Como mudar (ou não) sua vida, segundo Proust

Embora as pessoas passem muito tempo de suas vidas preocupadas em debater sobre a felicidade e as diversas formas de alcançar essa felicidade plena e estável, o fato é que nossa real preocupação tem sido a infelicidade.

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Há um prazer mórbido que pode ser observado em vários círculos de amizade, no qual as pessoas se vangloriam de suas desgraças e inclusive competem para ver quem sofre mais. Profecias sobre o fim da raça humana, que eventualmente será causado por eventos catastróficos, mobilizam milhões de pessoas, que acreditem ou não nessa “profecia”, acabam sendo influenciados por elas. Diante da possibilidade da destruição total, as pessoas respondem de diferentes maneiras. A maior parte delas parece concordar em viver tudo o que tinham se negado a fazer durante a vida. Isto é bom? Isto é ruim? (é uma pergunta retórica, eu não vou respondê-la. Nem Proust.)

Convenções sociais têm forçado os humanos a se comportarem “bem”, reprimindo desejos animalescos ou que simplesmente não combinem com o que a situação pede… Nós viveríamos esses desejos intensamente caso a morte fosse certa?

Proust, citado por Alain de Botton, em seu irônico e afiado livro “Como Proust pode mudar sua vida” (2013), afirma que diante da perspectiva iminente da morte, a vida nos pareceria infinitamente bela e importante. Quantas coisas deixamos de fazer, adiando para um futuro incerto, por que não nos parece que a morte pode estar à espreita, logo aí? A certeza crua e impositiva da morte, tiraria o “viver” do plano de fundo e o colocaria como figura central deste quadro interessante chamado Vida.

Muitos de nós já nos depararam com a Morte por aí. Alguns acidentalmente, e outros intencionalmente tentam entender como seria o silencio perpétuo… Outros a encontram e não têm tempo para delongas. Ela vêm, se impõe como um fardo, que a despeito de ser invisível, não é por isto menos pesado, e os que ficam são irremediavelmente afetados, obrigados a lidar, pensar e reorganizar suas perspectivas.

Botton (1997) afirma que abrindo mão da nossa certeza de imortalidade, aproveitaríamos melhor a vida e suas imensas possibilidades. Entretanto, essa tomada de consciência deve ser aliada às reflexões, para que não se tome decisões impulsivas diante do pânico que a finitude pode representar. Em “Como Proust pode mudar sua vida”, (apesar do título característico de leitura de auto ajuda) Botton não pretende ensinar como aproveitar a vida. O livro é um convite irônico à reflexão de como ajustar nossas prioridades e aproveitar a estadia antes que a nossa viagem seja interrompida.

De uma forma irônica Alain de Botton em “Como Proust pode mudar sua vida” misteriosamente parece até que vai ensinar uma receita para a vida, os capítulos assemelham aos livros de autoajuda e mesmo não sendo é através das narrativas de Proust que o livro é abordado. Proust era um homem fascinado pela literatura e tinha como objetivo ser tão importante para o universo social através da sua literatura quanto seu pai fora para a medicina da época, tais narrativas nesse livro estão relacionadas à sua primeira publicação “Em busca do tempo perdido” que foi aclamado como obra prima.

Dentre as narrativas é evidente que o autor tenta mostrar como enxergar o outro a partir de nós mesmos, por exemplo, quando lemos um livro vivemos aquela história contada como verdade absoluta e sentimos como se estivéssemos no lugar do autor. Essa relação autêntica colocada leva o sujeito a desenvolver aspectos positivos, pois a literatura independente do gênero e tem funções terapêuticas, como citada por Botton:

Em vez de culpá-lo pelo problema, talvez devêssemos nos perguntar se é possível esperar que algum romance tenha efetivamente qualidades terapêuticas, se esse gênero é capaz de oferecer mais alívio do que é possível obter com uma aspirina, um passeio pelo campo ou um dry martini. (BOTTON, 1997)

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Proust, a princípio, poderia até ser apenas um amador da literatura, mas ele conseguia transformar qualquer noticia de jornal seja ela boa ou ruim em uma bela história. Com ênfase, entusiasmo e emoção, até mesmo uma caixinha de sabonete pode mostrar um pouco sobre a magnificência da vida.

Ou seja, é o próprio sujeito que atua como protagonista e dá importância a algo, que desenvolve e dá sentido a uma história, pois todas as histórias que já se ouviu até hoje foram vistas com importância para que fossem repassadas.

