Instagram e saúde mental: uma questão de likes?

O uso de mídias sociais como Twitter, Facebook e Instagram é generalizado. As redes sociais permitem aos indivíduos construir perfis nos quais podem manter e criar redes de relacionamento, bem como circular detalhes sobre suas vidas diárias e responder às postagens de outros usuários (BERRY et al. 2018). Trata-se de fenômeno relativamente recente, sobre o qual várias áreas do conhecimento se debruçam tendo em vista diversas populações (LIRA et al. 2017). Para Firestone (2019), é experiência relativamente nova para a psiquê humana. Conforme Shirley Cramer, chefe executiva da Royal Society for Public Health, as redes sociais tornaram-se espaço de construção de relações, moldagem da autoidentidade, espaço de expressão e conhecimento do mundo à volta, logo,  intrinsecamente ligadas à saúde mental.

As mídias digitais, móveis e sociais tornaram-se parte indispensável da vida diária de pessoas no mundo todo. O relatório Digital 2020 mostra que, a nível mundial,  4,5 bilhões de pessoas usam internet, enquanto os usuários de redes sociais passam da marca de 3,8 bilhões. No contexto brasileiro, existem 140 milhões de usuários de mídias sociais ativos. Entre as redes mais utilizadas o Instagram tem posição especial, com 69 milhões de usuários brasileiros, figurando no quarto lugar a nível nacional, e em sexto a nível mundial (IMME, 2020). Como escreve Trifiro (2018), sendo aplicativo essencialmente criado para aparelhos móveis, seus usuários podem publicar fotos e vídeos. Em resposta, outros usuários curtem (ou gostam da) publicação, comentam-na, assim interagindo uns com outros.

Uma vez que o Instagram é relativamente novo, poucas pesquisas foram feitas, no que diz respeito aos efeitos específicos da rede social sobre a saúde mental dos usuários (TRIFIRO, 2018). Esta mesma autora, citando Vries et al. (2017) escreve que a rede social em questão difere muito de outras, especialmente do Facebook, devido à “centralidade de imagens”, ou seja, à prioridade dada às imagens em dentrimento dos textos. Ainda conforme a mesma autora, que cita Johnson e Knobloch-Westerwick (2016), redes sociais focadas em imagens têm efeitos comprovadamente diferentes sobre o humor dos usuários, em comparação com mídias que priorizam textos. Otero (2018), tratando sobre a rede social em questão, fala em “culto ao audiovisual”.

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Numa breve perspectiva macrosocial, pode-se dizer que o Instagram alimenta-se de tendência contemporânea, onde a imagem técnica é meta de todo ato e o fotógrafo visa a eternizar-se por meio da fotografia. “Tudo, atualmente, tende para as imagens técnicas, são elas a memória eterna de todo empenho. Todo ato científico, artístico e político visa a eternizar-se em imagem técnica, visa a ser fotografado, filmado, videoteipado (FLUSSER, 2002, pg. 18). Todavia, o fenômeno entre usuários do Instagram e as imagens não é processo meramente motor, onde dedos e olhos trabalham e fica por isso mesmo. Ocorre também processo cognitivo que, por sua vez, é crucial para a relação entre usuários, e entre eles e a rede social como ferramenta. “Fotografias são imagens técnicas que transcodificam conceitos em superfícies. Decifrá-las é descobrir o que os conceitos significam.” (FLUSSER, 2002, p. 43).

Em que pese sua popularidade, o Instagram é a rede social mais nociva à saúde mental e bem-estar de jovens entre 14 e 24 anos, conforme relatório publicado pela Royal Society for Public Health. O impacto negativo atinge a imagem corporal e o sono, alimentando sentimentos de inadequação, ansiedade, depressão e solidão (FIRESTONE, 2019). Enquanto todas as redes sociais parecem ter impacto negativo na imagem corporal, o problema é especialmente prevalente no Instagram, onde há mais mulheres e jovens. Muitas fotografias carregadas têm perfeição irreal, uma vez que as fotos são cuidadosamente selecionadas ou mesmo editadas, a fim de esconder falhas. Trata-se de plataforma onde predominam postagens positivas, onde as pessoas tendem a expor os lados mais positivos delas mesmas e de suas vidas (DE VRIES et al., 2018).

