“O Homem nasce livre e em toda parte é posto a ferros”
(Jean Jacques-Rousseau)
É com essa frase que inicio a reflexão sobre os problemas enfrentados por indivíduos que por algum motivo foram limitados de sua liberdade, sendo aprisionados em celas, esquecidos pelo governo, sociedade e, por vezes, pelos familiares. Como foi definido por Marilena Chauí (2003), no seu livro Convite à Filosofia, liberdade seria a capacidade do indivíduo para realizar ações que mudariam o curso das coisas, dando outra direção ou sentido segundo a sua vontade. Deste conceito, notamos que a partir do aprisionamento de alguém, tudo isso lhe seria negado, inclusive o direito de escolha, pois não se teria como opção, senão aquilo que lhe seria imposto.
Neste trabalho serão sublinhados alguns quesitos de ordem social e psicológica relacionados ao processo sofrido pelo detento e diante disso tentaremos abordar o conjunto de sintomas que afetará a saúde mental e física desse sujeito. Kaplan (1997) mostra que a mudança para um ambiente social diferente daquele em que se encontra o indivíduo leva a um choque, que pode se caracterizar por ansiedade, depressão, senso de isolamento, desrealização e despersonalização.
Primeiramente, venho expor a precariedade do sistema carcerário brasileiro, e não falo só do espaço físico, mas do conjunto de fatores que influenciam e prejudica a saúde do detento, como superlotação, sedentarismo, falta de higiene, má alimentação e a própria lugubridade da prisão. O Estado se omite diante dessa situação e acha que, dessa forma, é imposta a verdadeira e merecida punição. Com isso, criam-se problemas maiores, deixando o indivíduo em isolamento, fazendo-o se sentir inútil e tirando-lhe qualquer perspectiva da vida. A alteração desse quadro emocional do detento pode causar uma descompensação psíquica que, por sua vez, pode gerar uma descompensação comportamental, agressividade ou até mesmo o suicídio. O que ocorre na verdade é a “dupla pena” sofrida pelo detento, tanto pela prisão propriamente dita quanto pela fragilização ocasionada ao seu estado de saúde.
Um bom exemplo é mostrado no filme “Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption)”, em que Brooks, detento que cumpriu mais de 50 anos de detenção, após ser libertado, cometeu suicídio pelo fato de não suportar mais viver em um mundo que não fazia parte dele. Tudo lhe parecia estranho e por mais que ele estivesse livre de sua punição, a própria sociedade o algemava com atitudes preconceituosas e excludentes.
E isso é o que podemos perceber na maioria dos sistemas prisionais. O detento chega e não lhe é garantido nenhum acompanhamento (psicológico ou psiquiátrico) ou até mesmo alguma atividade extra, como teatro, dança, cursos ou medidas sócio-educativas. Pois exponho de antemão a necessidade de mudar o foco da prisão como punição para a prisão como uma oportunidade de recuperação e de mudança. Pois o que vemos é que o indivíduo chega em uma situação deplorável em todos os âmbitos e sai pior ainda, pois é simplesmente jogado dentro de uma cela sem cuidados específicos e especiais, como se a partir daquele momento fosse negado todo o direito digno de um ser humano e qualquer castigo seria justificado pelo ato criminoso que tenha cometido. Segundo Skinner (1948), a punição seria ineficiente pra mudar o comportamento indesejável para desejável ou de anormal para normal, portanto, ele acreditava que em primeira instância o ambiente deveria passar por uma transformação. O simples aprisionamento seria de pouca serventia.
Goffman (1996) afirma que o indivíduo ao ser aprisionado, sofre uma espécie de mortificação ou mutilação do eu, como ele mesmo denomina, fazendo uma crítica às medidas adotadas em algumas prisões como raspagem da cabeça, uso de uniformes, igualando-os todos à mesma situação, assim recebendo o mesmo tratamento sem que as diferenças sejam levadas em conta. Ele ressalta que essas atitudes provocam modificações relacionadas ao “eu”, inicialmente ocasionando uma alteração psicofisiológica como perda de sono, angústia intensa, indecisão crônica. Mais tarde, esse indivíduo terá que se adaptar às “regras da casa”, “às leis do silêncio”, estas ditadas pelos próprios detentos; ou seja, aplicação de regras que a princípio foge das mãos da instituição carcerária e se mantém no domínio dos encarcerados, que se organizam hierarquicamente.
Analisando isto, percebemos que a instituição isola o detento e tenta se isolar deste, não interferindo no regimento dos internos, o que acarreta problemas ainda maiores na saúde tanto física quanto mental dos novos detentos. Quanto a estes últimos, eles terão de se moldar ao regime imposto pelos próprios presidiários e não pela instituição, que se omite diante disso.
Ainda de acordo com Goffman (1996), esse tipo de estabelecimento utiliza mecanismos de segregação, cuja arquitetura física se materializa a ponto de criar barreiras fixas entre o indivíduo e o mundo exterior, o que a autor chama de “fechamento”. Ou seja, isso acarreta um isolamento maior de alguns indivíduos, que então se recolhem e evitam o contato com outros detentos. Em alguns casos, em indivíduos mais vulneráveis, ocorrem episódios depressivos, ansiosos e outros, dos quais poderia justificar a ocorrência de suicídio, violência contra os próprios detentos e contra agentes carcerários e até mesmo recusa de se comunicar com os próprios familiares.
Diante disso, nota-se a necessidade de medidas que alcance todo o sistema carcerário, desde o ingresso do detento, a adaptação, o dia-a-dia, a inclusão de novas atividades e terapias, desde sua entrada até sua saída. Um detento que sai desassistido hoje poderá ser o criminoso de amanhã, quem sofrerá as conseqüências futuras será a própria sociedade. De pouco adianta aprisionar esses indivíduos sem lhes proporcionar uma base sólida, pois eles não podem ser devolvidos à sociedade despreparados e vulneráveis a cometer os mesmos erros, com cicatrizes de um sistema injusto e devastador.
Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.