Famílias e tecnologias: cuidar e permitir

Desde a propagação e crescente acessibilidade da Internet, a partir da década de 1990, a sociabilidade no ambiente virtual vem gerando amplas discussões, na medida em que ganha cada vez mais espaço, em contraste com os contatos diretos entre pares possibilitados pela telefonia fixa num passado não tão distante, e deu origem a aproximação das mentes e sentimentos, mesmo corpos e culturas estando muito distantes.

 

 

Os ambientes coletivos de interação da Internet fizeram emergir os contatos travados e mantidos exclusivamente online, mesmo que se esteja fisicamente próximo. No início esses relacionamentos virtuais foram criticados e até mantidos em segredo; nos dias atuais, vemos que os relacionamentos mediados pela Internet e telefonia móvel continuam gerando reações negativas radicais, a partir do ponto de vista que parece aproximar mais os que estão longe do que os que estão às vezes sob o mesmo teto.

Atualmente se percebe o afastamento cada vez maior de quem está perto, pela prioridade dada aos mecanismos e urgências gerados instintivamente, instantaneamente e atemporalmente pelas redes sociais. Surge assim a necessidade de provocar um ruído na rede, um blackout capaz de desenergizar todo o sistema, mesmo que seja por apenas alguns minutos, e trazer todos os que ainda estão pertos, para uma prosa amigável, mesmo que não seja tão afável, numa roda humana, sem máquinas, mas que resgate no mínimo um desses sentimentos: o calor do abraço, a energia estática pelo contato da pele (percebida num eventual arrepio) e a profundidade que pode chegar ao brilho do olhar, quando penetra a alma…

 

A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

 

 

A família modificou-se ao longo dos anos, fazendo emergir padrões familiares na contemporaneidade que nos levam a considerar que é, de fato, evidenciação de modelos anteriormente conhecidos, mas negligenciados. Segundo Vaitsman (1994 apud HINTZ, 2001), “[…] o que caracteriza a família e o casamento numa situação pós-moderna é justamente a inexistência de um modelo dominante, seja no que diz respeito às práticas, seja enquanto um discurso normatizador das práticas.”

A chamada evidenciação de modelos anteriormente conhecidos começa com a família tradicional formada por um pai, uma mãe, e filhos, que tornou-se defectiva ao dar lugar à família uniparental: pai ou mãe e filhos. Seguindo esta evolução e evidenciando uma não mais dominação do modelo tradicional, surge a família homoafetiva: duas mães ou dois pais e filhos (existem casos de três pais/mães, ainda de dois pais e uma mãe).

A família mosaico ou estendida se estabelece onde há a presença de pai e mãe, porém com filhos de outros relacionamentos, e ainda com irmãos com pais diferentes. Outra figura ou modelo é o da família reconstituída, gerada por recasamentos. Há ainda uniões consensuais, formadas por pais com união estável e filhos. As famílias anaparentais ou associações que são membros convivendo, sem vínculo sanguíneo. A família unipessoal em que no lar só habita uma pessoa – uma tendência cosmopolitana. E, talvez por último, um modelo que pode englobar qualquer destes, que é o modelo de casais sem filhos por opção. Podem ainda existir outros modelos não listados, mas que pedem validade como as famílias com filhos não humanos (animais de estimação etc).

De qualquer forma não é, ainda, ilegal ou impróprio dizer que a família é a base da sociedade, uma vez que a própria Constituição Federal estabelece assim no seu Artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” Ali também se preocupa em estabelecer direitos e deveres. Ou seja, independente de todos os modelos contemporâneos e quaisquer dimensões dessas evoluções, há de qualquer forma a preocupação sustentada de manutenção de valores familiares e de sociedade primários e intrínsecos a qualquer modelo, mesmo que muitas vezes atenuados, mas que força rotineiramente a voltar a eles, mesmo que somente para parametrizá-los aos conceitos atuais.

Também por isto fica praticamente impossível pensar na sociedade sem a noção de família. Em torno dessa instituição, no sentido mais amplo, rodeiam formas de organização coletiva e social, direitos e deveres, referenciais para os relacionamentos. É inegável, portanto, ainda dizer que o modelo hegemônico é aquele que demonstra a força dos referenciais que, a cada dia, informa qual é a “família ideal” para se alcançar uma boa vida afetiva, para criar suas crianças, para ter seus direitos garantidos, isto é, um centro de estruturação da sociedade, um local de proteção e cuidados por excelência.

 

FRAGILIZAÇÃO DOS LAÇOS

 

 

O desenvolvimento humano segundo a teoria sociointeracionalista se dá em relação nas trocas entre parceiros sociais, através de processos de interação e mediação. Vygotsky (1982-1984, v. IV, p. 281 apud IVIC, 2010) escreveu, em 1932:

 É por meio de outros, por intermédio do adulto que a criança se envolve em suas atividades. Absolutamente, tudo no comportamento da criança está fundido, enraizado no social. […] Assim, as relações da criança com a realidade são, desde o início, relações sociais. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o bebê é um ser social no mais elevado grau.

