. Que se dá quando o sujeito humano carregado de subjetividade se embarra com uma realidade antes não conhecida de natureza patológica denominada “doença”, presente em seu próprio corpo, produzindo uma infinidade de aspectos psicológicos que podem evidenciar no paciente na família ou na equipe de profissionais. Assim não se trata apenas de doenças psíquicas os chamados “problemas mentais” mas aspectos psicológicos de qualquer doença mesmo que seja física, pois existe certa subjetividade por trás de cada uma.
Segundo o autor, o foco da psicologia hospitalar são os aspectos psicológicos em torno do adoecimento e estão encarnados nas pessoas, pessoa do paciente, pessoa da família e pessoa da equipe de profissionais. Portanto, não esta ligado somente a dor e ao sofrimento daquele paciente, mas comportamentos notados de cada parte envolvida. Pois cada um deles tem um objetivo diante da doença, que varia entre (sintoma, como interesse do paciente em se livrar da doença; prognostico, como interesse da família em saber a gravidade dela; e diagnóstico, interesse do medico para iniciar o tratamento). E esses desencontros de objetivos precisam ser bem manejados pelo psicólogo hospitalar.
A psicologia está interessada mesmo em dar voz a subjetividade do paciente, restituindo-lhe o lugar de sujeito que a medicina lhe afasta (Moretto, 2001). Ou seja enquanto que para a medicina as emoções, as fantasias e os sentimentos não tem nenhum sentido, pois olha somente para doença em si e quer esvaziar o paciente de toda essa subjetividade. Para a psicologia acontece o contrario, pois acredita que isso é fundamental no tratamento, uma vez que o corpo não funciona sozinho, precisa do sujeito, com suas ações.
Quando um paciente chega para internação, cada profissional sabe o seu papel o médico preocupa com a doença e seus sintomas, a enfermeira com o corpo e dá a medicação necessária, e o psicólogo somente com o “corpo simbólico” consegue fazer seu trabalho. Ou seja, usa aquilo que está além do corpo físico, em oculto e que poucos veem, mas que na maioria já até manifestou, através da doença. Porém, o único que percebe isso é o psicólogo, que vai usar seu maior instrumento de trabalho, fala e a escuta principalmente para resolver certas situações que só ele consegue.
Existem também aqueles pacientes que estão sedados, inconscientes, impossibilitados de falar, ou mesmo resistem ao atendimento. Ainda assim as palavras são eficientes, através dos códigos não verbais, gestos, olhares até mesmo o silêncio é valido e usado pelo profissional como uma espécie de interação entre eles e uma forma de descobrir a relação de tudo com os sintomas e a doença já instalada.
De acordo com a definição do órgão que rege o exercício profissional do psicólogo no Brasil, o CFP (2003a), o psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar tem sua função centrada nos âmbitos secundário e terciário de atenção à saúde, atuando em instituições de saúde e realizando atividades como: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e unidade de terapia intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria.
Além disso, o psicólogo dá apoio a equipe multidisciplinar. Casos em que médicos e enfermeiros não conseguem resolver. Por exemplo, a relação com o paciente quando ele recebe uma noticia inesperada, ou um diagnóstico, e se desespera diante de uma medida radical que precisa ser tomada pelo enfermo, como parte necessária do tratamento e, contudo pode escolher por não aceitar. É o caso da amputação de membros do corpo, cirurgias arriscadas, remédios fortes, casos de dependentes químicos que não conseguem largar o vicio. Assim mais uma vez entre em cena o psicólogo hospitalar com sua especialidade no campo das palavras com a orientação necessária e na maioria das vezes bem sucedida.
Há controvérsias e criticas em relação a área, Yamamoto e Cunha (1998) argumentam que o hospital é um local, e não um campo de atuação, o que torna pouco defensável sua classificação como área de atuação. No segundo, Yamamoto, Trindade e Oliveira descartam a denominação Psicologia hospitalar por duas razões: a primeira, a inadequação do uso de um local de trabalho para designar uma área de atuação, e a segunda é que a identificação por local tende a pulverizar e a fragmentar o campo profissional da Psicologia, tornando muito difícil a construção de uma identidade de profissional de saúde para o psicólogo que atua no contexto hospitalar.
Psicologia Hospitalar x Psicologia da Saúde
Chiattone (2000), que diz que a Psicologia Hospitalar é apenas uma estratégia de atuação em Psicologia da Saúde, e que, portanto, deveria ser denominada psicologia no contexto hospitalar. Segundo a definição de Kern e Bornholdt (2004) e também de Chiattone (2000)[1] , a atuação do psicólogo da saúde é principalmente na área hospitalar, mas também pode ser feita em campanhas de “promoção da saúde“, educação em saúde mental, em pesquisas e aulas nas universidades por exemplo. Logo, todo psicólogo hospitalar é psicólogo da saúde mas nem todo psicólogo da saúde é hospitalar.
Logo a psicologia hospitalar é responsável por recolocar o indivíduo diante da doença que já está instalada, e acompanha-lo durante o tratamento externo fazendo as orientações e o acolhimento necessário.
Psicologia Pediátrica
Dentro da psicologia da saúde existe a psicologia pediátrica que é uma área específica a ser trabalhada com crianças e adolescentes, com aplicabilidade clínica. Ambas foram reconhecidas no mesmo ano, 1978. Em seu âmbito profissional ele pode lidar tanto com a criança como com os pais da criança e outros técnicos da saúde.
