O aumento da invalidação de sentimentos na pandemia

“Isso não é nada, não precisa chorar por isso”, talvez você já tenha escutado essas frases ou até mesmo as pronunciado em algum momento de sua vida para qualquer pessoa que tenha um grau de proximidade. Talvez já tenha dito a você mesmo “não tem porque eu me sentir assim, olha o meu amigo que tem um problema muito maior que o meu e não está sofrendo”. Estas típicas frases representam o que denominamos de um processo de “invalidação emocional” que ocorre quando os sentimentos e emoções de uma pessoa são tratados como errados, inadequados ou ridicularizados. Aprendemos isso ao longo do nosso processo de formação sem nem perceber, quando nossos pais desqualificaram nosso sentimento de tristeza e dor por um tombo de bicicleta ou quando nosso bichinho de estimação morreu. Quando a professora reclamava da nossa tristeza e decepção por ter tirado uma nota 8 e não 10, o que reforçava a compreensão de que nossas necessidades e sentimentos não eram válidos, não eram importantes.

Hoje compreendemos que tais práticas não nos ensinou a sermos pessoas mais fortes e resilientes, mas sim em reprimir nossas emoções, esquivar de determinados sentimentos e tornar invisível as necessidades do outro e nossa própria enquanto o mais assertivo seria acolher, orientar e descobrir em conjunto a melhor forma de lidar com aquele sentimento para aquela situação.

Na dinâmica familiar entre pais e filhos, marido e mulher, a invalidação emocional traz muitos prejuízos para a qualidade dos laços afetivos, da comunicação, do sentimento de pertencimento daquele sistema familiar.

E como ficamos com a invalidação emocional somado à pandemia? Não é “atoa” que nos dias atuais nos deparamos com diversos relatos e manifestações de pessoas, que também são trabalhadores, pais, filhos, esposos (as) verbalizando seu desespero, sua sensação de exaustão emocional, sua desesperança e clemência por socorro, reafirmando que não sabem mais como lidar com tantos sentimentos.

Fonte: encurtador.com.br/rFJT7

De repente a pandemia apareceu e nos forçou a estar em casa convivendo e lidando integralmente com nossas emoções, anseios, sem artifícios e recursos externos como ir a academia, dar uma volta no shopping, praticar um hobby, dentre tantas outras opções de lazer, que funcionavam como uma válvula de escape. Hoje vivenciamos inúmeros desafios que vão desde o distanciamento social, as dificuldades de acompanhar os filhos na educação remota sem ter didática pedagógica, em conciliar os cuidados da casa e da família com o trabalho remoto e outras. Somado a esta sobrecarga, muitos estão vivendo o desafio de descobrir quais são estes sentimentos e emoções que estão sendo aflorados e de aprender a lidar com eles. E esta não é uma tarefa fácil, considerando que durante todo nosso processo de construção pessoal fomos influenciados a esquivar ou negar nossas próprias emoções e necessidades psíquicas, o que acarreta hoje na “desqualificação pessoal”, provocando crenças de que não somos capazes, não vamos dar conta, ou como estamos fazendo está longe de ser o melhor e o adequado.

Para enfrentarmos essa sensação de exaustão emocional, é necessário tirar um tempo para a reflexão e se desprender do ideal imaginário de que temos de ser perfeitos. Busque refletir se foi levado a acreditar desde muito pequeno que suas necessidades não são importantes, se suas emoções e sentimentos foram reprimidos ou desvalorizados por quem esperava que o apoiasse ou trouxesse resposta àquela sensação ainda desconhecida por você. É de suma importância reconhecer isso, dar oportunidade de acolher sua criança interior, que teve emoções reprimidas, invalidadas, para então buscar adquirir recursos para começar a validar os seus sentimentos, tornando assim possível acolher e validar os sentimentos das pessoas que estão convivendo com você neste período pandêmico. Entenda que todas as emoções são válidas e importantes, por isso devem ser acolhidas. A busca pelo autoconhecimento pode ser a porta de entrada para uma melhor qualidade de vida neste período.

Comece a reconhecer e dar nome aos seus sentimentos, para que possa ouvir com atenção os de seus filhos, esposo (a), pais, e permitir assim que expressem os deles. Com seus filhos, compartilhe suas experiências de infância, utilize destes momentos para se conectarem e descobrirem juntos maneiras de lidar com as emoções desagradáveis. Com seu companheiro (a) compartilhe suas dificuldades, tentem deixar as atividades do cotidiano divididas igualmente, use a criatividade e separe um momento do dia ou da semana para realizarem um hobby ou aprenderem algo novo juntos. Dominar teorias complexas não irá proporcionar uma qualidade de vida e relações fortalecidas, mas a sua autopercepção, sua autoestima, sentimentos de amor, afeição e empatia poderão impactar na sua qualidade de vida.

“Não é o momento de abraçar, mas nunca foi tão necessário acolher”
autor desconhecido

Referências

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GOTTMAN, John, Ph.D.; DeCLAIRE, Joan. Inteligência emocional e a arte de educar os filhos: como aplicar os conceitos revolucionários da inteligência emocional para uma compreensão da relação entre pais e filhos.Rio de Janeiro:Objetiva, 2001.

ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.