O Pequeno Hans e os conceitos centrais da Psicanálise

O presente texto tem por finalidade apresentar o caso analisado e discutido por Sigmund Freud em 1909, “O Pequeno Hans”, como também, os conceitos da abordagem psicanalítica, que tem relação com este caso. Neste período, Freud retoma seus estudos clínicos da histeria de angústia, analisando a história do pequeno Hans para exemplificar o funcionamento fóbico considerando as vivências sexuais na infância (SILVA, 2016).

A seguir, é apresentado a descrição do caso conforme os relatos de Freud (1909), considerando a sua teoria para análise teórica.

Em seu trabalho, Freud (1909) discute o percurso do adoecimento assim como o restabelecimento do paciente, que apresenta uma história de ansiedade fóbica na infância relacionada à sexualidade.

O pequeno Hans era uma criança de cinco anos de idade quando o seu pai procurou Freud para analisar e intervir no caso, relatando acontecimentos desde os três anos de idade do seu filho. Freud (1909, n.p.), diz que as interpretações foram possíveis devido às observações do pai: “É verdade que assentei as linhas gerais do tratamento e que numa única ocasião, na qual tive uma conversa com o menino, participei diretamente dele; no entanto, o próprio tratamento foi efetuado pelo pai da criança”.

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Ainda muito novo, Hans demonstrava curiosidade a respeito da sexualidade. Certo dia sua mãe o encontrou em atividade masturbatória que foi duramente repreendida com a ameaça de chamar o Dr. A. para cortar fora seu “pipi” se continuasse a tocá-lo. Em seguida sua mãe perguntou como ele faria para fazer pipi, e a solução para Hans seria fazê-lo, “com o meu traseiro”. Neste instante, percebe-se que Hans parecia livre do conflito que levaria à formação de sua fobia e a ameaça de castração, a qual segundo Freud (1909), teria tido seu efeito adiado, articulando-se a neurose da criança tempos depois.

A história começou quando Hans desenvolveu um temor por sair de casa, e isso aconteceu depois do nascimento da irmã Hanna. O menino começou a ficar amuado e só então descobriram que ele tinha medo de sair e ser mordido por um cavalo. Tal fato intrigou seu pai, por que Hans nunca havia apresentado esse comportamento, ao contrário, o menino gostava de cavalos quando era mais novo e não tinha receios quanto a eles. Então Freud procurou investigar o que o menino associava aos cavalos que lhes fazia sentir tanto medo e descobriu que é por que os cavalos mordem. Hans lhe contou que uma vez o cuidador de cavalos falou para ele não colocar a mão muito perto da boca deles pois era perigoso. Assim, Freud associou essa fala como se fosse um protótipo de ameaça corporal que estaria ligado à fantasia de castração, ou seja, o medo de perder o falo.

Além disso, Hans começou a trazer cada vez mais, elementos de sua investigação sobre sexualidade, tentando descobrir por que a mãe e a irmã não possuíam falo, e imaginando se havia a possibilidade do pai perder o seu. Foi nesse ponto que Freud tentou descobrir o porquê do cavalo.

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Em um dos encontros com o menino, Freud pediu para que Hans desenhasse o cavalo. O desenho refletia o animal com traços destacados na região da boca e ao olhar para o pai, Freud reparou que o mesmo ostentava um bigode e disse em tom de brincadeira que as marcas do cavalo parecia um bigode. O menino confirmou dizendo, inclusive, que era semelhante ao do seu pai. Diante disso, percebeu-se que Hans começou a dar sinais de uma transferência em relação a Freud, considerando-o como uma figura importante que ajudava o seu pai.

A gênese da fobia estava ligada ao momento em que Hans, o pai e a mãe foram passar a temporada de férias em uma cidade. O pai do pequeno voltou para trabalhar, mas periodicamente ia visitá-los. A partir desse fato, Hans desenvolveu uma ambiguidade por que ele dizia que gostava de ficar sozinho com a sua mãe, dormir com ela, quando ela o lavava e o tocava. Logo, percebeu-se várias declarações das passagens de cuidados que as mães e os pais possuem, em geral. Mas um cuidado que vai se infiltrando e num determinado momento gera uma relação sensual com a descoberta de prazeres. Dessa forma, Hans começou a perceber que existia uma figura que o atrapalhava. Por exemplo: quando o pai chegava, não era mais o menino que dormia com a mãe.

