E se a busca excessiva pela felicidade nos torna infelizes?

Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

Pergunte a si próprio se você é feliz, e você deixa de sê-lo.
John Stuart Mill

Em uma sociedade obcecada pela busca da felicidade, somos paradoxalmente fracassados para encontrá-la. Ao contrário do que se imagina, a vida moderna pouco contribui para o aumento da felicidade da população. O acréscimo do capital das grandes nações e toda a facilidade advinda dos meios tecnológicos parece não ter ocorrido concomitante ao aumento do bem estar das pessoas. Talvez, sejamos a sociedade mais deprimida e cansada de todos os tempos.

Os adoecimentos psíquicos de hoje com alta prevalência tais como depressão, burnout, TDAH são, na perspectiva do filósofo contemporâneo Byung-chull Han, efeitos de uma sociedade da positividade, que se alimenta do excesso de tudo que maximize o desempenho das pessoas:  superprodução, superdesempenho e supercomunicação. Essa sociedade, na visão do filósofo, consequencia em uma geração vítima de infartos psíquicos: esgotamento e depressão. E este mesmo sujeito, esgotado e deprimido, encontra-se em uma busca desesperada por liberdade, maximização do desempenho, prazer e felicidade (HAN, 2017).

 Os livros de autoajuda, talvez a apoteose da sociedade pós-moderna na busca pela felicidade, são repletos de conteúdos tais como: 10 passos para a felicidade, 7 hábitos de pessoas de sucesso, como influenciar pessoas, como ter uma mente milionária e como desenvolver liderança etc. Eles demonstram que a busca por soluções simplistas para os problemas complexos dos homens é bastante rentável e popular. Alguns autores chamam de regra dos 18 meses para explicar que a pessoa mais inclinada para comprar um livro de autoajuda é a mesma que 18 meses antes comprou um livro deste gênero que, obviamente, não solucionou seus problemas e não trouxe a desejada felicidade. Não há pesquisas, de rigor científico, que comprovem a eficácia desses conteúdos.

Paradoxalmente,  as tentativas de eliminar tudo o que é negativo, como os  fracassos, as incertezas, tristezas, sofrimentos e a ansiedade não só não resolvem o problema, como podem torná-los mais poderosos, gerando vidas sufocantes e sem sentido. O fracasso dessas tentativas é exemplificado pelo psicólogo Daniel Wegner (1994) e a teoria do processo irônico: nosso esforço para evitar e eliminar pensamentos  e comportamentos negativos os tornam predominantes. Não existe abordagem simples para a felicidade. A imersão no positivismo e otimismo não nos deixa mais felizes.

Sem o propósito de demonizar a busca por soluções práticas aos incômodos da vida (eventualmente, elas são bem-vindas e necessárias), a intenção é estimular a reflexão que essa busca excessiva da felicidade, centrada no culto ao otimismo e anulação do negativo, é contraproducente! Isto porque as estratégias utilizadas são baseadas em soluções simplistas e universais que não comportam os problemas humanos complexos. Contraditoriamente, podem produzir resultados indesejados, ou seja, pode gerar mais infelicidade e insatisfação. Adotar pensamentos positivos de sucesso e felicidade, livrar-se dos negativos, esquecer-se de fracassos e viver sob a lógica de “você atrai o que você pensa” ou sob o culto ao “evangelho” do otimismo parece não chegar à solução desejada.

O psicólogo Steve Hayes tem uma abordagem interessante para explicar como a fuga de situações emocionalmente difíceis pode ser uma armadilha e acabar aumentando o problema. A linguagem teria um papel protagonista nesse cenário, isto porque somos ensinados, desde criancinhas, a discriminar e nomear não apenas componentes externos do mundo objetivo, mas também pensamentos, memórias, sentimentos e sensações corporais, os denominados eventos privados (SKINNER, 2003) ou subjetivos.  Nossa cultura e sociedade nos ensina que a felicidade é cotidiana e almejada e a tristeza é ruim e deve ser evitada, e se nos sentirmos tristes é porque temos um problema que deve ser encontrado e eliminado (SABAN, 2015).

