O sofrimento oriundo do “famoso” desempenho no trabalho hoje se eterniza mais que uma categoria a ser estudada pela psicologia, mas também como uma chave para ser entendida e percebida em uma dimensão subjetiva e com significado e sequelas bem mais profundas do que se imagina. Toda a exaustão provocada pela eterna necessidade de fazer acontecer no ambiente laboral tem tomado de contas da vida do sujeito trabalhador e por que não dizer do seu ser?
A cobrança por ser bom, por ser o melhor, por ser o mais dinâmico, pró-ativo, promovedor de situações novas no trabalho tem aberto um espaço para um sofrimento muitas vezes silenciado pelo próprio sujeito detentor da dor. Este é o retrato de muitos trabalhadores nos ambientes organizacionais contemporâneos. O ativismo laboral acirra a competição, o que por sua vez aciona um ciclo desenfreado de atitudes que mais tem a ver com autodestruição do que com desempenho laboral. Tenho que concordar com a escritora Eliane Brum (2016) que “conseguimos a façanha de abrigar o senhor e o escravo dentro do mesmo corpo”: Em nós!
Nesse ínterim quero aqui destacar dois fatores, um é o nosso corpo adoecido, maltratado, doído pelo excesso de trabalho e o outro é a nossa mente cansada, triste gritando: “estou entorpecida e dopada imergida na cobrança interminável por desempenho”.
Os consultórios de psicologia lotam com encaminhamentos médicos de pacientes em busca de saúde mental para enfrentar a lide daria, semanal e mensal de trabalho. A intensidade e continuidade da reprodução laboral conduz o sujeito a estados de canseira mental prejudicando suas funções executivas: memória, atenção… O trabalho que hoje (quase) pós-pandemia parece que não acaba mais, com tanta demanda acumulada de tanta coisa que exige quase sempre uma “hora extra”, um “eu termino em casa” ou “eu faço a noite” ou “eu adianto mais tarde em casa”, enfim é sempre uma desculpa atrás da outra para patrões e empregados correrem atrás da mesma coisa: O desempenho exemplar no trabalho.
O problema é que ambos esquecem que enquanto se direcionam para as metas, muitas vezes intermináveis, escravizam a alma reduzindo o sujeito trabalhador a um mero reprodutor de operações. Situação que muito se assemelha com a história da reprodução sistemática do trabalhador em uma frente de esteira e máquinas de uma fábrica interpretada pelo ator Charles Chaplin no filme tempos modernos, onde mostra de forma crítica e cômica a alienação do trabalho causada pela busca de desempenho e intensidade laboral. E como aconteceu no filme, onde o ator foi parar no centro de saúde, acontece na vida real onde trabalhadores adoecidos pelo trabalho buscam saídas na medicalização e nas terapias psicológicas. Quando chega neste ponto o colaborador uma vez depressivo e exausto, consumido pelas demandas e metas de desempenho laboral, se torna o depressivo e inválido da guerra institucionalizada e internalizada da sociedade do desempenho. Sim ele é mais um na fila do INSS! Será esquecido logo e substituído por outro sujeito que aceite ser chicoteado. O mais importante nessa história é que nesta situação o agressor e vítima se fundem e a violência é instaurada de forma intensa, profunda e silenciosa. Neste ponto só resta uma coisa: Sofrer os impactos da depressão laboral ou hoje em dia muito conhecida como a síndrome de Burnout.
Devemos repensar sobre ser multitarefa, está em um lugar e em vários lugares ao mesmo tempo através de celulares, internet, vídeos-chamada, reuniões e mais reuniões que na maioria das vezes são acrescentadas à sua rotina física de trabalho, não sendo uma em detrimento a outra, mas o trabalho e a reunião ao mesmo tempo de trabalho. Para mim, por minha conta e risco, afirmo que ser multitarefa representa hoje em dia um atraso civilizatório, pois afeta a saúde mental e física não atendendo as demandas iniciais propostas pelo trabalho. O excesso de rotina produz um estado de dor e espasmos, onde de acordo com Eliane Brum (2016) um espasmo anula outro espasmo e quando tudo é grito, não há mais grito. Ou seja no final do dia, é só mais um final de dia com a sensação de ter lutado mais uma luta, intervindo em processos, repetido operações, estando esgotados e entorpecidos pelo desempenho no trabalho.
Concordo com o autor Byung-chulhan em seu livro A Sociedade do cansaço que diz: “A sociedade do trabalho e a sociedade do desempenho não são sociedades livres. Elas geram novas coerções. A dialética do senhor e escravo está, não em última instância, para aquela sociedade na qual cada um é livre e que seria capaz também de ter tempo livre para o lazer. Leva, ao contrário, a uma sociedade do trabalho, na qual o próprio senhor se transformou num escravo do trabalho. Nessa sociedade coercitiva, cada um carrega consigo seu campo de trabalho. A especificidade desse campo de trabalho é que somos ao mesmo tempo prisioneiro e vigia, vítima e agressor. Assim, acabamos explorando a nós mesmos. Com isso, a exploração é possível mesmo sem senhorio”.
REFERÊNCIAS
Exaustos-e-correndo-e-dopados | Brasil | EL PAÍS Brasil (elpais.com)
https://www.culturagenial.com/tempos-modernos-filme/
https://Propessoas.ufg.br/
Workshop Síndrome de Burnout (hipnose-psicanalise.com.br)