“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas,
mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
Carl Gustav Jung
Muito se tem falado sobre a importância de se fazer uma avaliação psicológica de qualidade, que não limite o cliente em um diagnóstico fechado, mas que trate de um estado de ser, compreendendo que o homem em sua totalidade (biopsicossocial e espiritual) é mutável.
Esse movimento, em busca de um olhar mais reflexivo na saúde mental não é, nem nunca foi exclusivo da psicologia. No Brasil, esse movimento ganhou força principalmente com o movimento sanitarista, ainda na década de 1980. Entre outras medidas, o movimento buscava uma visão holística e mais humanizada para o sofrimento mental, rompendo com a lógica estigmatizante e segregadora que a medicina – aqui mais especificamente a psiquiatria – cunhava sobre a loucura até aquele momento.
Em resposta positiva a esses movimentos de resistência, instauram-se no país as políticas antimanicomiais e de assistência em saúde mental. Partindo de uma lógica biopsicossocial, são criados e instituídos, após a reforma sanitarista, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes serviços nascem como um enfrentamento ao modelo de tratamento dos manicômios, visando à inclusão social dos usuários do serviço de saúde mental, com o desafio de provocar na sociedade a quebra de paradigmas referentes à loucura e ao sofrimento mental, que dura até hoje.
A luta não é nova, e estes movimentos tem uma longa história de resistência ao modelo de tratamento psiquiátrico. Contudo, o que se vê na atualidade, é a equipe multiprofissional dos CAPS’s (ou boa parte deles) está totalmente dependente e vinculada ao saber médico, sem nenhuma autonomia. Claro, por uma série de razões, talvez – e principalmente – pelo fato de a própria equipe não conseguir trabalhar articulada com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), seguindo um modelo linear.
Ao optar por um modelo hierarquizado, eles acabam elegendo automaticamente o médico como o nível mais alto dessa pirâmide, sem nem se questionar o motivo. Essa medida é contrária ao o movimento sanitarista buscava no seu princípio na instituição das politicas públicas de saúde no Brasil.
Hoje, os CAPS’s, como estratégia interventiva implantada, enfrentam o desafio de promover a reinserção social de seus usuários. E, se isso não acontece, é porque o trabalho social está deixando a desejar. Sobre esse tópico, existem diversas teorias e posicionamentos, tanto contra quanto a favor dos Centros. Entretanto, um ponto é consenso geral: Não é a comunidade quem não está pronta para lidar com os usuários de serviços de saúde mental, mas o próprio serviço que se fecha para a comunidade impedindo essa comunicação, função para a qual ele (o serviço) fora instituído. A situação se agrava ao se constatar que a própria família destes usuários não tem a assistência e/ou orientação devida. Claro, há exceções.
A psicologia, nesse contexto, encontra-se em um dilema: dar conta da alta demanda dos CAPS’s, traçando um Plano Terapêutico Singular (PTS), mas que – ao mesmo tempo – contemple de forma coletiva a todos os usuários do serviço.
Um dos principais desafios dos técnicos do serviço é trabalhar com um diagnóstico muitas vezes mal elaborado e feito há décadas atrás. O profissional acaba deixando de lado o que já é sabido por todos: o ser humano é mutável! Não se trata de desvalorizar a vida pregressa do usuário, mas sim, de buscar novas formas de reabilitação e ressignificação do sofrimento para o sujeito dentro do seu contexto atual.
O que se pretende aqui, não é desconsiderar o diagnóstico médico, nem menosprezar o saber das outras ciências, mas, considerando que a avaliação psicológica é um processo contínuo (CUNHA, 2000), o psicólogo deve se atentar para o fato que a atenção àquele usuário também sofrerá mudanças, inerentes à sua permanência (ou não) dentro do serviço.
A avaliação psicológica, portanto, diz do processo de SER humano assim bem como da qualidade do estabelecimento de suas relações (consigo e com o meio). Ao se construir, de forma interdisciplinar, o PTS de um usuário, deve-se considerar que o sujeito, ao longo do seu desenvolvimento, passa por constantes transformações de ordem biológica, psicológica, social etc.
Dentro dos serviços de saúde mental, o mais comum é que o diagnóstico inicial seja o responsável pelo modo de tratamento do cliente por toda sua trajetória dentro da RAPS. Esse diagnóstico torna-se para o cliente o seu cartão de boas vindas, e muitas vezes seu único meio de relacionar com a equipe de saúde (e vice-versa). Toda e qualquer ação deste passa a ser justificada pelo diagnóstico.
Ao utilizar a rede, ele carrega consigo um rótulo que precede sua própria chegada ao serviço, um quadro de sinais e sintomas para com o qual o profissional é, desde a vida acadêmica, preparado para lidar. E a partir daquele laudo, toda e qualquer ação do cliente é entendida e justificada pelo seu diagnóstico. Os perigos dessa prática institucionalizada está na não ressocialização do sujeito, e na segregação do saber.
Como resultado dessa prática – muito comum – a própria família do usuário, que não sabe lidar com aquele diagnóstico, pela falta de orientação, acaba tomando medidas desesperadas, desumanas. Por vezes,chegando a colocar osujeito que está emsofrimento mental sobre cárcere privado, ou até mesmo acorrentado. Nessas medidas drásticas, e desumanas, a família pensa estar fazendo o melhor para seu ente, privando este do convívio social efamiliar. É consenso comum de que esta é uma prática errada, reprovável e criminosa, mas a família pensa estar fazendo o melhor para o sujeito, defendendo que é por amor.
Medidas diferenciadas, tanto na avaliação psicológica como noenfrentamento e na reinserção social dos portadores de transtorno devem nascer ainda na formação acadêmica dos profissionais que atuarão na saúde mental. Outra medida eficaz pode ser uma especialização na área, preconizando atendimento e atenção tanto aos usuários dos serviços como a seus familiares.
Todavia, o profissional deve ter o mínimo de interesse em atuar nessa área e com esse público particular. Uma formação específica, com desejo de realmente executar essa função, pode ser o diferencial na atenção e na promoção de saúde mental.
Referência:
CUNHA, Jurema Alcides. Psicodiagnóstico-V. Porto Alegre: Artmed, 2000.