Psicologia Social e sua Trajetória Histórica

A nomenclatura Psicologia Social foi utilizada pela primeira vez em 1908, quando os limites entre a sociologia e a psicologia ainda não eram muito claros. Os autores eram pensadores oriundos de vários campos do saber, como: filosofia, antropologia, biologia, entre outros. Naquela época o papel profissional do psicólogo social ainda não havia sido instituído, neste contexto, merecem destaque os estudos de Darwin e Spencer na Inglaterra, Wundt na Alemanha e Durkheim, Tarde e Le Bon na França (FERREIRA, 2011).

A teoria da evolução de Charles Darwin foi e é considerada uma das mais poderosas e populares inovações, tendo exercido também grande influência sobre a psicologia. A partir desse momento, o ser humano constitui‑se como o produto final de um processo evolucionista que envolveu todos os organismos vivos, aparece como animal social que desenvolveu maior capacidade de se adaptar física, social e mentalmente às mudanças ambientais e sociais (FERREIRA, 2011).

 

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Consequentemente, Herbert Spencer, fundamentando‑se na teoria da seleção natural, converte‑se em um dos principais líderes do movimento conhecido como darwinismo social, sendo dele a expressão “sobrevivência do mais adaptado” (grifo autora). No livro Princípios de psicologia, publicado em 1870, ele aplica as ideias de Darwin sobre o desenvolvimento da espécie humana ao desenvolvimento de grupos, sociedades e culturas, enfatizando a existência de uma continuidade entre ambos. (FERREIRA, 2011).

A autora evidencia que seu principal argumento era o de que as nações e os grupos étnicos podiam ser classificados na escala evolucionista de acordo com o seu grau de desenvolvimento, organização, poder e capacidade de adaptação, neste sentido os povos mais civilizados e avançados em termos culturais eram hierarquicamente superiores aos povos mais atrasados no que tange à escala evolucionista.

Wilhelm Wundt inicialmente defendia que a psicologia científica deveria ser vista como uma ciência natural que se ocupava do estudo da mente, principalmente dos processos mentais básicos como: sensação, imagem e sentimentos. Para Wundt, esse tipo de investigação deveria ser conduzido por meio da introspecção, ou seja, mediante a auto‑observação rigorosa e controlada do modo pelo qual esses fenômenos ocorriam (FERREIRA, 2011).

A autora evidencia que em virtude dessas preocupações, Wundt criou em 1879, na cidade de Leipizig, o primeiro laboratório de psicologia do mundo, tendo ali realizado uma série de experimentos com o objetivo de estudar os processos mentais básicos, além de ter fundado o primeiro periódico de psicologia experimental. Tais ações levaram‑no a ser considerado também o fundador da psicologia experimental.

 

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Com o passar do tempo, porém, Wundt sentiu necessidade de estudar os processos mentais mais complexos ou superiores, como a memória e o pensamento, tendo constatado que o método experimental não era adequado a tal estudo. Assim, propôs uma distinção entre a psicologia experimental, responsável pelo estudo dos processos mentais básicos, e a Völkerpsychologie (psicologia dos povos), dedicada ao estudo dos processos mentais superiores por meio do método histórico‑comparativo. Com isso, ele estabelece uma clara distinção entre os fenômenos psicológicos mais externos, que estariam na periferia da mente, e os fenômenos mais profundos, que constituiriam a mente propriamente dita (FERREIRA, 2011).

Entre os precursores da psicologia social na França encontram‑se Durkheim, Tarde e Le Bon. Emile Durkheim é considerado um dos fundadores da sociologia, tendo publicado várias obras nas quais aborda a evolução da sociedade, os métodos da sociologia e a vida religiosa. Desenvolveu o conceito de representações coletivas que exerceu significativa influência sobre a psicologia social europeia (FERREIRA, 2011).

A autora evidencia que para ele, as representações coletivas, como a religião, os mitos, e outras representações, constituem‑se em um fenômeno ao nível da sociedade e distinto das representações individuais, que estão no nível do indivíduo. Nesse sentido, formula que os sentimentos privados só se tornam sociais quando extrapolam os indivíduos e associam‑se, formando uma combinação que se perpetua no tempo, transformando‑se na representação de toda uma sociedade.

 

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A psicologia social começa a adquirir o status de uma disciplina independente no início do século XX, duas obras publicadas no ano de 1908, marcaram a fundação oficial da psicologia social moderna: Uma introdução à psicologia social, de William McDougall; e Psicologia social de Edward Ross (FERREIRA, 2011).

