Libras – brasileiros nascidos no Brasil com língua diferente

O Portal En(Cena), entrevista e conta a história de um mineiro, simples torneiro mecânico, que decidiu investir no aprendizado da língua de sinais para ajudar na comunicação de seu filho que, nasceu surdo.

Foto: Gabriela Fachine Brito

Jacob Augusto Ferreira, 47, Tradutor/Interprete de Libras/LP do CEULP/ULBRA, Pós graduado em tradução/interpretação e docência em libras pela Unintese. Tudo começou quando seu filho, Rangel Barbosa Ferreira, nasceu no ano de 1990, logo dois anos depois, Jacob Augusto, descobriu que seu filho Rangel, tinha limitação sensorial.

Nessa época, as escolas públicas e privadas não aceitavam alunos com essas limitações do tipo surdez, sendo encaminhados para a Associação de Pais eAmigos dos Excepcionais – APAE, frequentando lá por vários anos. Aos 08 anos de idade, o torneiro mecânico percebeu que seu filho não desenvolvia e nem mesmo sabia ler e escrever. “Meu filho fazia tudo como as outras crianças, só não se comunicava como elas”, foi aí que, Jacob Augusto, conheceu a língua de sinais no ano de 1997, através de informações de uma caríssima amiga. Sua amiga, vendo seu desespero resolveu lhe ajudar. “Quando conheci língua de libras, em uma semana tive um resultado positivo com meu filho que não tive em 07 anos”, afirma.

Naquela época, 1997, Jacob Augusto diz ter tentando falar com os professores sobre línguas de sinais, e descobriu que eles já tinham conhecimento de libras, mas que, esse tipo de didática era proibido. “Diziam eles que o mundo é dos ouvidos e que, uma criança que não aprender a falar, ela não vai ter lugar no mundo”, Jacob lamenta que naquela época, acreditavam os docentes que, o uso dos sinais atrofiava o cérebro das crianças. “A religião representada pela igreja católica, considerava a língua indecente apelativa ao corpo e sensual, não podia ser usado”, relata.

Depois de tantos anos de luta e tentativas de conscientização, Jacob Augusto, atualmente não percebe uma evolução da sociedade em respeito aos surdos, considerados por ele, “brasileiros nascidos no Brasil com língua diferente”.   Foi membro da associação de pais de surdos no estado do Rio de Janeiro, e participou do movimento para reconhecimento da língua de sinais no ano de 2002, lei nº 10.436 de 24 abril de 2002, que foi reconhecida como a segunda língua oficial do Brasil, língua materna dos surdos brasileiros.

Toda sua história, Jacob Augusto, pretende um dia escrever em um livro. Atualmente, seu filho, Rangel Barbosa Ferreira, 24 anos, atua como professor de Libras no estado do Rio de Janeiro, e cursando o 6° período do curso de pedagogia bilíngue.

En(Cena) O que é o intérprete de Libras?

Jacob Augusto – Na verdade é Tradutor/Intérprete, é um profissional habilitado a fazer a tradução de textos escritos por surdos e a interpretação simultânea em diversas situações, inclusive educacional. Uma de suas funções é promover a interação entre aluno surdo, professor e surdo e colegas ouvintes. Atua em áreas diversas, como: saúde, auto-escolas, concursos públicos, vestibulares etc…

Jacob Augusto em atividade prática no curo de Libras. Foto: Arquivo Pessoal

En(Cena) O que a lei estabelece para as instituições em relação a libras?

Jacob Augusto – A lei 10.436 de 22 de abril de 2002 e o decreto 5.626 de 24 de dezembro de 2005, diz que Libras é a segunda língua oficial do Brasil e que é a língua materna dos surdos brasileiros. É obrigação do poder público promover a difusão desta língua. Todo órgão público, empresa concessionária de serviço público, é obrigatório ter pessoas habilitadas nesta língua para oferecer um melhor atendimento aos surdos.

En(Cena) O que o motivou a trabalhar com Libras?

Jacob Augusto – Meu filho, que hoje tem 24 anos, Rangel, que nasceu surdo devido à sua mãe ter contraído Rubéola em sua gravidez.

En(Cena) Qual a história que mais o comoveu durante sua experiência de trabalho com Libras?