Uma vez publicadas, recebem ou não curtidas (ou likes) bem como comentários acerca do conteúdo explícito na imagem. A experiência de receber um like na rede social  produz dopamina, neurotransmissor associado com o prazer. Quando um usuário vê que outro usuário curtiu sua postagem, é um pouco como tomar uma substância psicoativa. Quando se está prestes a publicar algo, não há garantia da obtenção de likes, tal imprevisibilidade torna o processo viciante. O problema no Instagram é que todos apresentam a melhor versão de suas vidas, cada um tem contato com os melhores aspectos da vida alheia. Logo, a comparação de um com o outro leva a conclusão de que há falta de algo que o outro aparentemente tem (ALTER, 2017).

Conforme De Vries et al. (2018), estudos se contradizem acerca dos efeitos das mídias sociais sobre a saúde mental dos usuários, e, citando Frison e Eggermont (2016), explica que tais efeitos dependem das atividades com as quais os usuários se envolvem na rede social. De todo modo, citando Lin e Utz (2015), parece claro que ver postagens positivas, rotineiras nas redes sociais, pode ter tanto consequências positivas quanto negativas para o humor do usuário. Segundo Chou e Edge (2012); Haferkamp e Krämer (2011); Sagioglou e Greitemeyer (2014); e Tandoc, Ferruci e Duffy (2015), navegar em postagens positivas de outros usuários tem efeitos negativos como inveja e sensação de que outros têm uma vida melhor.

Porém, outros estudos emergentes, a partir de uma perspectiva de contágio emocional, sugerem que postagens positivas de outros usuários evocam respostas emocionais positivas, à medida que os indivíduos adotam emoções agradáveis expressas por outros em suas publicações (FERRARA e YANG, 2015; HANCOCK, GEE, CIACCIO e LIN, 2008; KRAMER, GUILLORY e HANCOCK, 2014). Assim sendo, as perspectivas da comparação social e do contágio emocional predizem formas opostas que afetam os usuários de mídias sociais.

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O Instagram provê informação sobre vasta quantidade de outras pessoas, sobre o que elas estão fazendo, como estão se sentindo. A partir disso, os usuários usam tais informações para aprenderem sobre sua própria situação, comparando-se a si próprios e suas vidas às dos outros, baseados na informação que recebem sobre estes (FESTINGER, 1954 apud DE VRIES et al. 2018). Desse processamento que mira o alvo de comparação, decidem se estão melhores ou piores que ele (DIJKSTRA et al., 2010; FESTINGER, 1954 apud DE VRIES et al. 2018,) resultando em entusiasmo, excitação (WATSON et al., 1988 apud DE VRIES 2018), sentimentos de alívio e orgulho ou frustração e ressentimento.

 Em ambos os casos, dos afetos positivos ou negativos, percebe-se uma questão de autoestima que motiva as publicações e também atua na forma de reagir dos usuários, seja através da interpretação dos conteúdos ou da comparação social no âmbito virtual. Martin (2003) apud Elena (2017) vê a autoestima como “um conceito, uma atitude, um sentimento, uma imagem”, sendo tais aspectos representados pelo comportamento. Também é tida como sentimento de apreço ou rejeição junta à avaliação global que um faz de si mesmo (ROJAS, 2008 apud ELENA, 2017).

Branden (1995) vê muito mais que o sentido inato do valor pessoal, isso seria a antessala da autoestima que, por sua vez, consumada, é a experiência fundamental da capacidade de levar uma vida significativa e de cumprir seus requisitos. Isso implica a capacidade de pensar, de enfrentar desafios básicos da vida, a confiança no direito de triunfar e ser feliz. Para Rojas (2016), a autoestima é fundamental para a sobrevivência psicológica, sendo o final da travessia de uma personalidade bem estruturada. Trata-se de juízo positivo de uma pessoa sobre ela própria, após conseguir personalidade onde elementos físicos, psicológicos, sociais, profissionais e culturais formam estrutura coerente, a qual o sujeito dá uma nota valiosa. Logo, conclui Elena (2017), a autoestima é fenômeno psicológico e social.

