Para além do hábito: como a teoria da novidade de Terence Mckenna convida a repensar a mente

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Em meio ao vasto universo de ideias que buscam decifrar a existência, poucas são tão singulares e provocadoras quanto a Teoria da Novidade, proposta pelo etnobotânico e filósofo Terence McKenna. Embora situada deliberadamente fora dos domínios da ciência convencional, sua obra oferece um espelho metafórico fascinante para a psicologia, convidando a uma reflexão sobre os ritmos da consciência e os caminhos da saúde mental.

A proposta de McKenna é audaciosa: ele sugere que o tempo não é uma constante linear, mas uma onda fractal que se move em direção a uma complexidade crescente. Para o autor, o universo é impulsionado por uma dinâmica fundamental entre dois polos: o hábito e a novidade. O hábito representa a repetição, a conservação e a previsibilidade, enquanto a novidade é a criatividade, a conexão e a emergência de formas mais complexas e integradas.

Essa progressão, contudo, não se manifesta de forma linear ou constante. Ela se revela em uma pulsação cíclica, onde eras de consolidação e previsibilidade, dominadas pelo hábito, são inevitavelmente interrompidas por surtos de criatividade e desordem, que introduzem a novidade. O caráter fractal dessa onda temporal implica que os mesmos padrões de fluxo e refluxo se espelham em todas as escalas: um único dia pode conter a mesma assinatura rítmica de um século, em um movimento orientado por um propósito invisível.

Dessa forma, a história do cosmos, da vida e da consciência humana seria uma aceleração contínua em direção a um ponto de complexidade máxima, um “Atrator Estranho” ao final do tempo. McKenna chegou a desenvolver um software, o Timewave Zero, que pretendia mapear essas flutuações de novidade e hábito ao longo da história, baseando-se em sequências matemáticas derivadas do I Ching, o antigo oráculo chinês.

É fundamental sublinhar que a Teoria da Novidade não possui validação empírica e é amplamente considerada uma pseudociência. Sua base matemática é arbitrária e suas previsões, incluindo a famosa data de 21 de dezembro de 2012 como um ponto de transição, não se concretizaram (ainda que alguns teóricos apontem fatos extraordinários desse dia especifico, como Gangnam Style, de PSY, que tornou-se o primeiro vídeo da história a atingir 1 bilhão de visualizações no YouTube. Esse foi o primeiro marco cultural global da internet, um evento simultâneo que atravessou fronteiras, línguas e continentes). Contudo, rejeitá-la unicamente por seu status não científico seria perder a oportunidade de explorar seu potente valor como ferramenta simbólica.

Afinal, a psicologia há muito reconhece a tensão entre repetição e mudança como central para a experiência humana. O “hábito” de McKenna ecoa os padrões comportamentais e cognitivos que, embora ofereçam segurança e estabilidade, podem se tornar rígidos e aprisionadores. Pensemos nos ciclos de ruminação da depressão ou nos rituais de evitação da ansiedade, verdadeiras fortalezas do hábito que impedem o fluxo da vida.

Por outro lado, a “novidade” ressoa com conceitos psicológicos vitais para o bem-estar. Ela se alinha à neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de criar novas conexões a partir de novas experiências. Dialoga também com a “tendência atualizante” de Carl Rogers, a força inerente ao ser humano para o crescimento e a realização de seu potencial. A novidade é o que quebra a estagnação e permite o florescer da subjetividade.

Sob essa ótica, a saúde mental pode ser compreendida não como um estado estático de ausência de doença, mas como um equilíbrio dinâmico entre o hábito e a novidade. O sofrimento psíquico, por conseguinte, surgiria de um excesso de hábito: quando a mente se fecha em narrativas limitantes e o comportamento se cristaliza em padrões que já não servem ao indivíduo. A rigidez se torna sinônimo de adoecimento.

A jornada terapêutica, nesse sentido, pode ser vista como um convite à novidade. O processo de autoconhecimento introduz novas perspectivas, o desenvolvimento de novas habilidades quebra velhos ciclos e a própria relação terapêutica oferece uma nova forma de vínculo. Trata-se de reabrir o sistema psíquico para o fluxo da experiência, permitindo que a complexidade e a criatividade voltem a emergir.

O conceito de um “Atrator” ao final do tempo, ainda que especulativo, também oferece uma metáfora intensa. Ele espelha a noção junguiana de individuação, o processo de integração da personalidade em direção a um Self mais completo e coeso. A teoria de McKenna nos lembra que, talvez, exista uma força intrínseca que nos impele para a totalidade, mesmo em meio ao caos e à incerteza.

Portanto, ainda que a Teoria da Novidade não seja um mapa científico da realidade, ela funciona como uma provocação poética para a mente. Convida-nos a questionar a linearidade com que percebemos nossas próprias vidas e a valorizar a mudança não como uma ameaça, mas como a matéria-prima do crescimento.

Ao final, a pergunta que a obra de McKenna nos deixa é profundamente pertinente para a saúde mental: estamos vivendo em um ciclo de repetição estéril ou estamos abertos para a emergência da novidade em nossas vidas? A resposta a essa questão pode ser o primeiro passo para reprogramar não o tempo, mas a nossa própria forma de habitá-lo.

Referencias:

CASTRO NETO, J. F. de. A aceleração tecnológica na modernidade tardia: uma análise sociológica comparativa sobre os efeitos sociais da aceleração do tempo e as novas formas de alienação. 2022. Repositório Institucional UNESP. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstreams/bdd0fe16-d804-42a2-9f26-f6723e3dff5b/download&gt;. Acesso em: 15 ago. 2025.

JUNG, Carl G. O Homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

MCKENNA, Terence. O Retorno à Cultura Arcaica. Rio de Janeiro: Record, 1995.

MCKENNA, Terence; MCKENNA, Dennis. The Invisible Landscape: Mind, Hallucinogens, and the I Ching. New York: HarperOne, 1994.

ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.

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