Automutilação: a dor das cicatrizes

A automutilação também conhecida por lesão auto infligida, lesão autoprovocada e autolesão pode ser caracterizada através de práticas intencionais de lesões no próprio corpo sem considerar o suicídio. Este comportamento se desenvolve por fatores ambientais, culturais, psicológicos e fisiológicos, identificados, na maior parte, entre adolescentes e jovens (WALSH, 2012, apud QUESADA, 2020a).

Culturalmente, a automutilação é pouco discutida entre as pessoas devido a facilidade em esconder as cicatrizes e machucados provocados, e por ser constrangedor para a vítima. Assim, foi recém estudado no campo científico, sendo definida nos anos 60 como a “Síndrome do cortador de punhos”. Assim, quem a pratica busca o alívio das suas angústias e dores, e quando este comportamento não resulta nos efeitos de alívio desejados, sua frequência tende a aumentar para que a solução seja alcançada (QUESADA, 2020a).

Algumas situações podem contribuir para o desenvolvimento da prática de automutilação como abuso sexual, emocional e físico, traumas na infância, bullying, uso e abuso de álcool e outras drogas, transtornos psicológicos, transtornos alimentares, entre outros (QUESADA, 2020a).

As lesões autoprovocadas podem ser classificadas de acordo com a gravidade dos ferimentos. São elas: categoria leve, definidas como práticas de pouca frequência e lesões leves; categoria moderada, são ferimentos com maior intensidade e frequência, e por vezes, surge necessidade de intervenção médica. Já na categoria grave, há ferimentos de alta intensidade que podem ocasionar sequelas nas vítimas (QUESADA, 2020c).

Esta ação nem sempre é fácil de ser percebida devido às regiões das lesões estarem escondidas. Porém, alterações em certos comportamentos podem ser indícios dessa prática, como baixa autoestima ou julgamento de si próprio, desmotivação para atividades que anteriormente eram executadas, alteração de apetite, vítimas de bullying, baixa interação entre familiares e amigos (QUESADA, 2020a).

Fonte: encurtador.com.br/kJKR9

A colaboração dos familiares e da sociedade

Receber e respeitar a notícia de automutilação são princípios fundamentais e diferenciais para que a vítima possa se sentir acolhida e protegida diante de tal sofrimento. Assim como, considerar que o indivíduo que realiza a automutilação a prática pela falta de habilidades no controle emocional dos sofrimentos e resolução de problemas, e por isso, encontra nessa prática alívio de seu sofrimento. A todas as pessoas que convivem e conhecem pessoas que fazem a automutilação, é de extrema importância que possam ter compreensão e saibam conversar sobre o assunto com as vítimas, a fim de planejarem estratégias de tratamento (QUESADA, 2020a).

O meio familiar é o primeiro e principal ambiente que a pessoa é inserida no contexto de relacionamento, contribuindo para a construção e formação de seus princípios e valores de vida. É a partir desses vínculos que também se forma estratégias e habilidades de controle emocional diante de sofrimentos e estressores, e consequentemente, diminui-se as chances do adoecimento psíquico. Entretanto, a família também pode ser considerada um fator de adoecimento, quando esta não contribui para a qualidade de vida e bem-estar do familiar (QUESADA, 2020b).

A rede de apoio e assistência é fundamental para que a vítima tenha segurança e consciência de que existem maneiras mais adaptativas de seus problemas. Podem ser classificadas como profissionais de saúde, familiares, amigos, instituições religiosas, instituições de ensino, colegas de trabalho etc (QUESADA, 2020a).

Os profissionais de saúde envolvidos no tratamento de pacientes que se automutilam, devem levantar algumas informações para identificar as características das práticas de lesões autoprovocadas. Tais como, a frequência e intensidade dos machucados, circunstâncias que motivaram, formas e objetos utilizados, planejamentos e execuções, existência de intenção e ideação suicida. Compreender essas características auxilia na agilidade do planejamento e da execução do tratamento das vítimas. Pois quem mantém a prática autolesiva, muitas vezes, sentirá constrangimento e receio de que outras pessoas possam descobrir (QUESADA, 2020a).

Diversas instituições são consideradas determinantes para a colaboração da prevenção e cuidado ou como potencializadora dos atos de autoagressões. As relações interpessoais influenciam no controle emocional das pessoas que se automutilam, por isso é recomendado cultivar bons relacionamentos e convivência cordial para com as pessoas inseridas nesses contextos. Outro ponto a ser pensando é o papel da sociedade, contribuindo para a saúde mental coletiva com campanhas educativas como o “Setembro Amarelo” que aborda assuntos como automutilação e suicídio (QUESADA, 2020b).

Deve compreender que o tratamento é multiprofissional, e que quanto antes for iniciado, mais chances de sucesso o paciente terá. Podendo ser interprofissional entre médicos, enfermeiros, psicólogos, pedagogos, entre outros, além da colaboração de familiares e amigos (QUESADA, 2020a).

O ambiente escolar pode ser primordial para a psicoeducação e prevenção das práticas de automutilação entre crianças e adolescentes. É nele que a criança passa boa parte do seu tempo, onde também aprende sobre relações interpessoais, valores morais, regras. Nesse sentido, é que cada vez mais percebe-se a necessidade de uma equipe multiprofissional capacitada no que tange a saúde mental nas escolas, visando a qualidade de vida e o fortalecimento de vínculos saudáveis nesse contexto social. Juntamente com os familiares, a escola tem um papel de colaboração da identificação nas ocorrências de automutilação e na transmissão de informações necessárias nesses casos, principalmente para a elaboração e execução dos planos terapêuticos para o tratamento (QUESADA, 2020b).

