Poliamor: parece bagunça, mas não é!

Os praticantes do poliamor estão em constante desconstrução e cada dia tentam mostrar para a sociedade como funciona um relacionamento para além de duas pessoas.

O polyamory surgiu nos Estados Unidos (1990), na igreja de Todos os Mundos, no Glossário de Terminologia Relacional. Era visto como o oposto da monogamia, mas não era assunto de grandes discussões. No entanto com a globalização e o advento da internet, a terminologia se espalhou pelo mundo (CARDOSO, 2010). No Brasil, em 2000, blogs sobre o assuntos foram criados, o que expandiu a discussão e se tornou presente o desejo de desenvolver pesquisas a respeito (PILÃO, 2012, 2015).

Pelo fato da possibilidade de várias pessoas estarem em um relacionamento ao mesmo tempo, o poliamor é baseado em relações íntimas. É defendido o sentimento do amor, a atração emocional e sexual independente de gênero, raça ou classe social e cada indivíduo é livre para escolher com quem e onde se relacionar. Uma pessoa pode ter um relacionamento extraconjugal, ou um relacionamento em que todas as partes estejam envolvidas, que é o exemplo do “trisal”, que é um trio de pessoas envolvidas de forma mútua em um romance. O poliamor não significa fazer sexo com todos. No trisal há um contrato entre os três, em que os mesmos se relacionam, havendo uma barreira que impede que os três se envolvam com outras pessoas, seguindo alguns preceitos da monogamia, só que agora em três.

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Navarro (2017) fala sobre alguns mitos do relacionamento amoroso. O primeiro é “poliamoristas estão insatisfeitos”. A autora justifica dizendo que quando alguém, em um relacionamento monogâmico, busca outro alguém para se relacionar sexualmente é natural assumir a falta de algo, mas no poliamor não acontece necessariamente igual. Pode haver uma maior satisfação, já a maior quantidade de parceiros aumenta a probabilidade de satisfazer/suprir maior número de necessidade físicas e/ou psicológicas.

Outro mito é “poliamoristas ainda estão em um relacionamento”, mas poucas pessoas ainda sustentam a ideia de parceiro primário, a maioria que se compromete com este tipo de relação não faz distinção de parceiro primário ou secundário. O terceiro mito é “poliamor é um jeito de evitar compromisso”. Logo, com a prática do poliamor há uma ampliação da maneira de amar e sentir o amor. Tal forma de amar ainda é vista com preconceito, podendo haver uma resistência social, e mesmo dentro da psicanálise, tendo em vista que o amor como entrega às compulsões pode se configurar como uma tentativa de suprimir uma neurose de angústia ou o atroz sentimento de vazio existencial provocando desde a tenra infância, com a ansiedade de separação (NAVARRO, 2017).

Neste sentido, sob o ponto de vista social, Foucault (2007) diz que a vida é reduzida a uma constante vigilância e Bauman afirma que toda sociedade tem um critério de pureza, e aqueles que não se encaixam são vistos como a “sujeira” da sociedade, o que muitas vezes funciona como uma forma de controle de ordem social.  Logo, escolher viver o poliamor em uma sociedade em que os corpos ainda são docilizados ao modelo romântico, patriarcal, heteronormativo e de monogamia compulsória, é preciso estar ciente de que o enfrentamento e desconstrução não é uma tarefa fácil. Os praticantes do poliamor estão em constante desconstrução e cada dia tentam mostrar para a sociedade como funciona um relacionamento para além de duas pessoas. Não existe um formato definido de amor livre. O ponto chave é a liberdade para construir novas relações com normas pessoais (NAVARRO, 2017).

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Ao pesquisar poliamor no Google, aparece aproximadamente 1.850.000 resultados. O aumento de número de procura e adesão a este tipo de relacionamento amplia o debate em diversos âmbitos sociais e na própria clínica psicanalítica, possibilitando uma maior desconstrução, entendimento e respeito aos praticantes:

O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. (Pablo Stolze, 2008, p. 51-61)

O que se faz importante o uso do termo poliamor, visto que o homem é passível de identificação, tal nomeação causa nos adeptos sentimento de pertencimento, em que é presente uma fusão de trocas de experiências, o que facilita a construção social de novas formas de amar.  Visto que o contrato do poliamor é bem parecido com a da monogamia, já que a marca registrada da monogamia é a fidelidade, e da poligamia também, só que com mais de 2 pessoas envolvidas na relação. Mas por não haver assimetria de gênero, pode ser um equívoco comparar o poliamor com a monogamia (KLESSE, 2006; LINS, 2014; PILÃO & GOLDENBERG, 2012).

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Por fim é importante ressaltar a diferença entre poliamor e poligamia. No poliamor, todos os lados da relação podem usufruir da liberdade de ter vários parceiros, já na poligamia há uma prática unilateral, em que apenas uma pessoa da relação tem a liberdade de ter vários parceiros. Na maioria dos casos é um homem, já que esta prática ainda é enraizada no machismo religioso. Um exemplo de praticantes da poligamia são os seguidores do Alcorão, em que um homem, respaldado pela lei, pode ter 4 (quatro) esposas, e deve tratar as mesmas com igualdade e justiça.

Referências

AMORIM, Ana Nascimento de; STENGEL, Marcia. Relações customizadas e o ideário de amor na contemporaneidade. Estudos de Psicologia, [s.i], v. 3, n. 19, p.157-238, set. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v19n3/03.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2018.

ARAUJO, Maria de Fátima. Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 22, n. 2, p. 70-77,  Junho  2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200009&lng=en&nrm=iso>.Acesso em: 04  Nov 2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000200009.

COSTA, Rogério da. Sociedade de controle. São Paulo Perspec.,  São Paulo ,  v. 18, n. 1, p. 161-167,  Mar.  2004 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000100019&lng=en&nrm=iso>.  Acesso em 04  Nov.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392004000100019.

FOUCAULT, 2005. Sexo, Poder e Indivíduo: entrevistas Selecionadas. Desterro: Edições Nefelibata, 2005.

LINS, Regina Navarro. Novas Formas de Amar – Nada vai ser como antes, grandes transformações nos relacionamentos amorosos. 2017: Ed. Planeta do Brasil.

Psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra. Pós-graduanda em Terapia de casal: abordagem psicanalítica (Unyleya). Colaboradora do Portal (En)cena.