Cultura é todo aquele complexo que inclui o conhecimento, os objetos de arte, as crenças, as regras sociais, os costumes, os tipos de relações interpessoais, os instrumentos e todos os hábitos e habilidades adquiridos pelo ser humano através das instituições do qual faz parte. Assim também podendo ser definida como um conjunto de ideias e práticas sociais. Além disso, estudar cultura é dar ênfase às atividades, aos objetos e aos símbolos compartilhados.
O termo citado acima é alvo de crítica e questionamento pela falta de contribuição da sociedade contemporânea para um avanço cultural pós-modernista. O ensaio “A civilização do espetáculo” de Vargas Llosa traz reflexões sérias sobre qual o caminho que a cultura está traçando atualmente.
A cultura, na contemporaneidade, perdeu o seu significado tradicional, está vazia de conteúdo e foi substituída por outro sentido. Para entender o conceito de cultura, Mario Vargas Llosa (2013) baseia-se em alguns ensaios que debateram sobre o tema. Apesar de terem perspectivas distintas, os autores concordam que a cultura está passando por uma profunda crise e entrou em decadência.
Segundo o modelo de T. S. Eliot, em 1948, a cultura está estruturada em três instâncias: indivíduo, grupo ou elite e sociedade em seu conjunto, na qual cada uma mantém certa autonomia e está em conflito com as outras, dentro de um contexto social coeso. Além disso, ele afirma que a alta cultura é patrimônio de uma elite e que deve ser assim. No entanto, a elite não deve ser vista como classe privilegiada ou aristocrática, em sua totalidade. Cada classe possui a cultura que produz e que lhe convém, havendo discrepâncias relacionadas à condição econômica de cada uma (LLOSA, 2013).
Ainda segundo o autor, a ideia sobre a transmissão da cultura à totalidade da sociedade, através da educação, está destruindo a “alta cultura”, pois o único modo de alcançar a democratização universal da cultura é deixando-a pobre e superficial. É necessário que na sociedade, haja culturas regionais que alimentem a cultura nacional, fazendo parte dela, mantendo sua própria característica e desfrutando de certa independência.
A cultura é transmitida através da família, e logo após, a principal transmissora foi a Igreja. É importante ressaltar que cultura é diferente de conhecimento. Segundo Llosa (2013, p. 10), a primeira refere-se a “[…] uma propensão do espírito, uma sensibilidade e um cultivo da forma, que dá sentido e orientação aos conhecimentos”. Já o segundo, tem relação com uma evolução da técnica e das ciências.
É necessário lembrar que cultura e religião denotam significados distintos, porém a cultura nasceu dentro da religião, mesmo que a evolução histórica tenha se distanciado dela. T. S. Eliot, ao abordar sobre religião, refere-se ao cristianismo, que fez da Europa o que ela é. Além disso, a ideia de sociedade e de cultura remete a estrutura do céu, do purgatório e do inferno na Commedia de Dante, sendo que quem castiga o mal e premia o bem é a divindade, através de uma ordem intocável (LLOSA, 2013).
Após vinte anos dos escritos de Eliot, George Steiner, em 1971, trouxe algumas notas para a redefinição da cultura. Para ele, a religião mantém um estreito laço com a cultura, mas pouca dependência em relação à “disciplina cristã”. A vontade que objetiva a arte e o pensamento profundo nasce de “uma aspiração à transcendência, é uma aposta em transcender” (STEINER apud. LLOSA, 2013, p. 12). É esse o caráter religioso de toda cultura.
Ao falar sobre a cultura pós-moderna em seu ensaio, Steiner afirma que o homem culto precisa de um conhecimento básico de matemática e ciências naturais para poder entender as conquistas que a ciência realizou e que continua realizando em outros campos do saber. Além de suas aplicações que são surpreendentes quanto às criações da literatura (LLOSA, 2013). Além disso, “pode ser que a cultura já não seja possível em nossa época, mas não será por essa razão, pois a ideia de cultura nunca significou quantidade de conhecimentos, e sim qualidade e sensibilidade” (LLOSA, 2013, p. 14).