Por meio da aprendizagem, somos instruídos  a atribuir o status de causalidade à sentimentos e pensamentos para explicar porque estamos em um determinado estado ou porque fizemos o que fizemos. Hayes denominou de “silogismo lógico” o sistema em que esse processo ocorre, que funcionaria sob cinco aspectos de raciocínio. 1) Todo comportamento é causado; 2) razões são causas; 3) pensamentos e sentimentos são boas razões; 4) os pensamentos e os sentimentos são causas e, finalmente, 5) para controlar o resultado devemos controlar as suas causas. Logo, por associação, acabamos chegando ao resultado de para controlar o resultado devemos controlar os sentimentos e pensamentos. (HAYES, 1987). Assim, trazendo esse raciocínio para nosso tema específico, a felicidade (um efeito) seria produto (causa) de pensamentos e sentimentos positivos. Talvez o mercado dos livros de autoajuda e o evangelho do otimismo  e da motivação sejam fundamentados nessa perspectiva.

Mas esse caminho é cheio de armadilhas! Sentimentos e outros estados privados não são passíveis de controle direto. Um exercício bobo, porém didático, para ilustrar esse pressuposto: experimente não pensar, durante um minuto, em urso polar. Conseguiu? Eu imagino que não. Vamos tentar mais uma vez: agora imagine que você está conectado a um detector de mentiras de excelente precisão  e que pode captar qualquer reação de ansiedade sua. Então, você recebe a instrução de que você não pode de maneira alguma sentir ansiedade e, caso você sinta, levará um tiro na cabeça. Advinha o que você sentirá?

Hayes (1987) assinala que não precisamos mudar sentimentos e pensamentos para modificar outros comportamentos ou ter uma vida bem sucedida. O problema, na verdade, não seriam os pensamentos e sentimentos, mas nossa tentativas de controle e nossa fugas que visam eliminar vivências subjetivas aprendidas como “negativas” tal como a tristeza, o oposto da felicidade.

Quantas decisões tomamos na tentativa de eliminar incômodos, desconfortos, incertezas?  Vivências subjetivas estas que aprendemos serem negativas e contraditórias à felicidade. É claro que fugir de eventos difíceis e dolorosos (os aversivos!) têm um valor importante para nossa sobrevivência. No entanto, se dependermos de eliminar tudo o que é negativo para sermos felizes, jamais seremos. E negar esse “lado” da experiência humana pode resultar em alívio imediato (um reforço negativo), mas em longo prazo produz vidas de desespero, medo, ansiedade e, conforme bem colocou Sidman (1995, p. 231) “esmaga a engenhosidade e a produtividade, transforma a alegria em sofrimento, confiança em si em medo e amor em ódio.” As coisas dão errado, relacionamentos acabam, demissões acontecem e as pessoas morrem! A vida não é um laboratório! Uma porção de eventos são incontroláveis e nos esquivar de tudo que é ruim e tentar cultivar sempre pensamentos positivos não parece produzir os resultados que são vendidos por aí.

Viver plenamente, na abordagem do psicólogo Hayes, não significa não vivenciar sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias, mas vivenciá-los como de fato são: sentimentos, pensamentos, sensações corporais e memórias que se transformam em um fluxo contínuo de experiências e contextos. Ou seja, seus pensamentos e sentimentos fazem parte de você, mas  não são você.

 Precisamos superar a ruminação e planejar saídas reais para o que nos paralisa, para o que nos torna infelizes. Aprendemos a primeiro nos sentir motivados e com vontade de agir para, então, agir, mas que sentido tem esperar se sentir como se estivesse fazendo algo ANTES de fazê-lo? Somos tão incrivelmente dinâmicos e versáteis e temos a capacidade de coexistir com a “vontade de não fazer” e, ainda assim, fazer, por exemplo.

