Carta aberta aos Universitários negrxs de psicologia

Difícil começar esse texto, o qual não sei bem como denominar. Difícil, dolorido, mas extremamente necessário, pois saí do meu lugarzinho de conforto que tanto apreciava. Podemos começar exatamente desse ponto, do “lugar de conforto” (que no fundo é mais um lugar de desconforto) que nós estudantes de psicologia negrxs resolvemos fincar nossa bandeira de “somos todos iguais dentro do contexto acadêmico”. Bom, não somos. E sei que vocês também sabem e sentem isso, e eu entendo o quanto é dolorido assumir, mas acontece que já é hora de nos posicionarmos, é hora de abrir os olhos, de olhar para as diferenças e desigualdades, de olhar para a dor que caminha junto com a gente e, provavelmente, e infelizmente, seguirá por muitos anos de nossas vidas.

A nossa história de vida, até chegar nesse momento da academia, é permeada de opressão, luta pela sobrevivência, dentro de uma estrutura racista que a todo tempo quer nos impedir de chegar aos nossos sonhos. Mas, mesmo assim, não deixamos de sonhar, pois estar na universidade é a prova disso. Muitos de nós chegaram aqui com pouquíssima bagagem de aprendizagem escolar, porque a educação, na maioria das vezes, não é nossa prioridade, pois sobreviver é mais importante, comer é mais importante, ter um lugar onde morar, energia e água é mais importante. Mesmo diante destas dificuldades, nós nos esforçamos muito, muito mesmo para tentar suprir esse espaço de aprendizagem que nos foi negado lá atrás, e adivinhem? Nós conseguimos, pois se há algo que nós sabemos é nos “virar”, nossa especialidade é sobreviver. Portanto, acabamos nos dedicando muito mais do que outros alunos, justamente por essa falta, e eu não estou aqui pra dizer a você para parar de estudar o dobro, pelo contrário, continue. Infelizmente esse é o sistema, nós não somos os privilegiados. Mas, queridos, não aceitem, não aceitem o sistema como ele é, nós somos poucos na academia, mas representamos milhões de negrxs lá fora, pois quando levantarmos o canudo no dia da formatura, não estaremos lá sozinhos, fazemos parte de algo muito maior.

Fonte: encurtador.com.br/oxDSW

Diante de tudo isso que falei acima, gostaria de trazer essa discussão para dentro da psicologia. A psicologia é uma ciência linda, mas nós sabemos que por muitas vezes é elitista e com pouca consciência de classe e, principalmente, de raça. Consequentemente, sem uma visão crítica, nossa atuação também será. Nós negrxs estudantes desta ciência, que vivenciamos e sabemos que a construção da subjetividade dx negrx passa por um processo dolorido de racismo em todas as esferas da sociedade, suscitando todos os tipos de vulnerabilidades, ao receber pacientes/clientes negrxs iremos aplicar exatamente, nua e crua, teorias baseadas em uma sociedade branca? Tomara que vocês tenham respondido que não. Como falei no começo, nosso caminho é diferente, nossa subjetividade é construída de modo diferente. Não adianta dizer para uma pessoa negra que ela tem pensamentos muitos disfuncionais por ter pensamentos vistos como extremistas, porque ela faz das “tripas coração” para conseguir algo que para as pessoas brancas não exige muito sacrifício.

Não acredito nesse caminho, não acredito que embranquecer nossa atuação diante de pessoas negras promoverá saúde. Ouço muito dentro da academia que precisamos considerar o contexto, e sim é válido, mas em se tratando da população negra vai muito além, muito mais fundo, e nós precisamos estar cientes e preparados, precisamos promover saúde adequadamente para o nosso povo, e tendo consciência da responsabilidade de representar essa população, também podemos olhar para a falta de pesquisas e estudos que contemplem aspectos relacionados a saúde mental dxs nergxs, e refletir se esse não seria nosso papel dentro da psicologia.

Eu finalizo por aqui esta minha reflexão, e espero que tenha trazido incômodo, e espero que este incômodo tire vocês do lugar de passividade, assim como aconteceu comigo.

QUERIDOS NEGRXS, SOMOS NÓS POR NÓS.