Um dos fatores que Llosa aponta como causadores da falta de qualidade e sensibilidade é o consumo excessivo de bens industriais, que leva a fabricação de produtos que muitas vezes não são necessários, mas que como a moda e a mídia colocam como algo importante, as pessoas adquirem e tentam de todas as formas se adequarem a esses padrões, a esse fenômeno dá-se o nome de “reificação”. Tal fenômeno gera nas pessoas um distanciamento do outro, tornando-as vazias, sem preocupações com as relações sociais ou com qualquer outra forma de relação de caráter coletivo, fazendo com que vivam cada vez mais isoladas, levado-as a não conhecer o outro.
Ainda segundo o autor, o surgimento de uma cultura global seria uma aproximação dos continentes, fazendo com que crenças e valores culturais dos diversos países sejam levados em conta. A criação dessa cultura seria um artifício usado para uma venda de produtos em massa, para que o mesmo produto seja usado pelo maior número de pessoas, mesmo que essas pessoas sejam de países, de culturas e formas de viver distintas. Um exemplo usado pelo autor é o dos filmes, que são lançados em todo o mundo, atingindo todas as classes sociais, sem ter como pré-exigência uma formação intelectual elevada, fazendo com que qualquer pessoa consiga assistir. Llosa (2013, p. 16) diz que “não só a informação rompeu todas as barreiras e ficou ao alcance de todo o mundo, como também praticamente todos os setores da comunicação, da arte, da política, do esporte, da religião etc., sofreram os efeitos transformadores da telinha.” Isso mostra como essa cultura de massas influência em todas as áreas de uma sociedade.
Uma das coisas que o autor mostra através no decorrer do texto são as consequências negativas dessa cultura-mundo, e como essa cultura condiciona as pessoas a viverem de forma submissa a esses padrões criados. “A cultura-mundo, em vez de promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o de lucidez e livre-arbítrio, fazendo-o reagir à “cultura” dominante de maneira condicionada e gregária, como os cães de Pavlov à campainha que anuncia a comida” (LLOSA 2013, p. 16).
O autor frisa as diferenças culturais do passado para as diferenças dos dias atuais, que ele denomina “entretenimento”. Ele mostra que no passado as obras eram criadas para atravessar gerações, e serem apreciadas por diversas pessoas em vários momentos da história, enquanto as atuais são criadas para serem apreciadas momentaneamente, para suprir necessidades imediatas, e que serão substituídas por outras obras diferentes, de grande sucesso, e da mesma forma como a antecessora ela será substituída por outra obra, e esse processo será contínuo, porque a cultura tem sido vista como entretenimento. O autor deixa claro como a ideia de cultura tem sido vista, quando ele diz: “Cultura é diversão, e o que não é divertido não é cultura” (LLOSA, 2013, p. 17).
Ele também mostra que no decorrer do seu livro a forma como a cultura tem sido transformada, deu lugar a uma nova cultura, cheia de produtos que se fizerem sucesso são vistos como bons, e que o único valor existente neles é o conferido pelo mercado.
Vargas Llosa e a cultura
A cultura está vinculada ao momento pós-moderno e globalizado. Desse modo, Gonçalves (2015) ao falar sobre a obra A civilização do espetáculo, diz que, o termo cultura, envolve conhecimentos preconcebidos pelo homem ao longo da história, através da crítica à sociedade do espetáculo. Além disso, o desenvolvimento cultural de uma população é mostrado pela civilização e pelas transformações que ocorrem nas relações sociais, nas técnicas manipuladas, nos fatores econômicos e na criação artística. Sendo assim, de acordo o autor, essa evolução culminou em uma civilização efêmera.