Em meados do ano 2019 o Instagram testou uma função que ocultou o número de curtidas das publicações, de modo que apenas os donos das contas tinham acesso a esses dados e, ao contrário do que ocorria antes, não seus seguidores, os quais poderiam ver a lista dos que curtiram, mas, teriam de contar manualmente se quisessem saber o total. Segundo a plataforma, a expectativa era entender se tal mudança poderia ajudar os usuários a focar menos em curtidas e mais em contar suas histórias. Além disso, a nova função baseou-se na questão de a contagem de likes ser negativamente ligada à saúde mental dos usuários (BARROS, 2019). Resta saber se a ideia deu certo, fica em aberto uma lacuna do conhecimento para profissionais da Psicologia, bem como estagiários, investigarem através da pesquisa.

Fonte: encurtador.com.br/oCGT7

Referências

ALTER, Adam. What happens to your brain when you get a like on Instagram.  Disponível em:<https://www.businessinsider.com/what-happens-to-your-brain-like-instagram-dopamine-2017-3>. Acesso em 05 de agosto de 2020.

BARROS, Larissa. Nada de Likes! Instagram testa função que esconde número de curtidas nos posts. Disponível em: <https://www.purebreak.com.br/noticias/instagram-sem-curtidas-entenda-por-que-os-likes-sumiram/88345 >. Acesso em 06 de agosto de 2020.

BERRY et al. Social media and its relationship with mood, self-steem and paranoia in psychosis. Disponível em: < https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/acps.12953 >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

BRANDEN, Nathaniel. Los seis pilares de la autoestima. Barcelona: Paidós, 1995. Disponível em: < https://doku.pub/documents/los-seis-pilares-de-la-autoestima-nathaniel-branden-vel9pkmkxkqy>. Acesso em 06 de agosto de 2020.

DE VRIES, Dian et al. Social Comparison as the Thief of Joy: Emotional Consequences of Viewing Strangers’ Instagram Posts. Disponível em: < https://pure.uva.nl/ws/files/32306200/Social_comparison_as_the_thief.pdf >. Acesso em 06 de agosto de 2020.

DIGITAL 2020: BRAZIL. Disponível em: < https://datareportal.com/reports/digital-2020-brazil>. Acesso em 04 de agosto de 2020.

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ELENA, Zenteno Duran María. La Autoestima y como mejorarla. Revista Ventana Cientifica. v. 8. Tarija, 2017. Disponível em: < http://www.revistasbolivianas.org.bo/scielo.php?pid=S2305-60102017000100007&script=sci_arttext&tlng=es >. Acesso em 06 de agosto de 2020.

FIRESTONE, Lena. Which is Worst for Your Mental Health: Instagram, Facebook or YouTube? Disponível em: <psychalive.org/worst-mental-health-instagram-facebook-youtube/>. Acesso em 05 de agosto de 2020.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

IMME, Amanda. Ranking das redes sociais: as mais usadas no Brasil e no mundo, insights e materiais gratuitos. Resultados Digitais. Disponível em: <https://resultadosdigitais.com.br/blog/redes-sociais-mais-usadas-no-brasil/ >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

INSTAGRAM. Wikipedia. Disponível em: < https://en.wikipedia.org/wiki/Instagram >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

LIRA et al. Uso de redes sociais, influência da mídia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes brasileiras. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v66n3/0047-2085-jbpsiq-66-3-0164.pdf >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

OTERO, Ana de Luis. Instagram: la autoestima comprometida. Disponível em: < https://periodistas-es.com/instagram-la-autoestima-comprometida-108340 >. Acesso em 06 de agosto de 2020.

ROJAS, Enrique. SOBRE LA AUTOESTIMA. Disponível em: < https://ieip.es/wp-content/uploads/2016/09/erautoestima.pdf >. Acesso em 06 de agosto de 2020.

#StatusofMind. RSPH. Disponível em: <https://www.rsph.org.uk/our-work/campaigns/status-of-mind.html>. Acesso em 05 de agosto de 2020.

TRIFIRO, Briana. Instagram Use and It’s Effect on Well-Being and Self-Esteem. Disponível em: < https://digitalcommons.bryant.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1003&context=macomm>. Acesso em 04 de agosto de 2020.