Quando o colonizador português aportou em terras brasileiras, e nisso já se vão mais de 500 anos, ele ficou maravilhado com a nudez idílica de nossas mulheres indígenas. Os ibéricos foram escravizados por séculos pelos árabes e, à época, o ideal lusitano de beleza feminina estava encarnado no mito da Virgem Moura: uma mulher de pele morena, gordinha, banhando-se nua em cachoeiras. Foi exatamente isso que o português aqui encontrou.
Festa!
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O cotidiano tem um poder curioso de nos cegar. Apesar de pagarmos impostos escorchantes e indignos, acostumamo-nos a estradas esburacadas, a um sistema de saúde precário, à violência policial, ao abandono dos espaços públicos, a uma educação chinfrim e, principalmente, a assaltos constantes ao erário. Antes de Carlinhos Cachoeira, com sua genialidade desonesta de articulador, que simplesmente expôs o que todos já sabiam e que parte prefere esconder, a corrupção já se dava em cachoeiras caudalosas.
Festa!
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Palmas é uma cidade pós-moderna, feita a roldão como uma grande feira de exposições e cujos recantos não contam história alguma.
A Praça dos Girassóis, a mais importante da cidade, é uma ode à grandeza e (dizem) é a segunda maior do mundo, embora talvez seja uma das menos habitáveis. A cor branca de seu pavimento impede que se a olhe em meses de maior incidência de sol. A ausência de árvores em boa parte de sua extensão dificulta sua travessia em determinadas horas do dia. Lá, em prédios bem distribuídos e arquitetonicamente pobres, concentram-se os poderes legislativo, judiciário e executivo estaduais.
Enfim, é uma praça para poucos.
Como forma de amainar a sensação de ermo, há – no meio dela – um memorial a Luís Carlos Prestes, situado no centro de uma grande área, coberta por um pavimento lisinho que, em uma cidade carente de bons pavimentos, é sonho de consumo de skatistas e rollers. Há uma placa, avisando a quem entra, que é proibido andar de skate, bicicleta ou patins.
Há – ainda na praça, pois nela há espaço de sobra – um monumento que se refere a uma certa revolta acontecida em um certo forte à beira-mar, no Rio de Janeiro. Palmas não tem mar, não tem fortes e o rio aqui corre todos os meses do ano, embora o faça, nos últimos onze anos, mais tristemente e em menor velocidade, em consequência de uma hidrelétrica que o represou.
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Exatamente hoje, há índios acampados na Praça dos Girassóis, a fim de reivindicar saúde, educação, justiça. Eles foram impedidos de entrar nos prédios públicos da praça, pois não estavam adequadamente vestidos. Noticiou-se na TV que um representante da gloriosa Polícia Militar do Estado do Tocantins foi designado para explicar às mulheres indígenas que suas mamas expostas não eram condizentes com o ambiente regulamentar dos prédios públicos e aos homens que suas pernas e peitos nus não eram bem-vindos nas salas requintadas do Palácio do Governo.
Quinhentos e doze anos depois da chegada dos europeus no Brasil, a nudez indígena, antes símbolo de beleza, é – hoje – agressiva aos olhos do poder.
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Estamos a três dias da comemoração do Dia Nacional da Luta Antimanicomial, movimento que nasceu em 1987, na cidade de Bauru e que teve como mote: “Por uma sociedade sem manicômios”.
À época, apesar de o carro-chefe do movimento ser realmente a luta contra os hospitais psiquiátricos e suas violências intrínsecas, já se tinha a consciência de que os manicômios com suas paredes e grades concretas são frutos de outros manicômios. Esses últimos, simbólicos e construídos nas relações, que se entranham em nós como serpentes e que nos fazem aceitar o cotidiano absurdo que vivemos.
São os manicômios simbólicos que nos fazem aceitar, cândida e passivamente, os impropérios contra homossexuais, lésbicas, bissexuais, prostitutas, adeptos de religiões não cristãs, ateus etc., diariamente proferidos em rede televisiva, em nome de Deus e por líderes religiosos das mais diversas estirpes. São esses manicômios que nos fazem mansos quando nos deparamos com as injustiças cometidas em nome da lei.
Foram eles que fizeram toda uma nação se calar diante da matança de judeus e são eles que ainda hoje nos calam diante do massacre cotidiano de sem-terras, sem-tetos, presidiários e, apenas para citar o que hoje ocorreu, indígenas…
E dizem alguns insatisfeitos com o estado que o Tocantins é uma terra de índios. Antes fosse, antes fosse…