Efeito manada nas redes: território perigoso

Nas redes sociais o cenário de agressão é facilitado, já que existe a possibilidade de estar no anonimato, de criar perfis falsos e de não estar em convivência com a vítima

Desde a escravidão é visível em nossa realidade o poder do efeito manada e da psicologia das massas, onde se é instalado um sistema de controle e/ou exploração, em que muitos agem de modo automático e sem pensar com clareza nos impactos e consequências, sendo fomentador da construção de um ambiente repressivo.

De modo genérico, todos têm necessidade de identificação e de fazer parte de algo, sentir-se pertencente. E agir com a maioria é mais confortável, já que parece que se está certo ou isento de responsabilidades. Isso é o que Carl Jung caracterizava como Participação Mística, quando o sentido de individualidade – que requer um  olhar crítico sobre as próprias ações – se dissolve nas ações coletivas. O historiador Leandro Karnal questiona: “Por que aceitamos obedecer e deixar de ser autônomos?”, e responde:

´´A liberdade é responsabilidade: quanto mais ofereço chance de as pessoas escolherem, mais angustiadas elas ficam. Boétie falou sobre o incômodo da liberdade séculos antes de Sartre. Os tiranos precisam de assessores. Precisam de um grupo que os apoie. Quanto mais sou oprimido, mais eu tiranizo também. Assim os tiranos se multiplicam. Cada um pisa naqueles que é possível. O mais subserviente dos gerentes é aquele que pisa no faxineiro”

Georg Simmel intitula tal comportamento como “impulso de sociabilidade no homem”; Freud chamou “psicologia das massas”, Carl Jung de “Participação Mística” e Gustave Le Bon de “mente popular”. Para a Psicologia, tal comportamento é descrito como o agir coletivo, disparado e centralizado. A descrição de tal comportamento é fruto da observação da convivência de muitos animais que vivem em bando.

Fonte: encurtador.com.br/hjrAJ

O efeito manada pode ser causador de agressões físicas, ameaças de morte e concretização das ameaças de mortes. Nas redes sociais tais tipos de ameaça é facilitado, já que existe a possibilidade de estar no anonimato, de criar perfis falsos e de não estar em convivência com a vítima, de modo a não ter noção do sofrimento causado pelas consequências dos ataques; em decorrência disso, tal comportamento acabou naturalizado.

Tal naturalização é fruto da chamada ´´liberdade de expressão“, já que a mesma está resguardada por lei: ´´o direito à liberdade de expressão é garantido pela Constituição Federal Brasileira em seu artigo quinto, que abre o Capítulo I (“Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”) do Título II da Carta Magna, intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. No entanto, vale se questionar: até onde posso ir com a minha liberdade de expressão?  Já que a mesma lei alerta que devemos assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas e proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública.

Em entrevista ao site Consumidor Moderno, a psicanalista Maria Lúcia Homem explanou fatos sobre a tecnologia que explica o porquê do efeito manado. A psicanalista esclarece:

Desde sempre a tecnologia (ou a técnica) altera a relação do sujeito com o mundo, porque, além de ser um objeto, é um mediador de objetos. Então, ela vem ganhando cada vez mais força porque é um interobjeto e, para além dessa relação sujeito-coisas (que demanda energia psíquica e podemos chamar de libido), ela é uma janela para ver objetos e o mundo. E é interessante ter uma janela através da qual olhar o mundo, as pessoas, as coisas. Isso, por si só, já é fascinante.

De acordo com a psicologia, o homem desenvolve suas capacidades a partir de transformações qualitativas. Funciona como o ouroboros, em constante retroalimentação, no qual cada transformação causa outra transformação. Isto deve acontecer de forma a englobar os fatores: biológico, psicológico, social, cultural e religioso, respeitando a subjetividade de todos. Para alcançar a homeostase é necessário uma boa comunicação e entendimento pessoal e dos demais seres. Assim se faz necessário uma boa construção da relação dialética entre o mundo psicológico e o mundo social.

Fonte: encurtador.com.br/mJL12

Uma das possíveis formas de não deixar ser manipulado é ter autoconhecimento. Karnal diz que quando o indivíduo não tem conhecimento próprio, ele acaba controlado por seus medos, traumas e desconhecimentos. Fazendo-se necessário uma investigação de si mesmo, praticando o ato de perceber qualidades e defeitos, tornando-se mais fácil a diminuição dos impactos causados por fraquezas pessoais. O historiador esclarece:

Por outro lado, conhecer a si mesmo também é conhecer o que há de bom em mim mesmo, e aquilo que me traz bem-estar. É muito comum ver pessoas que dizem que a carreira é tudo para elas, mas sofrem de úlcera e gastrite no domingo à noite. Elas não se conhecem, não sabem o que realmente querem.

É importante ressaltar que ninguém é perfeito, faz parte da espécie Homo Sapiens errar. Existe o velho ditado: ´´errar é humano, permanecer no erro é burrice“. Não tem como mudar o que já aconteceu, mas cabe a cada um refletir com maturidade, conhecimento e consciência, para possibilitar diferentes consequências das escolhas presentes e futuras. É necessário sair da zona de conforto, se desligar da massa e caminhar com as próprias pernas.

Referências

ROSA, K. A Onda: uma análise sobre persuasão, construção do self e realidade social. Disponível em < http://encenasaudemental.net/post-destaque/a-onda-uma-analise-sobre-persuasao-construcao-do-self-e-realidade-social/  > Acesso em 18/07/19.

ROSSETTI, V. Comportamento de manada – Quando o homem age em bando. Disponível em < https://netnature.wordpress.com/2017/09/01/comportamento-de-manada-quando-o-homem-age-em-bando/ > acessado em 18/07/19.

GASPARINI, C. Isto é o que Leandro Karnal espera que você faça se for demitido. Disponível em < http://www.editoracontexto.com.br/blog/isto-e-o-que-leandro-karnal-espera-que-voce-faca-se-for-demitido/ > acessado em 18/07/2018.

CAVALCANTI, J. O exercício da liberdade de expressão nas redes sociais. Disponível em < https://jus.com.br/artigos/34282/o-exercicio-da-liberdade-de-expressao-nas-redes-sociais > acessado em 18/07/19.

LIDIA, E. Ninguém é perfeito.  Disponível em < http://psicologaevandralidia.blogspot.com.br/2016/08/ninguem-e-perfeito.html > acessado em 18/07/19.

LULIO, M. A Tecnologia é a causa do desespero dos indivíduos.  Disponível em < http://www.consumidormoderno.com.br/2016/05/30/tecnologia-desespero-individuos/ > acessado em 18/07/19.

 

 

Psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra. Pós-graduanda em Terapia de casal: abordagem psicanalítica (Unyleya). Colaboradora do Portal (En)cena.