 Pode-se dizer que a globalização, a industrialização, a saída da mulher para o mercado de trabalho e/ou o imediatismo da atualidade faça parte dessa evolução de modelos e supressão de valores (ou seriam atenuações?…), que cria um vazio, uma ausência de sincronismo, que expõe a modernidade a uma elevada potência superlativa, caracterizada assim por LIPOVETSKY (2004): “a modernização é desenfreada, feita de mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico-científico, cujos efeitos são tão carregados de perigos quanto de promessas.”

 Contudo Zanetti e Gomes (2011) apontam que

 O fenômeno da “fragilização das funções parentais” denuncia a existência de pais que não conseguiram se apropriar de todas essas mudanças de um modo equilibrado: ou seja, proporcionar uma educação não rígida, que dê maior espaço para a participação da criança na família, promovendo formas de relações mais compreensivas e próximas da mesma, ao mesmo tempo em que reconheçam que a criança em idade precoce precisa ser orientada, em termos de limites, e respeitada dentro de suas possibilidades e capacidades características.

 E este parece ser o perigo aparente: a intensa e extensa conectividade da contemporaneidade que promete uma infinidade de possibilidades para o sujeito constituir-se, também ameaça a constituição da subjetividade, se é tomada como esquiva ao engajamento, fuga desenfreada, proliferativa e desregulamentada podendo levá-lo ao vazio e, por vezes, à morte por isolamento físico. O que acontece no mundo de “carne e osso” não pode ser subvertido e o mundo virtual não consegue preencher as necessidades demandadas pelo sujeito que se conecta, nunca totalmente satisfeito.

A realização mais importante da proximidade virtual parece ser a separação entre comunicação e relacionamento. Diferentemente da antiquada proximidade topográfica, ela não exige laços estabelecidos de antemão nem resulta necessariamente em seu estabelecimento. “Estar conectado” é menos custoso do que “estar engajado” – mas também consideravelmente menos produtivo em termos da construção e manutenção de vínculos (BAUMAN, 2003: 82 apud DAL BELLO, 2009, p. 50).

Pela falta de limites, perdem-se as amarras, as muletas e os faróis e, soltos, perde-se a liberdade. Surge aí o sentimento de desamparo, o que indica que a vida psíquica continua a ser vivida fora de si, na desesperada abertura para um outro que não está disponível para si e não o responde. Então muitos se conectam às redes sociais para expressar esse vazio e atrair atenção para si.

 

MUDANÇAS DE PAPÉIS E OS LIMITES NO USO DAS TECNOLOGIAS

Os papeis paternos e maternos podem ser exercidos por indivíduos de diferentes gêneros e é considerado de suma importância para o desenvolvimento da criança, podendo, inclusive ser exercido concomitantemente por uma única pessoa. Para JMA (2006):

 Maternagem é “uma relação de afeto, incitamento e sedução. Como uma relação de escuta e atenção, como uma manifestação de confiança e presença. É a presença atenta, é o olhar que inspira, é o saber que o outro está lá securizar, para afirmar que a aprendizagem é possível. Mas a educação é também uma prática de paternagem. De rigor, de ordem, de exigência, de autoridade. Porque sem rigor e ordem não é possível organizar sequências de aprendizagem frutuosas. Sem exigir […] o máximo de si mesmo, o seu projeto de vida fica seriamente amputado. Sem autoridade, o projeto de fazer crescer o outro perde, em grande medida, o sentido.

Voltando nosso interesse para o crescente número de crianças conectadas à internet Mari (2014) faz referências a uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Informação e Coordenação (NIC.br), que implementa decisões do Comitê Gestor da Internet no Brasil, trazendo como resultado que 59% das crianças no Brasil de cinco a nove anos já utilizam um celular ou tablet.

Para Teresa Ruas, especializada em desenvolvimento infantil, em entrevista concedida ao Colégio Socrates menciona que “negar o convívio e o aprendizado das crianças com os atuais recursos tecnológicos, como os tablets e outros eletrônicos, não é aconselhado. A não permissão do convívio e do contato com estes recursos pode até gerar uma situação de exclusão social, pois eles já estão em nossa cultura”, já fazem parte do rol de habilidades e competências que a criança contemporânea deve desenvolver. Mas qual é o limite e o impacto da tecnologia na vida das crianças e de que forma o não estabelecimento de regras pode trazer consequências nocivas no desenvolvimento do seu futuro adulto?

O Globo (2013) apresenta reportagem onde expõe que os especialistas observam que não há qualquer prova de que passar muito tempo navegando num tablet ofereça qualquer benefício educacional ou relativo ao desenvolvimento das crianças. Na verdade, essa navegação tira as crianças de seu elemento natural: brincar, interagir com amigos e adultos ao vivo e usar brinquedos comuns, que não sejam digitais. Para os médicos, ficar muito tempo entretido com a tela de um celular ou tablet cada vez mais se mostra ligado a problemas comportamentais e atraso no desenvolvimento social.

Por outro lado parece não haver uma fórmula exata quanto ao tempo de exposição, uma vez que relatos científicos relacionados ao desenvolvimento infantil afirmam que a natureza de toda e qualquer criança é lúdica e, portanto, criativa e com alto poder de imaginação e simbolismo.