Essa dinâmica de dar significado ao conteúdo e expressá-lo é mencionada de forma sucinta por Botton:

Isso mostra como boa parte da experiência humana está vulnerável à abreviação, como é fácil ser privado das referências mais óbvias que nos pautam quando atribuímos importância a algo. É possível imaginar que boa parte da literatura e do teatro não teria nos dito nada se tivéssemos nos deparado com seu tema sob a forma de uma notícia breve durante o café da manhã. (BOTTON, 1997)

Segundo Botton, ao citar Proust, para ter uma vida saudável de ideias é preciso ter uma mente que seja examinada cuidadosamente para que só assim seja confirmada uma grande sabedoria. Para ele, só existem dois meios de adquirir a sabedoria: através da dor que é uma variante superior e por um professor. Diante disso, todo criador deve ser o primeiro a usufruir de sua invenção ou construção.

É por isso que Proust desprezava a tese de Sainte-Beuve e argumentava veementemente que eram os livros, e não as vidas, que importavam. Assim, podíamos ter certeza de apreciar o que era importante. (BOTTON,1997, p. 44).

Proust fala da rejeição que teve e isso levou a fazer uma seleção de amigos para justificar dentro da história da filosofia que as pessoas que se destacaram eram as que tinham inteligência e moral. Botton nos conta as experiências e frustações de Proust. Ele diz que o sofrimento físico e psicológico faz parte da vida e faz com que a pessoa cresça tanto material como imaterialmente, tanto no amor quanto na ausência dele. “O amor é uma doença incurável.” “No amor, existe um sofrimento permanente.” “Aqueles que amam e os que são felizes não são os mesmos”.

O pessimismo romântico de Proust se baseava, pelo menos em parte, na combinação de uma intensa necessidade de amor e uma tragicômica falta de jeito para obtê-lo. “Meu único consolo quando estou realmente triste é amar e ser amado”, ele declarou, e definiu seu principal traço de caráter como “a necessidade de ser amado; mais exatamente, uma necessidade de ser afagado e mimado mais do que de ser admirado”. (BOTTON, 1997. p ,47)

De acordo com o autor, todo individuo é diferente um do outro, ninguém tem uma mesma combinação de ações e problemas, para uns aquilo que é uma doença crônica é para o outro apenas uma distorção do que está fora da normalidade. De fato, na visão de Proust, só aprendemos realmente alguma coisa quando há um problema, quando sofremos, quando algo não sai como o esperado.

Embora possamos, obviamente, usar nossa mente sem estar em sofrimento, Proust sugere que somente quando mergulhamos na dor é que de fato estamos pronto para confrontar com o problema e nos tornamos apropriadamente inquisitivos na aflição.

Sofremos, por que muitas vezes negligenciamos, portanto pensamos, e o fazemos porque o pensamento nos ajuda a contextualizar a dor, a entender sua origem, a medir suas dimensões e a nos reconciliar com sua presença. “Portanto, não podemos julgar a legitimidade da dor alheia somente com base no que teríamos sentido se tivéssemos sido expostos à mesma situação.” (BOTTON, 1997. p ,52).

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Segundo o dicionário “Informal” a palavra amigo significa: aquele que quer bem, aquele com quem podemos contar a qualquer hora. Para cada pessoa pode haver um significado diferente, atribuições distintas, do que é ser um amigo, tornando-se uma questão subjetiva. Em Botton (1997) Proust declara o que é ser um bom amigo, apresentando sua opinião de como se apresentar amigável. Mesmo que parecesse ser contraditório, pois para alguns as suas opiniões sobre o assunto são duras e sinceras, ele chega a afirmar que é preferível escrever um livro a ser um amigo, pois com o livro pode haver mais sinceridade em detrimento a amizade.

Em Proust havia uma mistura entre sinceridade e tentar agradar as pessoas, pois mesmo tendo um grau elevado de sensibilidade ao ser sincero, o seu maior temor era não agradar. Esforçava-se em demasia para que as pessoas se sentissem bem em sua presença, o seu maior interesse era ser aprovado. Agradava tanto que conversava assuntos de interesse alheios sem se importar se seus seriam falados ou não, pois para ele era egoísmo falar somente assuntos próprios.

Karnal (2016) cita que a amizade pode ser um desafio, pois ser amigo é observar-se num espelho pouco generoso, os amigos nos conhecem, sem se importar no que os outros pensam. Eles nos amam, mas não sabemos se nos amam apesar de nos conhecer ou por nos conhecer. Karnal ainda afirma que a amizade é entregar-se a um trajeto de apoio e intimidade. Proust achava ser também desafiador, pois mesmo sendo sincero, no sentido de falar realmente o que pensa, e tendo pensamentos radicalmente verdadeiros sobre seus amigos, não os podia falar; sendo assim preferia apenas ser agradável e apoiar seus muitos amigos.

Abrir os olhos no sentido literal e físico é levantar as pálpebras e ver o que tem a sua frente. Ver as coisas para Proust em Botton (1997) é enxergar a perfeição e a riqueza das pequenas e muitas vezes insignificantes coisas da vida, aquelas que podem nos dar tédio e serem menosprezadas por nós.

