Os loucos, doidos, insanos, sandeus, desassisados, dementes ou alienados mentais, assim eram considerados os portadores de transtornos psicológicos no passado, ditas pessoas que não tinham compreensão sobre si e eram incompreensíveis para os outros. (BENKE; SANTOS; MALACARNE, 2019). Assim como na história da histeria, a loucura já passou por diversos tipos de olhares no passado, modos de se enxergar. Ela perpassa através do tempo por períodos imemoriais, sendo abordada e observada socialmente através das lentes da Filosofia, da religião, da Medicina, em que nesta última pode-se subdividir as maneiras em que se enxergava os considerados insanos. (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Afinal, o que é ser considerado um louco? Existiram diferentes concepções do que seria loucura no passado, onde são contextualizadas nas próximas linhas.
A loucura no passado
Os ditos loucos eram tratados de diversas formas dependendo do período em que viviam, as causas da loucura já foram bastante ligadas ao sobrenatural. Uma teoria bastante aceita era de que esse sobrenatural dominasse o corpo da pessoa, a cura da doença seguia pela expulsão do espírito maligno para fora do corpo, e isso consistia em um caminho físico para a saída do espírito. Em tempos antigos, na Idade da Pedra, os achados da arqueologia e antropologia mostram evidências de uma prática chamada trepanação, essa prática consistia em realizar um furo no crânio do sujeito para que os espíritos assim saíssem do seu corpo. (GLEITMAN; FRIDLUND; REISBERG, 2003). Na idade média, eles eram considerados como casos de possessão demoníaca, onde haveria duas possibilidades, a possessão do corpo, tomando o controle dele, e a outra, a alteração das percepções e emoções do indivíduo. (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Se usava de diversas maneiras para retirar ou acalmar o demônio no corpo de alguém, músicas, orações, e até substâncias que induzem o enjôo e vômito. Nos períodos seguintes, os maus tratos com fins de cura consistiam na submersão na água fervente ou água gelada, no espancamento, em deixar o indivíduo sem ter o que comer e a tortura. “Uma das soluções era a de tornar as coisas tão desagradáveis quanto possível ao diabo, para o levar a fugir.” (GLEITMAN; FRIDLUND; REISBERG, 2003). p.1031). Os tratamentos desumanos que recebiam não faziam com que o demônio saísse ou em outras palavras, o indivíduo se curasse. Por conta dos diversos procedimentos que acometiam o dito louco, seu quadro de saúde acabava piorando, além de serem submetidos a outros tipos de torturas, os que eram considerados com alto nível de periculosidade pela sociedade acabavam sendo mortos (GLEITMAN; FRIDLUND; REISBERG, 2003.
Quando se passa o período da Idade Média, os conceitos defendidos por Hipócrates sobre a loucura prevalecem, de que a loucura tem o delírio como marca da insanidade, “sendo as perturbações intelectuais a condição principal para o diagnóstico da loucura”. (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014, p.124). A loucura vai deixando de ser considerada por grande parte da sociedade como algo que provém de causas sobrenaturais e passa a ser objeto de tratamento da Medicina. Isso inaugurou na Medicina a Psiquiatria como especialidade em 1801, com Tratado Médico-Filosófico sobre Alienação Mental. (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014). Após a saída desse universo que abordava a loucura na visão mágica e religiosa, entrou-se em outro universo onde aborda a loucura como um objeto que tinha causas naturais, uma doença. Mas assim como nos períodos anteriores, a sociedade não tinha e não tem um histórico de simpatia com os ditos loucos, na melhor das hipóteses eles eram considerados como um incômodo, e nas piores uma ameaça, e por isso parecia que poderiam estar numa situação melhor se fossem segregados. (GLEITMAN; FRIDLUND; REISBERG, 2003).
Assim os hospitais específicos foram fundados que tinham como objetivo o “tratamento” da “loucura”, eles passaram a ser construídos em toda a Europa, e sua função era segregar os loucos do resto da sociedade, mas não só os loucos, como também “criminosos, vadios, idosos, epilépticos, doentes incuráveis de toda a espécie e os mentalmente transtornados” (GLEITMAN; FRIDLUND; REISBERG, 2003). Como dito anteriormente, os tratamentos não melhoraram com esse modo de olhar a loucura como doença com causas naturais. Os tratamentos eram bastante desumanos, um relato sobre um dos maiores hospitais para mulheres em Paris no século XIII segundo Gleitman, Fridlund, Reisberg (2003, p. 1032 apud FOUCAULT, 1965, p. 72). As mulheres loucas, com ataques de violência, são acorrentadas como cães às portas das celas e isoladas do pessoal e visitantes, por um longo corredor protegido com uma grade de ferro; por esta grade, passa a comida e a palha em que dormem; parte da imundície que as rodeia é limpa por meio de forquilhas.
