Destituição do poder familiar: conceito e aplicações

A perda ou destituição do poder familiar é a forma mais grave de sanção aplicada pelo Estado aos pais que faltam com os deveres aos seus filhos. De acordo com o Artigo 1638 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, perde por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: 

I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. 

Conforme aponta Torres et al. (2012), o poder familiar era inicialmente atribuído apenas ao pai, que tinha direito até mesmo de vender ou tirar a vida de seus filhos. Nos dias atuais, entende-se que a responsabilidade pelo poder familiar é compartilhada entre ambos os pais, que devem prover sustento, guarda, educação e o que mais for necessário para seu bem-estar. Considera-se, desta maneira, que o poder familiar inaugurou-se como instituto de direito privado e que só posteriormente tornou-se social, pois ainda que a família se desenvolva num ambiente privado, é o Estado que o fiscaliza e protege suas relações (MONDIN, 2016).

Com base no que indica o Artigo 227 da Constituição Federal, vislumbra-se que o atendimento às necessidades dos filhos não se dá apenas por uma questão material (TORRES et al., 2012) mas também no que se dispõe:

É  dever  da  família,  da  sociedade  e  do  Estado  assegurar  à  criança,  ao  adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à  alimentação  à  educação,  ao  lazer,  à  profissionalização,  à  cultura,  à  dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (EC nº 65/2010)

 A sanção aplicada de destituição do poder familiar é uma medida grave e que é apurada pelo juiz com muito cuidado aos fatos apresentados. Para a tomada de decisão, alguns pontos são relevantes, como: o direito dos filhos de serem criados e educados no seio da família natural (art. 19, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), direito de personalidade, Direito Natural da pessoa e direito dos pais de criarem e terem seus filhos próximos a si (art. 384 e incs., Código Civil), como aponta Torres et al. (2012).

Na jurisprudência, existem dois tipos de destituição do poder familiar, de caráter parcial ou total. O caráter parcial diz respeito ao processo aplicado em apenas uma parte da prole ou pela suspensão de alguns direitos dos pais com relação aos filhos, sendo de caráter temporário (MONDIN, 2016). Em sua forma total, a destituição atinge toda a prole independente de estarem envolvidos na hipótese legal e pode ser aplicada a um dos pais ou os dois (TORRES et al., 2012). Em última instância não mencionada anteriormente, pode haver a extinção do poder familiar, segundo Mondin (2016), nos casos de morte dos pais ou do filho, emancipação, adoção ou maioridade.

Fonte: encurtador.com.br/anrBV

O justo nos casos é que seja considerado o que é melhor para a criança e o adolescente, buscando-se o menor prejuízo. Mondin (2016) reflete que esta decisão atinge não apenas o âmbito jurídico mas também o social, pois para o pai perder o poder familiar corresponde a deixar de ser pai, e para o filho ver-se longe de sua família de origem pode corresponder a deixar de ser filho. O romper do vínculo familiar previamente estabelecido é uma questão sensível que reafirma a importância da cautela na decisão desses casos.

A Lei nº 10.406 confere as situações que são consideradas no ato judicial de perda do poder familiar, mas em grande parte dos casos a interpretação do judiciário vai além do que foi estritamente mencionado. Nesse sentido, Rodrigues (2004, p. 371, apud, Torres et al., 2012) salienta que o mencionado no inciso II sobre abandono na Lei supramencionada não se aplica apenas ao ato de deixar a criança sem assistência material, mas ainda quando há um descanso “pela sua criação, educação e moralidade”. O mesmo se aplica aos outros incisos, quando se considera que muitas decisões de destituição levam em conta situações em que os filhos que são expostos à prostituição, utilização de drogas e outros dependentes químicos e situações que violem a moral e os bons costumes (MONDIN, 2016).

Destarte, para que haja o atendimento do melhor para a criança e o adolescente nas questões relacionadas ao direito à convivência familiar e comunitária expostos Artigo 19 do ECA, nos casos em que o ambiente familiar promove contato com pessoas que têm dependência química é necessário e assegurado por direito que a criança venha a ser criada e educada numa família substituta, que lhe forneça um ambiente seguro para seu desenvolvimento.

Acrescenta-se, conforme as contribuições de Mondin (2016), que a destituição do poder familiar não tem o objetivo primeiro de sanção imposta aos pais, mas sim de uma medida que venha a proteger a criança e o adolescente e lhe assegurar o direito de convivência familiar e comunitária, mesmo que seja em família outra.

REFERÊNCIAS

MONDIN, Fabrícia Alcantara. A construção da decisão judicial nas ações de destituição do poder familiar. 2016. 171 p. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, [S. l.], 2016. Disponível em: https://www.univali.br/Lists/TrabalhosMestrado/Attachments/2072/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Fabr%C3%ADcia%20Alcantara%20Mondin.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.

TORRES, Ana Carolina Fróes et al. Destituição do poder familiar. Cadernos Graduação – Ciências Humanas e Sociais, Aracaju, v. 1, n. 14, p. 219-222, out. 2012. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/cadernohumanas/article/view/536/261. Acesso em: 29 set. 2020.

OUTRAS REFERÊNCIAS

BRASIL. Código civil brasileiro. 2002.  Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 29 set. 2020.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. 2014. Brasília. Congresso Nacional.