Nesse instante, então, começaram os primeiros sentimentos de angústia. O pequeno Hans passou a acordar a noite com medo do cavalo e sonhando, ou seja, cada vez mais a fobia ganhava espaço. Para Freud, a fobia era uma espécie de solução de sintoma primário que ele estava construindo para entender qual era o lugar dele entre o pai, a mãe e Hanna.

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Percebeu-se que o pequeno estava tendo a fantasia de que o pai, a quem ele gostava, admirava, companheiro de jogos, grande protetor era também aquela figura com quem ele tinha sentimentos hostis e queria que fosse embora de vez.

O nascimento da irmã expôs a diferença no corpo que remetia à sexualidade. Ele viu Hanna numa bacia com sangue (no seu nascimento), e associou aquilo à uma situação agressiva, que ofende o corpo e isso lhe apresentou como elemento para a sua fobia.

Na medida em que eles falavam sobre esse medo fóbico, a fobia também ia se transformando. Hans passou não apenas a ter medo do cavalo, mas ter medo quando o animal estava com uma carroça, medo que ela se desacoplasse e virasse numa curva, por exemplo. Freud (1909), compreendeu que essa relação entre o cavalo e a carroça refletia um progresso na simbolização, na qual a carroça representava a mãe, a qual se encaixava no pai. Assim, passou a ser protótipo da sua angústia. Hans acreditava que isso não deveria acontecer e por isso sentia medo.

Começou a ficar claro, para Freud, como o Pequeno Hans podia progredir na sua descoberta sobre o desejo e ao mesmo tempo tratar a sua fobia, a qual tinha relação com fantasias. Foi nesse ponto que o menino chegou na fantasia do encanador, imaginando que podemos estar numa banheira (lembra da banheira da irmã), vem o encanador aperta e afrouxa um cano, ou seja, uma alusão à retirada e reposição do pênis de um corpo. Essa simbolização, caracterizava-se por uma fantasia expressa, com uma função de solucionar a fobia. Por fim, Hans voltou a ir para a rua e reconciliou-se com os cavalos, confirmando a eficácia das conversas que ele estava tendo com o pai apoiado por Freud.

 

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CONCEITOS PSICANALÍTICOS

  • Histeria de Angústia

Freud (1894) propôs que a causa da fobia seria uma “acumulação de tensão sexual produzida pela abstinência ou pela excitação sexual não consumada” (FREUD, 1894, p.83). O contato de Hans com sua mãe era diminuído quando seu pai estava em casa, o que provavelmente causou uma falta dos cuidados para com ele, acumulando assim a tensão sexual, gerando posteriormente a fobia por cavalos em que o cavalo representava seu pai. Freud (1894), ainda expôs que o estado emocional da fobia será sempre o de “angústia”.

A angústia de castração está relacionada à perda ou separação, em que Hans apresentava uma angústia neurótica já que os impulsos primitivos do Id faziam-o pensar que seu falo seria retirado (JORGE, 2007).

O significado de medo da separação, da perda do objeto, se estende além do ponto da separação da mãe, pois a transformação seguinte do conteúdo da situação perigosa e da angústia, que pertence à fase fálica, também constitui o medo da separação e está ligado ao mesmo determinante – nesse caso, o perigo de se separar de seus órgãos genitais (FREUD, 1923 apud, JORGE, 2016).

  • Fase fálica – complexo de Édipo

Freud (1996) ressalta que todas as fases do desenvolvimento psicossexual produzem conflitos internos, sendo considerado também como uma defesa. Na fase fálica o conflito se dá com o desejo pela mãe, que antecede o Complexo de Édipo. A fase fálica envolve somente a parte genital masculina, na qual o menino acredita que todos tenham pênis.

O pequeno Hans manifestava interesse e curiosidade por órgãos genitais, tanto o seu quanto o da sua família. Apresentando características da fase denominada por Freud como Complexo de Édipo, que segundo ele toda criança nessa idade passa por essa fase e desenvolve grande desejo pela mãe e conflito com o pai, pois entende que a mãe pertence ao pai e para conquistá-la precisa eliminar o pai. A criança passa por um momento de ambivalência, pois apesar de amar e admirar a figura paterna enxerga-o como um obstáculo em sua relação com a mãe (SILVA; LIMA, 2018).

  • Identificação

Passos e Polak (2004) discutem que o menino se identifica com o pai desde o princípio, tendo-o como modelo ideal, em que tal identificação é ambivalente, pois a criança expressa ternura e hostilidade para com o pai.

