Karla Roberta Santos Lima – karla.roberta.lima@gmail.com
A sociedade na qual vivemos se constituiu permeada pelo patriarcalismo, que historicamente, posiciona a figura feminina em submissão a masculina, transpassada por papéis de gêneros, onde cada indivíduo deve desempenhar sua função pré-estabelecida. Para as mulheres, a maternidade por muito tempo foi classificada como uma questão necessária e obrigatória, julgava-se que, enquanto mulher, existe o dever em ter filhos, a atribuição fundamental que a vida lhe concedeu. De acordo com Caporal et al (2017), verifica-se que existe uma romantização da maternidade, colocando-a como realização da mulher, invalidando suas subjetividades e as opressões por eles experienciadas, sendo assim, mulheres que tomam a decisão de não serem mães, são pressionadas pela maternidade compulsória, considerada como o propósito inato feminino, outro fator relevante a ser citado é extrema romatização da maternidade.
Romantizar quer dizer tornar o fato mais romântico, doce ou agradável. No universo feminino, podemos perceber falas como “parem de romantizar a mulher”, abrindo discussão para o fato de que não somos diferentes dos homens: podemos falar alto, podemos não querer vivenciar o casamento e a maternidade. Então, ouvimos muito a frase: “Parem de romantizar a maternidade” como um pedido para que a sociedade mude o foco das matérias a esse respeito, ou que, pelo menos, admita que exista outro lado da maternidade que não aparece com frequência nas capas de revista. (SILVA; ARANHA, 2020, p.68).
Atualmente, mulheres ainda são cobradas, seja pela família ou amigos, com apontamentos sobre o ideal de felicidade, e que, enquanto mulher, ela só será completa quando for mãe, não é incomum que em conversas cotidianas, em que uma mulher expresse verbalmente o seu desejo de não ter filhos que frase como: “você vai mudar de ideia com o tempo”, “eu também pensava assim e hoje amo o meu filho”, “você vai se arrepender quando for mais velha”, “quem vai cuidar de você na velhice?”, “tomara que você tenha vários filhos”, entre outras frases que soam como uma maldição lançada contra aquela pessoa que escolheu não maternar.
Outro ponto importante para se pensar é, para os homens a perspectiva é o total oposto, sempre são considerados novos demais para analisar a possibilidade de paternidade e quando eles se deparam com tal responsabilidade, grande parte a rejeita, não sendo surpreendente os inúmeros casos de abandono paterno, que mesmo sendo muito numerosos, a importância que dão para rejeição de tal comportamento não chega aos pés do mínimo da cobrança que as mulheres recebem. E além dos homens não receberem condenação familiar e social, muitas vezes ainda ouvimos discursos de defesa em relação a sua negligência.
O fato de homens mal participarem das discussões relativas à maternidade (ou mesmo à paternidade) já demonstra que não possui grande peso em suas vidas. Os raros que se apresentam como responsáveis pela maior parte da maternagem dos filhos expõem justamente a diferença na forma como são reconhecidos e tratados pela sociedade em comparação com mulheres que demonstram o mesmo envolvimento na criação dos filhos. Não relatam se sentirem oprimidos, mesmo que suas ações se distingam das de boa parte dos pais ou do que socialmente se espera que um homem faça em relação àqueles que concebe ou adota. (SOUZA, 2019, p. 66).
Quando uma mulher apresenta pensamentos relacionados a não maternidade, esses têm a tendência de incomodar, quando se adota uma postura, e um estilo de vida que não é composto por esses padrões definidos previamente. Em concordância com Rios e Gomes (2009), quando não se decidem pela maternidade, a mulher é vista socialmente com contestação, pois essa atitude vai na direção oposta ao papel social designado a mulher, dessa forma, mulheres que escolhem não ter filhos são classificadas como pessoas egoístas, entre outros atributos negativos, pelo simples fato de não quererem ser mães.
Ainda que seja possível observar que o feminino é rotineiramente rotulado, e designada para diversos papéis ao qual a mulher é “destinada”, ao longo dos anos também é viável apontar que essa formatação vem se alterando por meio de lutas sociais relevantes lideradas por mulheres em busca de equidade e autonomia, principalmente em relação ao próprio corpo, consoante com Araújo (2014), é necessário entender a maternidade enquanto processo natural vivenciado durante a vida de uma mulher, mas não colocar esse fator como parte essencial da identidade feminina, eliminando essa ideia de que é uma parte indispensável que deve ser experienciado por todas as mulheres. A maternidade compulsória estabelece que toda mulher foi criada para ser mãe, tal ideia foi naturalizada e pouco questionada, no livro “O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir afirma que:
(…) Não há nisso nenhum ‘instinto materno’ inato e misterioso. A menina constata que o cuidado das crianças cabe à mãe, é o que lhes ensinam; relatos ouvidos, livros lidos, toda a sua pequena experiência o confirma; encorajam-na a encantar-se com essas riquezas futuras, dão-lhe bonecas para que tais riquezas assumam desde logo um aspecto tangível. Sua ‘vocação’ é imperiosamente ditada a ela”.
Ser mãe deveria ser resultado de uma decisão individual, não uma obrigação coletiva, principalmente quando a maternidade é imposta a todas as mulheres, e é colocada como algo idealizado, e uma função essencial para completar a vida feminina, porém isso é baseada em estereótipos que não levam em conta a subjetividade e individualidade de cada pessoa, além de excluir e ignorar os inúmeros desafios que ter um filho de forma não pensada podem gerar, sustentada por essa pressão social. A maternidade deve ser realocada como um caminho possível para aquelas que querem seguir nessa direção, e as mulheres que seguirem para outros lugares não deveriam ser julgadas, cobradas ou amaldiçoadas por isso, pois a natureza de uma mulher é complexa demais para ser restrita unicamente a ser mãe, para finalizar, é sempre importante ressaltar que, as mulheres deveriam ter suas escolhas respeitadas, optando ou não pela maternidade.
Referências
ARAÚJO, Elisângela Lima. Representações Sociais da Maternidade Por Mulheres Adolescentes. Recife, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/10302. Acesso em: 07/06/2023.
CAPORAL, B. R. et.al. Romantização da maternidade: reflexões sobre gênero. XXII Seminário Institucional de Ensino Pesquisa e Extensão [Anais], 2017. Disponível em: https://home.unicruz.edu.br/seminario/anais/anais-2017.pdf. Acesso em 17/05/2023.
RIOS, M. G.;GOMES, I. C. Casamento contemporâneo: revisão de literatura acerca da opção por não ter filhos. Estudos de Psicologia, v. 26, n. 2, p. 215-225, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/estpsi/a/88yxf5HcJdYKY7DZv6ZmhDf/#. Acesso em: 27/05/2023.
SILVA; Janaina, ARANHA, Maria de Fátima. Pode uma mãe não gostar de ser mãe? as controvérsias acerca do feminino. 1. ed. Curitiba: Appris, 2020.
SOUZA, A.L.F. “Me deixem decidir se quero ou não ser mãe!”: narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade nas mídias sociais. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/14957. Acesso em: 09/06/2023.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Venda Nova: Bertrand, 1976.