Para além do que já foi discutido, não podemos deixar de lado a existência de uma “indústria da felicidade” que associa o consumo de bens à experiências felizes e produz lucros gigantescos para o capitalismo. A Coca-Cola indica: abra a felicidade! O Magazine Luiza chama: vem ser feliz! E o Baú da Felicidade está há 50 anos associando produtos e dinheiro à felicidade. Através da mídia, somos bombardeados de narrativas e imagens de pessoas alegres, sorridentes e esteticamente consistentes com o padrão cultural vigente e suas histórias de sucesso e  felicidade emparelhadas a roupas, calçados, celulares, cerveja, carros, status social etc. Em contrapartida, a “felicidade” gerada pelo consumo de bens parece não ter duração e profundidade em sua natureza. Ao que é possível perceber, é, na verdade, instantânea,  frágil e fugaz. Pegando emprestado o termo de Bauman sobre a sociedade pós-moderna, é possível compreender que esse tipo de felicidade (se é que podemos denominar assim) é, na verdade, líquida: ela escorre pelas mãos e não tem durabilidade. Citando a psicóloga Lauriane Santos em seu post em uma rede social: sapatos novos calçam pés, roupas novas vestem corpos. Nenhum deles traz felicidade… talvez tragam uma euforia pontual, a qual é dissolvida na próxima coleção primavera-verão.

Ser feliz é uma meta? Certamente, muitas pessoas responderiam que sim. Quando somos questionados sobre o que desejamos da vida é comum a resposta: ser feliz! Ou mesmo, ter dinheiro e ser bem sucedido, muitas vezes concebidos como sinônimos de felicidade.

Metas são objetivos a serem alcançados e são planejadas com tempo pré-definido para ser operada e gerar os resultados. Mas se a felicidade é uma meta, e metas têm prazos de validade, estaria a felicidade condicionada ao eterno cumprimento de metas? Eleger a felicidade como meta talvez não seja efetivo. O filósofo Han é categórico ao afirmar que  “o sentimento de ter alcançado uma meta definitiva jamais se instaura […] não é capaz de chegar à conclusão. A coação do desempenho o força a produzir mais. Assim, jamais alcança um ponto de repouso da gratificação” (2015, p. 85). Nos aniversários, nas festas de réveillon, nas mudanças e conquistas, desejar felicidade ao outro faz parte de uma prática verbal culturalmente estabelecida e mantida.  E aqui cabe mais uma reflexão: a felicidade parece estar sempre em algum lugar que não seja o presente; parece que habita não o agora, mas um futuro que custa chegar (ou nunca chega). Parece que as coisas que mais tememos e desejamos se encontram em um lugar não vivido: o futuro.

Essa é mais uma armadilha da felicidade. É óbvio que podemos (e devemos) planejar e prever situações futuras que nos gerem boas vivências subjetivas. O problema reside no fato de estarmos demasiadamente presos às expectativas de felicidade futura e nos resignarmos do único momento que nos pertence: o agora.

Outra “face” da felicidade é a segurança, que seria consequência de controle, previsibilidade e rigidez. No entanto, há um erro importante já explorado anteriormente: o controle é frágil e a busca desenfreada por segurança pode até nos deixar mais inseguros. A única constante da vida é sua impermanência! E se viver é estar em um constante fluxo de experiências, interações com outrem e com coisas, alternâncias entre perdas e ganhos, dor e gozo… se a vida é, em uma inerência, finita, talvez o que nos paralisa, o que nos entristece não seja essa “sentença”, mas a tentativa contraproducente de eliminá-la e de fugir dela. Mais uma vez reitero que a busca por segurança também tem um valor importante para a sobrevivência, a questão discutida são os excessos do controle de processo naturais da vida, mas que são aprendidos como negativos e acabam se tornando alvos de esquivas, como as tristezas e ansiedades.

E então, o que deixa as pessoas felizes? A famosa pesquisa de Harvard do Departamento de Desenvolvimento Humano,  respondeu ao questionamento sobre o que faz as pessoas felizes e saudáveis.  Por 75 anos, monitoraram 724 homens. Dois grupos: secundaristas de Harvard e garotos de um dos bairros mais pobres de Boston. A abordagem da pesquisa envolveu desde questionários e conversas com familiares, a exames de sangue e tomografia dos  cérebros. Não é a fama, a riqueza, ou trabalhar mais e mais, a mensagem mais clara é: bons relacionamentos nos mantém felizes e saudáveis.  Conexões sociais com a família, comunidade e amigos são importantes e a solidão mata. Não se trata da quantidade de pessoas próximas e não é casual estar em um relacionamento amoroso ou casado produzir, necessariamente, felicidade. O importante é a qualidade dos relacionamentos de proximidade que as pessoas nutrem (MINEO, 2017).