Sendo que, a identificação é um mecanismo de defesa desenvolvido pela criança para enfrentar a fantasia de castração que é reforçada pelos adultos. Se identificando como pai para conquistar a mãe (SILVA, 2016).

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  • Recalque (desejo recalcado)

O desejo do pequeno Hans era de ficar com a mãe, porém, pelo medo da castração, e sendo a relação incestuosa proibida, ele recalca as suas fantasias, bem como os impulsos hostis contra o pai, o que deu início à formação do sintoma (SILVA, 2016).

  • Repressão

Laplanche & Pontalis (1988), dizem que para Freud a repressão está localizada entre o consciente e o pré-consciente e caracteriza-se pela exclusão de algum material do campo da consciência. Vale ressaltar que as motivações morais desempenham um papel predominante na repressão. No caso do pequeno Hans, ocorreu que os seus desejos em relação à mãe, bem como a sua hostilidade para com o pai, eram sentimentos moralmente inaceitáveis e por isso foram reprimidos.

  • Deslocamento

No caso de Hans, primeiro houve uma repressão de sua afeição erótica pela mãe, o que posteriormente converteu-se em ansiedade. Desse modo, gerou-se um deslocamento para o medo de cavalos, bem como para sentimentos hostis em relação ao pai, a qual resultou no medo do cavalo mordê-lo.

Dessa forma, o menino “restringe a situação de angústia ao encontro com o cavalo que pode ser evitado ao contrário do contato com o pai” (SILVA,2016, p.5). Assim, afirma Silva, 2016, por meio da fobia é possível que a castração seja contornada pelo sujeito e o confronto com ela seja evitado, o que também se configura como defesa já que o fim da angústia ganha significação através da escolha de um objeto, o cavalo.

  • Sublimação

A sublimação consiste, no investimento da pulsão sexual em outros alvos socialmente valorizados. No caso do Pequeno Hans, a criança ativa outro mecanismo de defesa, a sublimação, transferindo a energia de atração sexual pela mãe para a construção social e intelectual, sendo este, um escape para repressão do amor sexual pela mãe (SILVA, 2016).

  • Transferência

Santos (1994) salienta que a transferência positiva é um fenômeno que facilita o processo analítico, no qual o paciente passa a ser mais facilmente influenciado pelo analista, além de nutrir por ele sentimentos de empatia, respeito, admiração etc., ou seja, ele terá menos resistência e fará menos esforço para associar livremente.

Além da confiança entre Hans e Freud, importante para a investigação da origem fóbica do menino, deve-se considerar que de fato houve transferência do pai de Hans com Freud, a qual segundo Rosenberg (2002, p.34) “foi a própria transferência do pai de Hans com o “professor” que inaugurou esse campo analítico”, em outras palavras, o tratamento de Hans só foi possível devido a confiança que Freud despertou nos pais em relação ao seu lugar de saber.

 

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Duas histórias clínicas (O “Pequeno Hans” e o “Homem dos ratos”): VOLUME X. 1909. Disponível em: <http://www.valas.fr/IMG/pdf/Freud_portigaisB_10-19_pdf.pdf>. Acesso em: 22 out. 2018.

Freud, S. (1996). A ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL: uma interpolação na teoria da sexualidade. In J. Strachey (Ed. e Trad.). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 19, pp. 325-342). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1923).

Laplanche, J. & Pontalis, J. B. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1998.

ROSENBERG, A. O lugar dos pais na psicanálise de crianças. Porto Alegre: Escuta, 2002.

SANTOS, M.A. A transferência na clínica psicanalítica: a abordagem freudiana. Temas psicol. vol.2 no.2 Ribeirão Preto ago. 1994.

SILVA, Mariana Luíza Becker da. O CASO DO “PEQUENO HANS”: relação entre fobia e sexualidade infantil. Copyright, [s.l.], p.1-8, nov. 2016. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1034.pdf>. Acesso em: 22 out. 2018.

SILVA, Jônata Alves da; LIMA, Gleici Mar Machado de. CASO HANS: um marco na psicanálise com crianças. Revista Científica da Fasete. Bahia, p. 147 – 154, 2018. Disponível em: <https://www.fasete.edu.br/revistarios/media/revistas/2018/18/caso_hans.pdf>. Acesso em: 27 out. 2018.

PASSOS, Maria Consuêlo; POLAK, Pia Maria. A instituição como dispositivo da constituição do sujeito na família. Mental Barbacena, v.2, n.3, nov.2004. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272004000200004>. Acesso em: 26 out. 2018.