Jacob Augusto – Todas as histórias vividas por mim juntamente com surdos me comoveram e me comovem até hoje. Porém, vou me referir a uma mais recente: uma garota surda de 20 anos que veio prestar o vestibular do CEULP/ULBRA ano passado, fui chamado para ser seu intérprete, chegando à sala percebi que além de não saber a língua de sinais, também não dominava o português escrito, aliás, esta garota por mais absurdo que seja, não sabia que era surda, a família não lhe permitia isso. Resumindo, após 20 minutos na minha frente ela (garota), em prantos balbuciou que não sabia ler, o que pude fazer foi chorar com ela, literalmente. Muitos me condenam por eu dizer quem são os culpados de tais fatos ainda acontecerem, mas, o governo não conhece esta garota pessoalmente, o MEC só a conhece pelos relatórios enviados pela escola. Então digo, os culpados são os professores e a própria escola!

Jacob Augusto em atividade prática no curo de Libras. Foto: Arquivo Pessoal

En(Cena) Que tipo de dinâmica o intérprete usa além dos sinais?

Jacob Augusto – Em sala de aula, o intérprete trabalha de acordo com o professor, se ele planta bananeira, o intérprete também o faz, porém, existem professores que não sabem nem comer a banana, quanto mais plantar um pé de bananeira.

En(Cena) Qual avaliação o senhor faz das políticas de Libras aplicadas pelas instituições, e o que poderiam melhorar?

Jacob Augusto – As políticas infelizmente são aplicadas pelo MEC, mas, as instituições desde que cumpram o mínimo que o MEC impõe, ficaria tudo bem, poderiam fazer mais, ou seja, fazer menos do que se é ordenado, não pode, porém fazer mais, nunca é demais, mas, as instituições não querem muito isso. Uma coisa como exemplo que poderia melhorar: a lei diz que cursos da área de saúde, incluindo fonoaudiologia e cursos de licenciatura, são obrigatórios ter Libras como disciplina, pergunto? Em algumas aulas em um semestre alguém aprende qualquer que seja a língua? Pela experiência que tenho ensinando Libras, uma pessoa que tenha muita facilidade de aprender só consegue aprender o básico com no mínimo de 80 a 120 horas de estudo.

Jacob Augusto (a direita)  conta com a participação do seu filho Rangel Barbosa Ferreira (a esquerda) em atividade no primeiro dia do curso de Libras no CEULP/ULBRA. Foto: Arquivo Pessoal

En(Cena) O acadêmico com necessidade de auxilio de um intérprete de libras consegue captar o mesmo conhecimento que os outros alunos?

Jacob Augusto – Todos fazem esta pergunta, respondo dizendo que a surdez não afeta o cognitivo de ninguém, Libras é uma língua, e como toda língua é diferente uma da outra, porém a didática de alguns professores, ou melhor, a falta dela, neste caso o intérprete precisa ter muito conhecimento e experiência para fazer com que o surdo não saia prejudicado, mas, o surdo aprende o conteúdo como qualquer outra pessoa.

En(Cena) A discriminação por parte da sociedade é uma falta de conhecimento sobre os surdos?

Jacob Augusto – Na realidade o que assusta as pessoas é muito simples, nós temos um desejo enorme de nos comunicar, a falta de comunicação afasta as pessoas. Com relação aos surdos, além das pessoas não saberem Libras, tratam os surdos como doentes mentais, a discriminação é exatamente por causa da falta de conhecimento do que é uma pessoa surda, do que é a cultura surda, a identidade surda etc.

En(Cena) Na sua visão, os nascidos surdos, qual explicação espiritual para essa diferença e limitação dos sentidos?

Jacob Augusto – Digo apenas que, nem todos serão professores, juízes, promotores, delegados, advogados, administradores, empresários… é indispensável também que hajam, as domésticas, os motoristas, os garis, os taxistas etc… Infelizmente os surdos sempre estão relacionados a alguma religião. Portanto, os egípcios os tinham como deuses, Aristóteles dizia que não possuíam almas, os católicos diziam que não poderiam ir para os céus pois, não ouviam a palavra de Deus, os evangélicos querem expulsar os demônios surdos que existem dentro deles. Só posso dizer que, hoje, graças a Deus, rsrs… não sigo nenhuma denominação religiosa, o que posso dizer é que, tudo que acontece neste mundo existe um propósito, e para as especulações que os ditos cristãos fazem sobre os surdos cito: Êxodo 4:10 e 11: e disse Deus a Moisés: “não foi eu quem fez o surdo? o cego?”… quem quiser saber mais confira.