. Proust prezava a importância do segundo olhar sobre as coisas, independentemente se era uma valiosíssima obra de arte, ou um detalhe de uma cozinha. Para o autor, a vida pode se tornar infeliz pela simples incapacidade de abrir os olhos e dar chance a uma segunda visão.

As circunstâncias que propiciam o estado de felicidade são transitórias. Ao se interligar o conceito de felicidade e relacionamentos amorosos percebe-se que há uma busca constante pelo eterno e duradouro nas relações, porém, o ser humano tem dificuldade em manter algo depois de conquistado. Botton (1997) diz “Se um longo relacionamento […] gera […] uma sensação de conhecer bem demais essa pessoa, o problema pode, ironicamente, ser que não a conhecemos suficientemente bem”.

Bauman (2004) retrata “a misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos, (…)”. Em uma sociedade permeada pelo imediatismo, os sujeitos nela inseridos acabam entrando nessa dinâmica, onde os laços humanos são afetados.

Uma característica marcante da contemporaneidade é a liquidez nas relações humanas. As pessoas almejam pela facilidade, pelo caminho mais rápido, porém, quando estas alcançam o objeto desejado não desfrutam com a mesma intensidade que usufruem quando há sacrifícios, luta, esforços.

O autor traz em sua essência o seguinte pensamento “(…) é impossível amar alguém fisicamente” (BOTTON, 1997). Relacionar-se com alguém vai além de contato físico, e talvez por este motivo, muitos relacionamentos tenham se tornado passageiros, pois se apegam somente à atração física.

Tendo em conta que os relacionamentos virtuais vêm ganhando espaço pela facilidade de construir e romper laços, Bauman (2004) ressalta “Diferentemente dos “relacionamentos reais” é fácil entrar e sair dos “relacionamentos virtuais”. Em comparação com a “coisa autêntica”, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear”.

Desse modo, a busca por algo duradouro tem se tornado uma tarefa difícil, pois demanda tempo, disposição, manutenção do objeto conquistado e tudo isso requer trabalho. Para Alain de Botton (1997) o segredo que há em relacionamentos duradouros é “a infelicidade. Não o ato em si, mas sua ameaça. Para Proust, uma injeção de ciúme é a única coisa capaz de resgatar um relacionamento arruinado pelo hábito”.

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Todo o livro é dividido em diversas partes que fazem alusão a áreas da vida nas quais uma pessoa pode intervir, mudar sua vida e “encontrar felicidade”. Porém, escrito pelo irônico Alain de Botton, não poderia deixar de ser controverso e instigante. Durante a leitura, nos deparamos com fatos (não tão) confiáveis sobre a vida de Proust e observações bem humoradas sobre desde como ler para si mesmo até como abandonar os livros.

Talvez Botton quisesse nos beliscar com um livro aparentemente tão despropositado. Ou talvez quisesse nos instigar a pensar em como o propósito das coisas está a definir para cada um. Não importa. Ou importa tanto que foi necessário colocar o nome Proust em um título tão caricato, para atiçar os que ainda caem no conto da autoajuda a perceberem pequenas alegrias em meio ao desafio de viver.

Sabemos, tão somente, que a perspectiva da perda da vida, ou de prazeres (aparentemente) tão banais quanto “abrir os olhos”, nos abre um leque de possibilidades. Possibilidades de explorar o conhecido, de re-revirar (essa palavra não existe, caro leitor) o já revisto e ir além, tocar o não sabido, sair da “zona de conforto” (que clichê, senhores) e mudar a vida. Talvez não seja uma mudança tão drástica, mas talvez seja a mudança que faça a diferença entre morrer e escolher viver diante de uma crise que pareça insuperável.

Que morramos de amor, de raiva, de desejo, de tédio. Que morramos mil vezes e renasçamos prontos para outras escolhas, outras pessoas, outros caminhos… Mas sem perder a capacidade de se refazer, de se reconstruir e reaprender. Por que a capacidade já contida em nós, de abandonar um livro chato (ou esse artigo até bem intencionado), pode ser potencializada para abandonarmos (pode ser lentamente, sem pressa, despacito) o que nos machuca e entender que haverão sim, outras oportunidades de ser feliz. Sobreviva.

Referências 

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

BOTTON, Alain. Como Proust pode mudar sua vida. Rio de Janeiro, 1997.

KARNAL, Leandro. Leandro carnal disseca a amizade, 2016. Disponível em: <http://ocontornodasombra.blogspot.com.br/2016/08/leandro-karnal-disseca-amizade.html>

http://www.dicionarioinformal.com.br/amigo/