Per Aspera ad Astra – As Fronteiras do Espaço na Esteira das Estrelas

“Um sinal, uma porta pro infinito, o irreal
O que não pode ser dito, afinal
Ser um homem em busca de mais, de mais…
Afinal, como estrelas que brilham em paz, em paz.”

(O Silêncio das Estrelas, Lenine)

O arauto do espaço

No dia 12 de setembro de 2013 a sonda espacial Voyager-1 tornou-se o primeiro artefato terrestre criado por seres humanos a ultrapassar as fronteiras do sistema solar, a chamada região interestelar. O equipamento foi lançado em 5 de setembro de 1977 em direção à estrela  AC+79 3888 na constelação de Ophiucus localizada a 1,6 anos-luz da Terra, somando assim mais de 36 anos de uma longa e silenciosa viagem pelos confins do espaço (TEIXEIRA JÚNIOR, 1980).

Mas, muitas sondas são enviadas ao espaço pelo menos desde o período da corrida espacial da segunda metade do século XX, e neste contexto o que torna a Voyager-1 (e posteriormente sua irmã Voyager-2) especiais é a missão que carrega dentro de seus equipamentos. E neste ponto, chegamos a entrada deste breve texto, na expressão latina “per aspera ad astra” que pode ser traduzida como “rumo às estrelas pelas dificuldades” gravada no Golden Record (disco de ouro) da sonda meticulosamente elaborado e coordenado pelo astrofísico, astrobiólogo e escritor Carl Sagan (1934-1996), que possui além desta mensagem em código Morse uma infindável coletânea de imagens (espectro da luz, planetas, feto humano, família, paisagens, cenas do cotidiano humano), músicas (cantos folclóricos, Sinfonia nº5 Beethoven, Johnny B. Good – Chuk Berry, El Cascabel  – Lorenzo Barcelata, etc), sons (vulcão, trovão, pássaros, trem, beijo, sinais vitais), materiais (isótopo de urânio-238 – para calcular a idade do disco, cobre, ouro) e mensagens – estas últimas saudações em 50 idiomas.

A missão da Voyager-1, portanto, foi e ainda é ao longo destes anos registrar imageticamente as paisagens estelares vistas por suas lentes, e, mais que isto, trazer em seu interior a primeira tentativa oficial da sociedade humana de estabelecer contato com quaisquer que fossem outras formas de vida inteligente no universo que por ventura viessem a encontrar o material do disco dourado do pequeno equipamento. E, em se tratando de dimensões espaciais alcançar a região interestelar da periferia do nosso sistema solar seja algo minúsculo se comparado a imensurável grandeza dimensional do já conhecido e muito a ser descoberto espaço sideral.

Figura 2: Localização atual da sonda Voyager-1

Fonte: http://www.nasa.gov/mission_pages/voyager/index.html#.Uj4rK9KkoUA

O Silêncio das estrelas

A especialidade da mensagem da Voyager-1 se pauta em sua função e objetivo de estabelecer ou não a médio ou longo prazo (e entra logicamente a temporalidade estelar) um contato, e daí a importância da preocupação dos seus construtores com as linguagens incutidas na sonda. Perseguir o contato é em suma procurar uma maneira de, pela linguagem, expor algumas das formas pelas quais nos comunicamos, e, a partir disto, estabelecer uma ponte de troca de informações.

E neste sentido, uma especificidade do material presente no disco dourado da sonda é a preocupação com a presença de formas de linguagem que expressam a inteligibilidade da sociedade humana, como equações, músicas com uso de complexos agrupamentos tonais, o conhecimento do nosso endereço intergaláctico (especificando a localização do planeta Terra e arredores), dados biofísicos etc. Deste modo o que se coloca como prioridade é a comunicação, ou ao menos os meios pelos quais tal conversação ou diálogo poderá ser estabelecido ou desenvolvido.

E no veio desta busca pela comunicação o que se atingiu até este momento dos anos 2000, com quase quarenta anos depois do lançamento da sonda em direção aos confins do nosso ainda limitado espaço sideral realmente conhecido, foi um silêncio, profundo e vasto, mas, não em relação à dimensão do universo, mas, sobre a nossa própria pretensão técnica e feérica na concretização dos passos de um empreendimento exploratório ínfimos perante a imensidão estelar além de nossa galáxia.

E assim caminha a humanidade

A exploração por novos horizontes dentro e fora dos limites de nosso sistema solar ou galáxia é uma constante em nossa civilização desde os seus primórdios. O que mudou e continuará em processo de mutação são as maneiras pelas quais tais descobertas, viagens e empreitadas estelares são realizadas nas diferentes épocas e lugares. Pequenas células nucleares garantirão o funcionamento da Voyager-1 por mais 20 ou 30 anos, antes que seus controles se apaguem, no entanto sua função técnica e simbólica estará posta dentro deste percurso histórico do olhar para o céu, e de poder ir ou tocar o que está além das estrelas, apesar das adversidades desta caminhada.

Como diria o geógrafo Milton Santos em sua participação junto ao programa Roda Viva de 1997 em pergunta do jornalista Ulisses Capozzoli sobre a temática da exploração espacial no então esperado século XXI, este afirma que é preciso antes de buscar uma comunicação ou exploração externa, cuidar do que está ao redor, no raio proximal de nossa filiação diária, e aí se inserem em sentido estrito a casa e os entes queridos e no sentido mais amplo possível o planeta Terra, fazendo as diversas vozes deste mundo se encontrarem dentro dos seus próprios limites e além deles.

Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

(Olavo Bilac, Ouvir Estrelas)

Referências:

DAMINELI, Augusto; STEINER, João [Orgs.]. O Fascínio do Universo. São Paulo: Odysseus Editora, 2010.

GLEISER, Marcelo. A dança do universo: dos mitos de criação ao Big Bang. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

NASA. Voyager to the Outer Planets and  Into Interstellar Space. In: < http://www.jpl.nasa.gov/news/fact_sheets/voyager-fact-sheet-091213.pdf> Acesso em 20.09.2013.

TEIXEIRA JÚNIOR, Antonio de Souza. O Encontro da Voyager 1 com Saturno. São Paulo: FUNBEC, 1980.