“Fazem parte do âmbito do trabalho do Psicólogo Pediátrico:
– Perturbações do desenvolvimento associadas a fases específicas, ou simplesmente situações reativas, como as perturbações alimentares, sono, separação/individuação, dificuldades de socialização à entrada para a infantaria ou escola, etc.;
– Problemas neonatais (incluindo a prematuridade, malformações congénitas, morte neonatal, etc.);
– Situações de não progressão ponderal; anorexia; suicídio, maus tratos;
– Doença crónica (asma, artrite reumatoide, insuficiência renal, diabetes, lúpus, fibrose quística, epilepsia, HIV pediátrico, etc.);
– Situações traumáticas (queimaduras, traumatismos cranianos e vertebro-medulares);
– O desenvolver e implementar campanhas de prevenção e promoção para a saúde de todo o tipo como as de acidentes de viação, consumo de tabaco, etc.”
Existem três formas de atuação deste profissional. A primeira delas é a consulta indireta, onde ele aplica uma ação auxiliar ao trabalho do médico apenas quando é solicitado, sem muitas intervenções, apenas pareceres e recomendações.
A segunda forma é a consulta com colaboração onde ele aplica ações interventivas, são estas ações que facilitam e complementas as ações do médico, como por exemplo em casos que o paciente não quer aderir ao tratamento. E por último o terceiro modelo que não é muito descrito em livros de psicologia pediátrica, pois não é muito usual, é quando o psicólogo atua por própria conta, sem precisar de solicitação da equipe multidisciplinar.
Um aspecto interessante da psicologia pediátrica é que é necessária uma especialização da parte do profissional para atuar nesta área. Os psicólogos especialistas em área clina, por exemplo, não apresentam muita aproveitabilidade nesta área, pois eles costumam agir de forma isolada, o que prejudica a integração com a equipe e a colaboração interdisciplinar.
Um dos maiores papeis do psicólogo pediátrico talvez seja a de ensinar aos pais seu papel de prevenção da saúde mental da criança, os efeitos da doença física para ela, entre outros aspectos importante do desenvolvimento infantil de cada etapa da infância.
A chegada dos psicólogos para o âmbito da saúde facilitou muito o trabalho das pessoas desta área, pois “uma significativa percentagem dos pacientes que recorrem a serviços de pediatria tem apenas problemas psicológicos ou uma mistura de problemas físicos e psicológicos (Duff, Rowe, & Anderson, 1973; McCleland, Staples, Weisberg, & Bergen, 1978; Wright, 1979).
Nota-se a grande diversidade de área de atuação mesmo dentro de uma área da psicologia. Um dos maiores desafios do psicólogo na atualidade é identificar estas “brechas” onde sua atuação é necessária e conquistar seu espaço no mercado de trabalho.
No âmbito da psicologia da saúde percebe-se que o psicólogo não atua apenas para “dar notícias ruins”, o psicólogo trabalha em cima da prevenção da saúde mental de seus pacientes, acompanha casos onde haja necessidade de intervenção quanto a tratamentos, atende grupos de familiares, até mesmo funcionários do hospital.
Outro aspecto importantíssimo é ressaltar o trabalho interdisciplinar para os demais profissionais que atuam em conjunto com o psicólogo para reestabelecer a saúde de seus pacientes. Esse trabalho em conjunto é de extrema importância quando se está trabalhando em prol do bem de outras pessoas.
REFERÊNCIAS:
Belar, C., & Deardorff, W. (1995). Clinical health psychology in medical settings: Practitioner’s guidebook. American Psychological Association. DeLeon, P., Pallak, M., & Hefferman, J. A. (1982). Hospital health care delivery. American Psychologist, 37, 1340-1341.
Dorken, H., Webb, J., & Zaro, J. (1982). Hospital practice of psychology resurveyed: 1980. Professional Psychologist, 13, 814-829.
Drotar, D. (1993). Psychological perspectives in chronic childhood ilness. In M. C. Roberts, G. P. Koocher, D. K. Routh, & D. J. Willis (Eds.), Readings in
pediatric psychology. New York: Plenum Press. Duff, R., Rowe, D., & Anderson, F. (1973). Patient care and student learning in a pediatric clinic. Pediatrics, 50, 839-846.
SIMONETTI ( 2004) Manual de Psicologia Hospitalar. São Paulo: Casa do Psicólogo. p. 09-25
Moreto, M. L. T. A problemática da inserção do psicólogo na instituição hospitalar. Revista de Psicologia Hospitalar, v. 9, n. 2, 1999. p.19-23
CFP – Conselho Federal de Psicologia . Página oficial da Instituição, 2003.
Yamamoto, O., & Cunha, I. (1998). O psicólogo em hospitais de Natal: uma caracterização preliminar. Psicologia: Reflexão & Crítica, 11(2), 345-362.
KERN, E. C.; BORNHOLDT E. Psicologia da saúde x Psicologia Hospitalar: definições e possibilidades de inserção profissional. Disponível em: [1] (23/01/2010)
CHIATTONE, H. B. C. A Significação da Psicologia no Contexto Hospitalar. In Angerami-Camon, V. A. (org.). Psicologia da Saúde – um Novo Significado Para a Prática Clínica. São Paulo: Pioneira Psicologia, 2000, pp. 73-165.
CONASEMS, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde 1990, p. 04.
SANTILLO, Ministro da Saúde Henrique. Em despacho, Brasil, 1994, p. 02.
SOUZA, Rafaela Assis de & CARVALHO, Alysson Massote. Programa de Saúde da Família e Qualidade de Vida: um Olhar da Psicologia. Natal : Estud. Psicol., vol. 08, n. 03, pp. 515 – 523, dez. 2003, ISSN 1413 – 294X.
FRANÇA, Ana Carol Pontes de & VIANA, Bartyra Amorim. Interface psicologia e programa saúde da família – PSF: reflexões teóricas. Psicol. cienc. prof. vol.26 no.2, Brasília, Junho de 2006.