Big Brother é um programa no qual as pessoas são colocadas em situações de competição que funcionam como condições para que elas mostrem um pouco daquilo que têm de pior. E algumas delas acabam revelando seu verdadeiro eu justamente no esforço de esconder um pouco mais aquilo que não querem mostrar. É exatamente isso o que atrai o público da programação. É também por isso que as novelas de hoje que fazem sucesso, ao invés de mostrarem pessoas ricas e poderosas, mostram pobres protagonizando “barracos”. Ao invés de apresentar ao público aquilo que ele gostaria de ser mas nunca será, a TV agora lhe apresenta aquilo que ele é mas não tem coragem de mostrar, aquilo que ele gostaria de fazer mas não faz porque precisa passar aos outros uma imagem de ‘superioridade’.
Nosso mundo é um teatro bem dirigido no qual cada um acredita ter em mãos o controle daquilo que deseja mostrar de si aos outros. Mas, a pessoa que entra no Big Brother acaba perdendo esse controle, sem perceber. O resultado é que a hipocrisia e o egoísmo se tornam mais explícitos; a mesma hipocrisia e egoísmo que o público lá fora se esforça por esconder em sua vida cotidiana. Mas, o público que esconde tudo isso é o mesmo que desejaria poder mostrar seu lado humano mais baixo sem reservas, e que só não o faz por medo das críticas. Assim, a oportunidade de ver outras pessoas perdendo o controle da situação e mostrando tudo aquilo que ele gostaria de mostrar serve de grande alívio. Por um lado, permite ao público identificar em outras pessoas a mesma baixeza que ele implicitamente reconhece em si mesmo. Por outro, permite a ele reafirmar sua superioridade moral: “Existem pessoas tão baixas quanto eu no mundo, e isso é bom, pois significa que não estou sozinho. Eu escondo o meu lado baixo muito bem, mas aqueles ali estão escancarando o seu, e isso me faz superior a eles!” É por isso que o público odeia os personagens de novela e os participantes do Big Brother mas não consegue tirar o olho deles: Trata-se de um ódio cheio de paixão; o ódio por aquilo que ele mais ama no fundo de si mesmo, e que mesmo assim precisa manter escondido de si mesmo.
Se o teatro da superioridade moral não fosse tão bem encenado aqui fora, esse tipo de programa não faria sucesso algum. Se as pessoas tivessem mais familiaridade com seu lado humano mais baixo e não passassem todo o tempo tentando escondê-lo de si mesmas e dos outros, esses programas perderiam completamente a graça. Eles não são nada além de uma grande bobagem. Porém, a maioria dos que criticam esses programas acaba contribuindo ainda mais para a sua proliferação. Pois a superioridade moral dos intelectuais que criticam o Big Brother e programas similares é exatamente o que mantém as pessoas longe da intimidade com seu lado mais baixo. De tanto vivermos numa sociedade insuflada por esse tipo de superioridade, acabamos sofrendo a necessidade de ver e ouvir a baixeza encenada em tons cada vez mais realistas. Mais do que criticar o programa, deve-se elaborar uma crítica que mostre as necessidades afetivas que se satisfazem nele e as condições de nossa vida cotidiana que deixam essas necessidades tão insatisfeitas a ponto de fazer dele um grande sucesso. E se essa crítica for bem feita, ela deixará claro que a superioridade moral presente nas críticas a esse tipo de programa é parte do problema.
Nenhum livro vai se suicidar se você assistir Big Brother. Leitura e estudos não são o oposto da futilidade. A futilidade é o resultado da pouca intimidade consigo mesmo, e na medida em que o estudo e os livros podem nos distanciar de nosso lado humano mais baixo, eles também podem nos deixar mais fúteis. Assim, os intelectuais que criticam o Big Brother e as pessoas que se comprazem com o programa se situam nos dois extremos opostos da mesma futilidade.