Impactos psicossociais do desemprego de longa duração

O desemprego é fonte de graves problemas psíquicos e sociais. As autoras Lima e Borges (2002) iniciam as discussões afirmando que essa situação promove não apenas a ruptura do vínculo do sujeito com seu trabalho, mas também com as principais referências que estruturavam seu cotidiano, ou seja, com tudo aquilo que o permita sentir-se parte integrante de seu meio. Por isso, para ele, vínculos familiares e sociais ficam também fortemente abalados. O desemprego prolongado é entendido, neste estudo, como uma condição que coloca a pessoa mais de um ano fora do mercado formal de trabalho, obrigando-a a sobreviver de “biscates” ou levando-a ao desalento, situações muitas vezes classificadas como desemprego oculto.

O estudo como um todo revelou as especificidades do sofrimento mental vivenciado em situações de desemprego, sugerindo que sua gravidade tende a aumentar com o passar do tempo, devido à desestruturação dos laços afetivos e sociais, causando impactos profundos na auto-estima dos indivíduos.  De modo a elucidar as questões das especificidades do desemprego na atualidade, consta-se um aumento significativo do número de desempregados em todo o mundo. Para as autoras, com a aceleração do processo de globalização da economia capitalista, a partir dos anos oitentas, o mundo do trabalho vem passando por intensas modificações, observando-se a reestruturação de alguns setores produtivos, a adoção de novas tecnologias e estratégias de gestão, a imposição de normas internacionais de qualidade e produtividade, além de exigências cada vez maiores de redução de custos.

É certo que o Capitalismo tem transformado o trabalho formal em um privilegio acessível a um número cada vez menor de pessoas, acentuando os processos de exclusão, as desigualdades e miséria humana. A ampliação da informalidade nas relações de trabalho revela uma desqualificação do emprego referente à remuneração, estabilidade, proteção e aos benefícios sociais, o que significa maior instabilidade dos vínculos com o trabalho e insegurança para muitos indivíduos.

As autoras propõem uma “psicopatologia do desemprego”, para elas, o desemprego prolongado pode criar uma situação propícia à emergência de distúrbios mentais característicos. A simples possibilidade de perda do emprego já pode desencadear um processo patogênico, sugerindo que a compreensão dos impactos psicossociais do desemprego deve ter início no momento em que o indivíduo percebe o risco de ser demitido. O indivíduo passa a viver em um universo de incertezas quanto ao seu futuro profissional, torna-se alvo de discriminações, podendo ser mesmo excluído do convívio social. A desestruturação dos laços sociais e afetivos é bastante comum e se agrava à medida que avança o tempo de desemprego. O isolamento social que ocorre com freqüência aumenta o sofrimento e o sentimento de solidão, contribuindo para a evolução dos distúrbios.

Com base nesses apontamentos não fica difícil compreender que há um aumento de quadros de suicídio. O alcoolismo, a dependência de outros tipos de drogas, o suicídio, a desestruturação dos laços familiares, entre outros problemas graves, têm sido tratados como manifestações dramáticas do sofrimento psíquico provocado pelo desemprego. A forma pela qual evoluem os quadros psicopatológicos dos desempregados. Eles apontam para vivencias de impotência, ausência de perspectivas, sentimentos de desconfiança e de frustração, isolamento social, sentimentos de inferioridade e de despersonalização, quebra de identidade ocupacional, sentimento de culpa e de autodesvalorização.

Para Lima e Borges (2002), os distúrbios psicossociais podem ser melhores entendidos mediante o estudo das rupturas dos laços de sociabilidade construídos no trabalho. Neste sentido, a sociabilidade estaria, sobretudo, ligada aos vínculos que se constroem no trabalho e sua ruptura, provocada pelo desemprego, levaria ao surgimento de distúrbios mentais. Para entender a evolução do sofrimento mental de um desempregado metalúrgico, as autoras nos apresentam um caso clínico que merece atenção nessa investigação sobre a temática. Para elas, deve-se investigar sua trajetória pessoal e ocupacional, com o intuito de compreender e de delimitar o processo evolutivo de sua doença. No caso citado, o sujeito teve uma infância tranquila e foi uma criança sociável e inteligente. Ele formou-se em auxiliar de desenho mecânico, mas integrou mais cedo no mercado de trabalho (por volta dos 15 anos). Surgiu a oportunidade de participar do concurso de “menor aprendiz”. Após ser submetido a diversos testes psicotécnicos, entrevistas e outros instrumentos de avaliação, foi aprovado no processo seletivo. Tal experiência foi gratificante e fundamental para decidir seu futuro profissional. Desse modo, aos 17 anos de idade, afirmou sua identidade e melhora a autoestima, visto que, ao exercer suas atividades, sentia-se como alguém útil e capaz.