No leito de morte, é provável que seja difícil encontrar alguém que deseja ter passado mais tempo trabalhando, por exemplo. Em síntese, relacionamentos íntimos de qualidade são melhores preditores de felicidade e saúde do que genes, QI, status social e dinheiro (MINEO, 2017). É uma conclusão que vai ao encontros de sabedorias antigas e confronta o culto vigente da felicidade condicionada a consumo de bens.

“O dinheiro não traz felicidade!” Talvez Bill Gates e um morador de rua tenham visões diferentes ante essa afirmativa. A questão que fica é: tendo suas necessidades básicas contempladas,  o dinheiro traz felicidade? No Japão, uma das maiores potências  do mundo, é um país rico, mas infeliz. A “obsessão “ dos japoneses pelo desenvolvimento econômico pode ter sua raiz na necessidade de reerguer o país após destruição da Segunda Guerra Mundial. A questão é que o índice de suicídio e overworking (morte por excesso de trabalho, originalmente conhecido lá como “karoshi”) são assustadores e ascendentes. As pessoas estão morrendo de tanto trabalhar! (GORVETT, 2016)

Paralelamente, o pequeno país Butão concebe a felicidade como responsabilidade do governo, que tem o dever de dispor condições favoráveis a ela para sua população. Lá foi criado a Felicidade Interna Bruta (FIB) como indicador de desenvolvimento da nação, pautada em valores de colaboração, convivência com a comunidade, respeito a natureza, espiritualidade. É um modelo alvo de algumas críticas, no entanto, apresenta parâmetros na direção de sérias pesquisas sobre a felicidade como sendo uma consequência não do consumo de coisas, mas de relações de qualidade.

A Dinamarca, nação com alto padrão de vida e igualdade social, com educação gratuita até a faculdade e saúde universal para toda a vida é um dos países mais felizes do mundo. Para além disso, o que deixa realmente os dinamarqueses felizes, de acordo com o economista Cristian Bjonrskov, é o alto nível de confiança que as pessoas têm entre si e nas instituições (PREVIDELLI, 2014).

Por fim, este texto não tem a pretensão de esgotar as discussões sobre a felicidade nos tempos atuais e outras perspectivas, não abordadas aqui, podem dialogar e até mesmo apresentar posicionamentos contrários ao que foi exposto. O diálogo é bem vindo e deve acontecer. Mas por ora, é isto! E para finalizar, gostaria de levar o leitor a uma última reflexão: imagine a felicidade de algo muito bom te acontecer, como realizar um grande sonho…

Ainda terá sentido se você não tiver alguém importante para compartilhar?

Happiness only real when shared (Into the wild, 2008)

REFERÊNCIAS: 

GORVETT, Z. ‘Morrer de tanto trabalhar’ gera debate e onda de indenizações no Japão. BBC News, 2016. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-37463801>. Acesso em 01 dez. 2016.

HAN, B. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

HAYES. S. C. A Contextual approach to therapeutic change. In N. Jacobson (Ed.) Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and Behavioral Perspectives. New York: Guilford, 1987, p. 327-387. Tradução experimental Adriana C. B. Barcelos; Verônica Bender Haydu. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo-estudo/analisedocomportamento/pages/arquivos/Hayes_%20Texto%20ACT.pdf>. Acesso em 20 mar. 2017.

MINEO, L. Goog genes are nice, but joy is better. The Harvard Gazette. Health & Medicine. 2017. Disponível em:<https://bsc.harvard.edu/links/good-genes-are-nice-joy-better>

SABAN, M. T. Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Belo Horizonte: Artesã. 2015.

SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações. Campinas: Psy. 1995.

PREVIDELLI, A. O que torna a Dinamarca o país mais feliz do mundo. Abril, 2014. Disponível em:<https://exame.abril.com.br/mundo/o-que-torna-a-dinamarca-o-pais-mais-feliz-do-mundo/>. Acesso 01 dez. 2018.

WEGNER,  .D. M. Ironic processes of mental control. Psychol Rev. 1994 Jan;101(1):34-52. Disponível em:<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8121959>. Acesso em 02 dez. 2018.

Psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra e residente em Saúde da Família e Comunidade.