A maioria das habilidades sociais e intelectuais, necessárias para ter sucesso na vida, é desenvolvida por meio de brincadeiras de infância, mediadas pelo contato com o outro. Os jogos não estruturados, em que as crianças têm que descobrir tudo por si só, são muito importantes. As crianças aprendem a resolver problemas, a pensarem de forma criativa e trabalhar como uma equipe, a partir da construção de uma tenda, ou cavar juntos uma caixa de areia, por exemplo. Além disso, o sedentarismo, a falta de jogar e brincar pode deixar a criança vulnerável à obesidade, distúrbios associados com ADHD – Assessment of the attention deficit hyperactivity disorder, problemas comportamentais como individualismo exacerbado, timidez e outros, e até efeito negativo no desenvolvimento criativo da criança.

Qualquer que seja a conformação da família, sempre há o papel de maternagem e paternagem nos cuidados, criação e educação dos filhos. Em conjunto, os cuidadores e educadores devem enfrentar a tarefa de educar em tempos de tecnologia e do fácil acesso a informação, orientando-os como fazê-lo da maneira mais responsável, ética e segura possível, indicando as consequências da utilização inapropriada não só para o indivíduo, mas também para a sociedade. Os cuidadores, pais ou responsáveis devem assumir os seus corretos papéis como educadores e não cobrarem somente da escola e sociedade funções que deveriam também serem suas.

 

 

Assim, por maiores que sejam os recursos, não compete à tecnologia substituir uma boa conversa sobre o domínio da curiosidade e moderação, mesmo porque moderação nem sempre será a palavra mais correta neste mundo de superexcitação, em que estar em evidência pode-se traduzir em sucesso e ascensão, uma vez que a educação para o uso das tecnologias hoje pode refletir de modo decisivo na vida profissional da criança, no futuro.

O domínio da tecnologia é um diferencial do profissional moderno o que possibilitar a oportunidade de atravessar fronteiras, derrubar barreiras e dividir idéias de forma única, a Internet, as mídias e tecnologias em geral não devem ser vilãs, mas aliadas, que proporciona o aumento da capacidade educativa no fácil acesso a novas leituras, várias informações, resoluções de problemas, facilidade de comunicação (não importando as geografias)… e aquisição de competências exigidas no mundo presente e futuro.

Em suma, pode-se considerar que a utilização de aparelhos tecnológicos é como o uso de medicamentos: se usados na “dose” certa faz bem, em contraponto, o uso excessivo pode gerar prejuízos não somente à educação, como também aos relacionamentos sociais e à saúde de crianças e adultos. Exercitar a imaginação ou o corpo pode ser um bom substituto para o uso dos tablets. Pode-se Estipular um determinado horário para o uso dos aparelhos eletrônicos e após isto o faça praticar outras atividades, tais como: soltar pipas em parques, andar de bicicleta, jogar bola, jogar xadrez, brincar de teatro, visitar museus, bibliotecas, construir castelos na areia, entre outras. Deve-se ainda proporcionar às crianças uma gama de experiências lúdicas, sociais e grupais que possibilitem a expressão de todas as suas competências e habilidades. Os recursos tecnológicos permitem, na maior parte dos casos, apenas a expressão do raciocínio e da concentração e criar estratégias capacidade de ativar a energia, a inteligência e a inventividade e dos filhos é primordial numa época em que há a valorização da intelectualidade, conhecimento que exige esforço cerebral

 

REFERÊNCIAS

COLÉGIO SÓCRATES. Crianças tecnológicas: qual o limite? Disponível em <http://www.socrates.com.br/visualizacao-de-informacao/pt-br/ler/446/criancas-tecnologicas-qual-o-limite> acesso em 06 dez. 2014.IVIC, Ivan. Lev Semionovich Vygotsky / Ivan Ivic; Edgar Pereira Coelho (org.) – Recife:

JMA. A Maternagem. 2006. Disponível em <http://terrear.blogspot.com.br/2006/12/maternagem.html> Acesso em 28 nov. 2014.

MARI, Giovanna. Qual é o limite e o impacto da tecnologia na vida das crianças? Jornal da Orla. 2014. Disponível em <http://www.jornaldaorla.com.br/noticias/15664-qual-e-o-limite-e-o-impacto-da-tecnologia-na-vida-das-criancas/> Acesso em 21 nov. 2014.

O GLOBO. Uso de tablets e smartphones por crianças deve ser monitorado pelos pais, dizem pediatras. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/uso-de-tablets-smartphones-por-criancas-deve-ser-monitorado-pelos-pais-dizem-pediatras-11152227 > Acesso em 01 dez. 2014.

VYGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente. 153.65 – V631 Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/vygotsky-a-formac3a7c3a3o-social-da-mente.pdf> Acesso em 25 nov. 2014.

ZANETTI, Sandra Aparecida Serra; GOMES, Isabel Cristina. A “fragilização das funções parentais” na família contemporânea: determinantes e consequências. Temas psicol., Ribeirão Preto , v. 19, n. 2, dez. 2011 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2011000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 05 dez. 2014.