Toda a segurança que sentia começou a ficar abalada após as sucessivas demissões. Devido às pressões no ambiente de trabalho e à ameaça de desemprego, começou a sofrer de insônia. Este momento foi a primeira fase do processo de adoecimento de Marcos, sob a forma de intensa irritabilidade, alterações do sono, fadiga mental e física, decorrentes das pressões sofridas no trabalho, mas, sobretudo, da constante ameaça de demissão. Um ano e meio após a demissão, desistiu, definitivamente, de procurar emprego, o que aumentou ainda mais sua angustia. As primeiras manifestações de um distúrbio mais grave (“esquizofrenia paranoide”, segundo os profissionais de saúde mental que o atendem) foram a restrição dos contatos sociais, o embotamento da afetividade e o surgimento de reações agressivas, caracterizando, para nós, a segunda fase do desenvolvimento de sua patologia. Ele se tornou desanimado, triste e desenvolveu um “tique” nervoso nos olhos. Às mudanças afetivas somaram-se as alterações comportamentais, que parecem caracterizar a terceira fase de sua patologia, já com um ano e seis meses de desemprego. Intensificação das agressões verbais, afastamento definitivo dos amigos. Começou a fumar, a beber e a dizer que usava drogas, alem de faltar a algumas sessões psicoterápicas. Comportamentos bizarros. Seus banhos eram excessivamente demorados.

Episódios estranhos tornaram-se uma rotina na vida do casal e só não ocorreu desestruturação total dos laços familiares e conjugais, porque ele contou com o apoio incondicional da família e da esposa.

A angústia pelas perdas sofridas, um luto difícil de ser elaborado. A quarta fase do adoecimento de Marcos caracterizou-se pela condição de total dependência, já que se tornou incapaz de sair de casa sozinho. Após algum tempo desempregado, ele encontrou na doença uma forma de refúgio. Talvez porque a identidade de “doente” traga menos constrangimento e seja menos estigmatizante socialmente do que a de “desempregado”.

Ao entrevistarem o psiquiatra e a psicóloga que o acompanhavam. Acreditavam, portanto, que Marcos já deveria estar apresentando alguns sinais da doença e que o momento da sua eclosão apenas “coincidiu” com o desemprego, pos era o problema que o ocupava, mais intensamente. Esses profissionais não viam uma relação direta entre o desemprego e o desenvolvimento do seu distúrbio.

Mas diante das fortes evidências da relação entre os distúrbios de IMAN e sua condição de desempregado, não podemos deixar de reagir à posição adotada por esses profissionais. Uma das primeiras repercussões de sua nova condição de desempregado foi a perda do convívio social, levando à solidão e ao isolamento. O desemprego teve um peso determinante no surgimento dos seus distúrbios, embora não possamos negar a importância de suas experiências anteriores. É uma história de cada um (e a personalidade forjada por essa história) que nos permite entender o impacto diferenciado que as vivências, como a da perda do emprego, têm para os sujeitos, visto que nem todos são atingidos da mesma forma.

Com base nesse caso, as autoras nos apontam algumas considerações finais sobre o mesmo. Para elas, existem várias teorias conflitantes a respeito da gênese da doença mental. Algumas defendem a tese de uma origem predominantemente psíquica, decorrente apenas da dinâmica dos afetos e das representações do indivíduo, em que os acontecimentos da primeira infância seriam determinantes no transtorno mental que este apresenta. Outras argumentam que sua origem é predominantemente orgânica e que os fatores endógenos são os maiores responsáveis por esses transtornos, admitindo os fatores exógenos apenas de forma secundaria. Há aquelas que afirmam a determinação social dos distúrbios mentais, sendo que as dimensões psíquicas e orgânicas seriam, evidentemente, admitidas, mas percebidas como ontologicamente subordinadas à dimensão social. Desse modo, as situações de trabalho são suscetíveis de gerar distúrbios graves, mesmo admitindo que a vivência de tais situações não possa ser vista pelo indivíduo.

 

Referência:

LIMA, Maria Elizabeth Antunes e BORGES, Adriana Ferreira. In: GOULART, Íris Barbosa (org.). Psicologia Organizacional e do Trabalho: teoria, pesquisa e temas correlatos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

 

Psicóloga. Doutora em Educação (UFBA). Mestre em Comunicação e Mercado (FACASPER). Especialista em Psicologia Clínica. Especialização em Gestão e Docência no Ensino Superior. Formação em Arte Terapia. Graduada em Publicidade e Propaganda (CEULP/ULBRA), em Ciências Sociais (ULBRA) e em Processamento de Dados (UNITINS). Coordenadora geral do Portal (En)Cena. Atualmente é professora e coordenadora do curso de Psicologia no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA).  E-mail: irenides@gmail.com