(Des)Envolver-se

No processo de formação dos profissionais da saúde, uma questão relevante, mas nem sempre abordada com a ênfase que merece, é a influência do envolvimento familiar no resultado do tratamento.

Nota-se certo jogo de “empurra-empurra” sobre esta discussão, sempre priorizando outras questões e deixando esta para depois ou pressupondo obviedade, o que leva à falsa ideia da desobrigação ou da não necessidade de discussão/reflexão.

Daí vem o perigo, que é justamente não estarmos abertos para perceber que o “envolver-se”, no caso das famílias, pode conduzir a um “desenvolver-se”. Por anos tenho observado que o envolvimento da família é um dos muitos fatores que interferem no tempo de recuperação e na qualidade dos resultados alcançados no meu trabalho como fisioterapeuta.

Tenho dado muita importância a este assunto, pois vejo que mesmo com os melhores equipamentos do mundo, com a mais primorosa execução das técnicas de tratamento e o mais promissor dos prognósticos, o resultado só atinge seu potencial máximo quando a família se envolve.

Na Fisioterapia eu acredito que, às vésperas de completar dez anos de atuação na área e sendo bem mais que a metade disto no Sistema Único de Saúde, as vivências realmente têm me mostrado um caminho.

Vivências como no caso de um senhor de 54 anos que veio a Fisioterapia para tratar das sequelas de um Acidente Vascular Encefálico, um caso como muitos outros do mesmo tipo e com um prognóstico pouco animador dado à gravidade da lesão.

Na avaliação veio a primeira surpresa. Ao chamar o paciente, vejo quatro pessoas que se levantaram e, numa troca rápida de olhares, definiram quem empurraria a cadeira de rodas do paciente. Eu poderia jurar que houve certa “disputa” nesta troca de olhares.

Durante a avaliação descubro que eram dois filhos, uma filha e uma nora do paciente; todos foram à avaliação. Confesso que pensei que se tratava de um evento isolado, mas nos quase oito meses em que tratei o paciente, ele nunca compareceu com menos de dois acompanhantes, os quais participavam ativamente do tratamento, colocando-se a disposição para auxiliar e tomando nota de cada orientação dada.

O clima era sempre o mesmo, havia seriedade quanto às coisas que eu solicitava, mas muita alegria. Havia compreensão e apoio nos erros e nas vezes em que o paciente não conseguia atingir o objetivo proposto para aquele dia, mas também muito incentivo e empenho na superação dos mesmos obstáculos.

Cada novo ganho na evolução do paciente era comemorado como uma conquista. Se tivessem que rir, riam juntos; se tivessem que chorar, choravam também juntos. Compunham uma rede afetiva que conectava a todos e passou a me conectar também. Sempre fui a favor do envolvimento, mas mesmo que não fosse, teria sido impossível não se deixar levar por aquele clima.

Enfim, o paciente teve uma melhora surpreendente e recebeu alta do tratamento com uma autonomia física maior que a esperada, embora seja hábito de Fisioterapeutas buscarem o inatingível para obter o melhor que nos seja permitido alcançar.

Existem muitos outros casos que voam em minha memória e me fazem acreditar que quando existem estes laços e o envolvimento é efetivo, os resultados são melhores, ainda que não relacionados à recuperação do paciente, mas sim quanto aos objetivos do tratamento.

Então, hoje não tenho receio em dizer que envolver-se é necessário para desenvolver-se e que é fundamental investir na rede afetiva que nos conecta, por mais trabalhoso e dificultoso que possa parecer. É este o caminho mais eficiente, gratificante e humano.

Graduado em Fisioterapia, especialista em Formação de Professores para o Ensino Superior, mestre em Gerontologia pela UCB. Professor do curso de Serviço Social e de disciplina institucional e acadêmico do curso de bacharelado em Educação Física do CEULP/ULBRA.