Maria Laura Maximo Martins
Se fizermos um teste em algum ambiente social no sentido de observar as pessoas, é garantido que o resultado indicaria a maioria mexendo nos seus respectivos aparelhos telefônicos em diversos momentos ou ininterruptamente. Muitas vezes, a interação e a comunicação, em uma mesa de restaurante, por exemplo, são prejudicadas por conta dos celulares posicionados nas mãos. Distrações para dar uma bisbilhotada rápida são extremamente comuns e assim nos desligamos da realidade palpável à nossa frente, alternamos a nossa atenção sem termos sequer consciência dos próprios atos, que são induzidos pelo hábito.
Nesse contexto, a contradição toma forma: apesar da liberdade de pautar nossos discursos e constituir nossa crença de sermos seres livres e autônomos, nos vemos reféns dos celulares, já que simplesmente o pegamos e o abrimos, sem qualquer questionamento, apenas pelo costume instaurado, em um piloto automático desenfreado que se apoderou e se instaurou no nosso interior. Temos de fato alguma consciência ou controle sobre o nosso consumo, o nosso tempo e a nossa energia gastos nas redes sociais e celulares?
De fato, a pandemia que se iniciou em 2020, acelerou o processo de digitalização. Pelo celular podemos nos comunicar, solicitar produtos, ter acesso às notícias; a tecnologia nos possibilita conversar, estudar, efetuar pagamentos, trabalhar, produzir, vender e comprar… É uma ferramenta facilitadora de muitos processos imprescindíveis para a vida, tornando-os intensamente ágeis. Entretanto, fechamos os olhos para os prejuízos causados por essas facilidades instantâneas. Os danos afetam diversas áreas de um ser humano: o seu físico (dores corporais, olhos ressecados), o seu psicológico (ansiedade pode ser maximizada, transtornos podem estar interligados com um uso exagerado) e o seu social (nos isolamos mais, nos tornamos mais ausentes em prol de estarmos on-line acompanhando cada atualização).
É impossível não ser afetado pelo uso excessivo das telas. Os nossos costumes em sociedade agora são permeados por essa tecnologia constante à nossa disposição. Os estímulos infinitos e prazerosos para o nosso cérebro, nos tornam meros reféns deste ritmo frenético, silencioso e por essa razão, pouco notado e questionado, ficando cada vez mais naturalizado. Somos movidos pela necessidade de acompanhar o mundo, as pessoas, o que elas estão fazendo. Compartilhar a vida se tornou uma maneira de comprovar os fatos vividos; quase como uma regra que dita que, para se viver inteiramente o presente, não podemos deixar de expor e dividir com as outras pessoas fotos e vídeos das nossas experiências pessoais. Sempre almejando o ambiente adequado, a luz adequada, um perfeito enquadramento, para ser então colocado na vitrine virtual magnificamente, gerando valor e confirmação deste através de um retorno interativo por parte das pessoas que visualizam o que apresentamos escancaradamente.
Apesar de parecer que estamos consumindo as redes sociais, cabe uma reflexão: será se no fim das contas não somos apenas… consumidos? Afinal, perdemos a noção de tempo e entregamos nossa energia em troca de recompensas rápidas, advindas do celular, porém que implicam em infortúnios que mesmo escancarados, não nos fazem alterar a rotina e nossos costumes diários. Deixamos de ser participativos em outras atividades que verdadeiramente iriam contribuir para a construção de uma vida significativa e desenvolver nosso intelecto, promoveria novos interesses e novos hábitos, mas estamos ocupados demais com o mundo digital que garante um retorno raso e de valor duvidoso, nos tornando cada mais impacientes para ações que requerem calma, consistência, dedicação, concentração, atenção…
Em seu livro “Sociedade da Transparência”, o filósofo contemporâneo sul-coreano Byung-Chu Han, levanta reflexões densas a respeito da sociedade atual. Sua lógica traz à tona a conjuntura social, no que diz respeito à conduta de exposição. Constata-se que o meio contemporâneo, abarcado pelo sistema capitalista e neoliberal, além de guiar as pessoas em uma busca incessante para obtenção de bens frutos de um trabalho árduo, transforma este objetivo final: além de lograr tais patrimônios, hoje o que é levado em consideração é a exposição das aquisições e vivências por meio das redes. O que se vive, o que se compra, o que se sente, é postado, sem filtro algum no que tange à positividade da própria realidade. Quando realizado, somos validados pelo feedback de terceiros, que interagem e determinam o valor por de trás de cada item – valor este que se modifica, passando a ser decretado a partir do ato expositivo. Ao serem expostas, se materializam, passam a ser, a existir e perdem a abstração, ganham materialidade e potência quando alcançam a devida atenção.
Por ser uma temática bastante moderna, que caracteriza o cenário mundial, muitos estudos estão sendo feitos para compreender como um consumo problemático das redes pode afetar o comportamento de um indivíduo, de que maneira esse uso quase que patológico pode ditar o surgimento ou agravamento de patologias e transtornos, como os de ansiedade, já que efeitos colaterais oriundos do uso excessivo da tecnologia são percebidos. Por isso, as discussões feitas sobre tal tópico são importantes para fomentar reflexões, conscientização e quiçá, modificações comportamentais para que a utilização dos aparelhos digitais seja consciente e funcional para a vida das pessoas, sem interferir em seus valores, escopos de vida e em sua dinâmica social.
REFERÊNCIAS
GOMIDES, B. V. D. F. O Impacto das Redes Sociais na Saúde Mental. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Psicologia) – Universidade de Uberaba. Uberaba-MG, p. 27. 2022. Disponível: http://dspace.uniube.br:8080/jspui/handle/123456789/2046 . Acesso em: 30 mai. 2023.
HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
MORILLA, J. L.; et. al. Nomofobia: uma revisão integrativa sobre o transtorno da modenidade. Revista de Saúde Coletiva da UEFS, [S. l.], v. 10, n. 1, p. 116–126, 2020. DOI: 10.13102/rscdauefs.v10i1.6153. Disponível em: http://periodicos.uefs.br/index.php/saudecoletiva/article/view/6153. Acesso em: 30 maio. 2023.
RICARTE, E. A expansão do processo de digitazalição durante a pandemia de Covid-19. Finisterra, LV(115), 2020, pp. 53‑60. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41n4RB20160118 . Acesso em: 30 maio. 2023.