Deve-se compreender como parte da sociedade, as redes sociais e serviços midiáticos por terem um alcance maior e mais rápido em relação a outros meios de comunicação. Assim, existem fatores que colaboram com a prevenção das práticas de autoagressão, ideação e tentativas de suicídio e outros que potencializam o acesso a informações distorcidas podendo incentivar a esses atos. Publicar conteúdo na internet que incentive a prática da automutilação é configurado como crime pelo artigo 122 do Código Penal (QUESADA, 2020b).

É entre os 13 e 16 anos a idade de maior frequência das autoagressões, sendo o corte o mais usado na autoagressão, localizados geralmente nas pernas, braços e barriga. Diante disso, é preciso observar os comportamentos e a rotina dos adolescentes, para que então, possam conversar e deixá-los confortáveis diante dessa circunstância (QUESADA, 2020c).

Em 2019 foi criada a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio através da Lei nº13.819/19, com o objetivo de promover saúde mental, prevenir a automutilação e conscientizar a população sobre essas práticas, que constituem questão de saúde pública (QUESADA, 2020c). Por se tornar política pública, foram criados alguns serviços para que colaborassem no auxílio e orientações sobre autolesões, ideação, planejamento, tentativa suicida. O Serviço Telefônico Estatal é uma central telefônica de recebimento de ligações sem custos e com sigilo para as pessoas que buscam ajuda (QUESADA, 2020b).

Fonte: encurtador.com.br/gjrxW

 Identificando sinais de alerta e prevenção

Escolas, faculdades e universidades são ambientes onde surgem demandas de acolhimento, orientação e apoio ao adoecimento psíquico, por isso os profissionais que atuam em tais instituições precisam estar preparados e capacitados para lidar com esse fenômeno. A identificação de alguns comportamentos e vínculos afetivos podem orientar a equipe escolar para as medidas cabíveis, como a relação da pessoa com seus familiares, relacionamento com seus colegas de trabalho e meio acadêmico e relação com o meio social, a fim de encontrar recursos e uma possível rede de apoio diante dos resultados encontrados (QUESADA, 2020b).

Alguns fatores podem ter grande influência no aumento da frequência de autoagressão e tentativa de suicídio, que são: episódio anterior de tentativa de suicídio, transtornos mentais e histórico familiar e/ou genético de auto violência (OMS, 2014 apud QUESADA, 2020c). Outros fatores de risco também podem contribuir para a prática ou aumento das autoagressões como violência física, sexual, psicológica (QUESADA, 2020c).

Já os fatores de proteção e prevenção podem ser considerados habilidades do indivíduo em resolver conflitos, controle emocional diante de circunstâncias de problemas, suporte familiar, acesso a grupos terapêuticos ou equipe multiprofissional em saúde, prática de atividades físicas, entre outros recursos que possam contribuir na sua qualidade de vida. Algumas medidas podem reforçar o trabalho preventivo aos atos de automutilação, tais como desenvolver cada vez mais vínculos afetivos saudáveis, a psicoeducação no ambiente escolar, apresentar os serviços sociais de apoio às pessoas com adoecimento mental, desenvolver habilidades de recursos próprios para o fortalecimento e equilíbrio emocional (QUESADA, 2020c).

Por se tratar de um assunto tão delicado e denso, muitas vezes a violência autoprovocada não é discutida no meio social, e por isso as pessoas que não são especialistas ou trabalhadores da saúde sentem dificuldade em abordar esse assunto com as pessoas que apresentam tal prática. As orientações gerais para esse tema podem ser definidas como conversar com as pessoas praticantes de forma leve e mais acolhedora possível, a fim de que a vítima possa se sentir respeitada e apoiada. O mais importante diante de todo esse contexto é poder compreender as alternativas de resolução de problemas para a pessoa e identificar os meios que possam tratar e minimizar seus sofrimentos.

Fonte: encurtador.com.br/befrw

Referências:

QUESADA, Andrea Amaro; NETO, Carlos Henrique de Aragão; OLIVEIRA, Josianne Martins; GARCIA, Marina Saraiva. Noções gerais sobre a automutilação. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2020a. 15 p.: il. color. (Curso Prevenção da Automutilação; fascículo 1). ISBN 978-65-86094-35-0.

QUESADA, Andrea Amaro; NETO, Carlos Henrique de Aragão, OLIVEIRA, Josianne Martins; GARCIA, Marina Saraiva. Automutilação: abordagem prática de prevenção e intervenção. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2020b. 15 p.: il. color. (Curso Prevenção da Automutilação; fascículo 2). ISBN 978-65-86094-34-3.

QUESADA, Andrea Amaro; FIGUEIREDO, Carlos Guilherme da Silva; SILVA, Antônio Geraldo; FIGUEIREDO, Renata Nayara da Silva; FIGUEIREDO, Karine da Silva; GUIMARÃES, Isabella Sallum. ilustrações: Rafael Limaverde. Cartilha para prevenção da automutilação e do suicídio: orientações para educadores e profissionais da saúde. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2020c. 124 p.: il. color.