Ainda segundo o autor, essa civilização efêmera “pouco contribui para o avanço intelectual, sociocultural e econômico, interferindo sobremaneira na identidade cultural das sociedades modernas” (p. 561). É importante enfatizar que as civilizações transmitem culturas, que podem ser complexas, por meio de instituições como a família, escola, Igreja, Estado e grupo no qual se faz parte (GONÇALVES, 2015). Caso não cumpram esse papel de maneira efetiva, pode haver uma deterioração da cultura e a civilidade de um povo, prejudicada.
Para Llosa, sua obra está envolvida pela cultura, sendo uma realidade autônoma que é moldada por valores éticos e estéticos, ideias, arte e literatura. Além disso, todas influenciam a vida social. O autor também fala que a cultura e o processo de civilização também são formados pelas redes sociais, internet, televisão, cinema e jornalismo sensacionalista, alcançando todas as classes sociais de forma acessível e sem o requerimento de formação intelectual (GONÇALVES, 2015).
A autora ressalta com embasamento no livro Civilização do espetáculo, que a cultura deveria assumir o vazio deixado pelas outras áreas do conhecimento. E não é isso que tem ocorrido, de acordo com Llosa. Segundo ela, os avanços tecnológicos estão fazendo com que a cultura vise o entretenimento, sem se importar com a crítica, levando à superficialidade. Esses avanços deveriam contribuir para o aprimoramento da própria sociedade, exigindo dos seus membros um aperfeiçoamento maior, pois tudo está à disposição de todos, isto é, as informações estão à disposição de todas as pessoas. Dessa forma, ela conseguiria realmente ser uma sociedade do espetáculo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo permitiu obter um panorama de como a cultura perdeu o seu significado tradicional e para entender isso diferentes autores opinaram a respeito. Pode-se notar que a cultura é vista como patrimônio de uma elite e que cada classe possui a sua, havendo diferenças em relação à condição econômica. Além disso, ela também se refere a uma propensão de espírito, uma sensibilidade e um cultivo.
É percebido que a cultura e religião possuem significados diferentes, mas que ela nasceu dentro da religião. A cultura pouco depende da disciplina cristã, no sentido em que ela aspira à transcendência. Ela também não significa quantidade de conhecimentos, mas sim qualidade e sensibilidade. No entanto, o consumo excessivo faz com que as pessoas tentem adequar-se a esses padrões – fenômeno da “reificação”. Esse fenômeno gera um distanciamento entre as pessoas, deixando-as vazias e sem preocupações com relações de caráter social e coletivo.
É notado que o surgimento de uma cultura global vem para aproximar os continentes com o intuito de vender produtos em massa para diferentes pessoas do mundo com seus próprios estilos de vida e cultura. Além disso, o viés negativo dessa cultura-mundo priva o indivíduo de lucidez e livre-arbítrio, condicionando o indivíduo a reagir à “cultura” dominante.
Verificou-se também que a cultura e o processo de civilização são formados pelos valores éticos, arte, literatura, redes sociais, internet, televisão, cinema, jornalismo sensacionalista e outros. Dessa forma, as classes sociais podem ter acesso à cultura sem precisar de qualquer formação intelectual. Além disso, os avanços tecnológicos fazem com que a cultura vise o entretenimento, tornando-a muito superficial. Por isso, esses avanços deveriam colaborar para o desenvolvimento da própria sociedade, pois assim conseguiria ser uma sociedade do espetáculo.
Em suma, o ensaio de Mario Vargas Llosa se contrapõe a respeito da ideia de banalizar a arte, a literatura, a política e o jornalismo. Através de uma visão dura e detalhista, o autor faz uma análise da contemporaneidade e da degradação que ela vem causando para cultura, tornando-se assim, um tema crítico e de grande relevância para as esferas acadêmicas.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Andreia Santos. Vargas Llosa e a cultura. Revista sociedade e estado, volume 30, número 2, p. 561-564, maio/agosto, 2015.
LLOSA, Mario Vargas. A civilização do espetáculo. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. Livro em PDF.