Neste período, as pessoas achavam que os loucos eram como animais selvagens, por isso deveriam ser enjaulados por serem considerados perigosos. Assim, alguns hospitais começaram a tratar os pacientes como espetáculos de circo. Eles passaram a ser exibidos e haviam pessoas na época dispostas a pagar por uma visita. (GLEITMAN; FRIDLUND; REISBERG, 2003). Portanto, a história por trás da loucura traz relatos onde se pode ver todos os tipos de tratamento que os ditos loucos recebiam, na maioria das vezes desumanos, onde se causava a segregação, a humilhação, a tortura ou a morte.
A loucura e a extinção dos manicômios
Na Europa e EUA, após a segunda guerra, inicia uma perspectiva mais humanista na forma de tratamento da loucura, onde surgem movimentos contrários à forma tradicional de lidar com ela. Os movimentos antipsiquiatria se engrandeciam principalmente na França e na Inglaterra. Já no Brasil, iniciou-se um movimento em 1970, a partir da presença de violência em asilos e condições péssimas de trabalho dentro das clínicas e manicômios. A proposta que a loucura trazia tradicionalmente, fazia com que houvesse uma institucionalização dela, e que fosse somente objeto de estudo da medicina fazendo com que o médico fosse seu guardião. Mas nos anos seguintes, com a reforma caminhando, houve a inserção do psicólogo nas instituições de saúde pública, a desospitalização progressiva, e tratamentos mais humanizados foram ganhando força a partir dos movimentos, em destaque o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. Com a realização do I Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, fica mais evidente a luta antimanicomial e o progresso nas diretrizes para realizar mudanças. Não só o Psicólogo foi inserido nas instituições, mas também terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, pois o tratamento deveria ser multidisciplinar. (FIGUEIRÊDO; DELEVATI; TAVARES, 2014).
Ainda no Brasil, o fim da era manicomial vai ganhando mais força com o passar dos anos. Desenvolve-se um jeito de lidar com loucura em um outro contexto, criando uma maior acessibilidade e atendimento para pessoas que possuem algum transtorno mental severo, e também para que tenham condições de ter uma vida melhor. Logo, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) foram criados para dar um outro tipo de tratamento a essas pessoas. Com o primeiro CAPS inaugurado em 1987 e o NAPS em 1989, as instituições de atenção rompem com a maneira tradicional que entendia o sofrimento psíquico perante as doenças mentais, e traz uma atenção maior ao sofrimento psicológico do sujeito, com enfoque no indivíduo (SURJUS; CAMPOS, 2011).
Os portadores de doenças mentais já sofreram bastante no passado, alvos de humilhações, da segregação e morte, todos esses acontecimentos decorrem da maneira como a loucura era conceitualizada. Os tratamentos selvagens que recebiam tanto pela visão religiosa e mágica como também pelas instituições de tratamento da loucura faziam com que a saúde dos portadores fossem afetadas de maneira mais grave, não ocasionando em uma melhora. Com movimentos realizados nos EUA, Europa e Brasil tentando trazer essa visão mais humana, cria-se no Brasil instituições de atenção voltadas à saúde mental com o progresso da extinção dos manicômios. Tudo isso ocorre em um enorme espaço de tempo.
Portanto, com o fim da era manicomial há um início da desconstrução da imagem dos portadores de transtornos mentais, desconstrução dos tratamentos e um novo conceito de atenção à saúde mental é criado, trazendo mais humanidade e maior qualidade de vida, pois o louco também é humano.
“Por uma sociedade sem manicômios”.
REFERÊNCIAS
GLEITMAN, H.; FRIDLUND, A. J.; REISBERG, D. Psicologia. 6º ed. Lisboa, 2003.
BENKE, B. C.; SANTOS, E. S.; MALACARNE, V. I-moral ou (ir) racional: uma visão da ciência do normal ou patológico. Diaphonía, 2019, v. 5, n.1. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/diaphonia/article/view/22783. Acesso em: 08 Jul. 2021.
FIGUEIRÊDO, M. L. R.; DELEVATI, D. M.; TAVARES, M. G. Entre Loucos e Manicômios: História da Loucura e a Reforma Psiquiátrica no Brasil. Maceió, 2014. v. 2 – n.2 – p. 121-136. Nov. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/fitshumanas/article/view/1797. Acesso em: 08 jul. 2021.
LIMA, L. T.; CAMPOS, Silva S. R. O. A avaliação dos usuários sobre os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Campinas, SP. Campinas, 2007. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 14, n. 1, p. 122-133, março 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rlpf/a/JpZJRGK7JZJJFmYHQWsfqvq/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 18 jul. 2021.