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O “horror-show” da vida real: mentes obscuras e o desconhecimento da população

É cada vez mais recorrente notícias sobre homicídios nos meios de comunicação. Talvez seja por isso que os noticiários apelam cada vez maisem suas reportagens. Imagens fortes, gente chorando, sangue, cruzes, trilha sonora triste, quase um filme de drama/terror almejando o Oscar, ou melhor, ibope. Com a evolução das mídias, principalmente a televisiva, e entenda que nem toda evolução é positiva, não se sabe se os crimes continuam nas mesmas proporções de sempre, levando em conta fatores como a crescente desigualdade e desordem social, e apenas estão sendo mais expostos, ou se as emissoras sedentas por sangue e dinheiro escrevem, juntamente com nosso sistema (falho, diga-se de passagem) de educação e segurança, o script desse filme triste, protagonizado por uma sociedade temerosa por suas vidas.

Quando assistimos notícias sobre um assassinato, poucos conseguem ver a tragédia de uma forma multifacetada, geralmente só enxergam o esquema assassino-vítima. No caso dos “canibais de Garanhus”, fato recente que deixou a todos horrorizados, os comentários que escutei foram apenas referente aos assassinos. “Esses loucos merecem a morte”, “espero que apanhem muito na cadeia”, “todo castigo é pouco pra esse tipo de gente”. Claro que é compreensível a revolta popular, o povo clama por justiça, e com razão, mas essa não se faz apenas punindo os criminosos. Parece que expor esses casos desperta o ódio dentro de cada telespectador que se sensibiliza com o ocorrido. A máxima “é melhor prevenir do que remediar” deve ser revista, talvez assim salveoutras vítimas em potencial. O que quero dizer é que esse caso, por exemplo, vai além de simplesmente prender os “canibais”, isso não vai barrar outros “apreciadores de carne humana” que possam existir por aí.

Os assassinos deixaram pistas do que poderiam fazer, mas ninguém quis ver. Jorge Negromonte, o líder dos canibais, e também da seita que diz seguir, juntamente com suas duas companheiras, escreveu um livro, que para a polícia é um “autodossiê”, além de um filme caseiro com cenas que fazem apologia ao canibalismo. Certamente essas não foram as primeiras expressões da mente obscura deles. Onde estavam os pais, os professores, as autoridades, os conhecidos, que não perceberam nenhum comportamento que despertasse uma interrogação acerca da conduta de pelo menos um dos três? Nossa sociedade não tem estrutura, não está preparada pra evitar que mentes doentes disseminem e executem aquilo que tomam como verdades universais de seus mundos paralelos. O que dizer de três pessoas que acreditavam estar ouvindo uma voz que mandava matar mulheres, como forma de conter a taxa de crescimento populacional? E ainda degustar suas carnes e fazer outras pessoas comer sem saber? Tudo isso parece ultrapassar os limites do racional, extravasa em forma de emoção, então é mais fácil dizer que são criminosos que fazem o mau por fazer, e simplesmente condenar.

Ainda nesse caso, como será o futuro da criança que viu as mortes e possivelmente comeu a carne da própria mãe? Claro que não será uma infância tranqüila, como lhe era reservado, com brincadeiras, e no máximo alguns desses problemas infantis, como um brinquedo quebrado ou um pequeno machucado oriundo de uma queda no parquinho. Talvez sua mente apague as cenas, como forma de um mecanismo de defesa, mas alguma marca irá ficar. Quantas crianças por aí estão sofrendo traumas e tendo comportamentos modelados para se tornar futuros monstros dos noticiários famosos? Crianças sem acompanhamento, adolescentes abandonados, sistema fraco que não se antecipa e tenta tapar buracos que já tomam proporções de crateras. As atrocidades irão continuar se o foco permanecer na punição de bandidos. Os homens devem ser compreendidos, as mentes devem ser “catalogadas”, a educação e a segurança devem permear cada lar, só assim casos como esses deixarão de dar ibope às emissoras e nos aterrorizar.