A autora ainda descreve outro expoente, Edward Ross sociólogo norte‑americano que, influenciado pelas obras de Tarde e de Le Bon, caracterizou a psicologia social como o estudo das uniformidades de pensamentos, crenças e ações decorrentes da interação entre os seres humanos. Segundo Ross, os fenômenos subjacentes a essa uniformidade são a imitação, a sugestão e o contágio, o que explicaria a rápida uniformidade verificada entre as emoções e as crenças das multidões.

Os Estados Unidos foi o principal berço para a ascensão do behaviorismo, segundo o qual uma psicologia verdadeiramente científica deveria estudar e explicar apenas o comportamento humano observável, sem considerar construtos mentais não observáveis, como a mente, a cognição e os sentimentos. Neste sentido, os psicólogos sociais progressivamente abandonam as explicações do comportamento social em termos de instintos, passando a adotar uma psicologia social eminentemente experimental e focada no indivíduo. (FERREIRA, 2011)

A divisão entre uma psicologia social psicológica e sociológica aprofunda‑se na medida em que a psicologia passa a ser vista muito mais como uma ciência natural do que como uma ciência social, conforme Ferreira (2011) cita Pepitone (1986). Cabe mencionar que o primeiro experimento em psicologia social ocorreu ainda no século XIX, tendo sido conduzido por Tripplett em 1897 (FERREIRA, 2011).

Também surge no contexto norte americano e europeu a psicologia social sociológica, cuja principal vertente era o interacionismo simbólico e que tem, nas figuras de Charles Cooley e George Mead seus precursores, sendo que Cooley era sociólogo influenciado pelos saberes de Spencer, defendido uma concepção evolucionista da mente e da sociedade (FERREIRA, 2011).

Eu refletido no espelho, foi a expressão utilizada por Cooley, para explicar a formação da identidade e designar o fato de que tal formação está eminentemente associada ao modo pelo qual a pessoa imagina que aparece diante das outras pessoas, assim como ao modo pelo qual ela imagina que as outras pessoas reagem a ela e aos sentimentos daí decorrentes, que podem ser de orgulho ou de decepção. Para Cooley, o desenvolvimento da identidade ocorre no contexto da interação com os outros e por meio do uso da linguagem e da comunicação (FERREIRA, 2011).

 

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Essas formulações serviram de base para influenciar Mead, que também adotou a expressão “eu refletido no espelho” ao discorrer sobre a identidade. Sendo que a linguagem desempenha um papel fundamental no pensamento de Mead, a ponto de ele considerar o ato comunicativo como a unidade básica de análise da psicologia social, afirmava que linguagem era um fenômeno inerentemente social e, consequentemente, as atitudes e os gestos só adquirem significado por meio da interação simbólica (FERREIRA, 2011 p 23).

A psicologia social europeia veio crescendo progressivamente em tamanho e influência principalmente a partir da década de 70; ela inicialmente caminhou próximo com a psicologia social psicológica, até que começou a adquirir sua própria identidade e a demonstrar maior preocupação com a estrutura social.

Nesse sentido, Ferreira (2011 p 25) apud Graumann (1996) afirma que os temas de estudo mais frequentes entre os psicólogos sociais europeus são as relações intergrupais, a identidade social e a influência social, que remetem a uma psicologia dos grupos. Entre os principais representantes dessa moderna psicologia social europeia, destacam‑se Henri Tajfel e Serge Moscovici.

Tajfel (1981) procurou enfatizar a dimensão social do comportamento individual e grupal, postulando que o indivíduo é moldado pela sociedade e pela cultura. Apoiando‑se em tal perspectiva, desenvolveu a teoria da “identidade social” (grifo nosso), onde defende que as relações intergrupais estão intimamente relacionadas a processos de identificação grupal e de comparação social (FERREIRA, 2011 p 25).

Moscovici (1976), segundo a autora, desenvolve os estudos sobre “influência social”, introduz o conceito de “influência das minorias”, tendo realizado investigações com o intuito de averiguar a inovação e a mudança social introduzida por essas minorias. Ferreira (2011 p 25) evidencia que outro campo de estudos a que Moscovici (1981) se dedicou, as “representações sociais”, derivado do conceito de representações coletivas de Durkheim e caracterizado como modos de compreensão da realidade caracterizando‑se hoje como uma das principais tendências da psicologia social europeia.

Muitos psicólogos sociais latino americanos iniciam um forte movimento de questionamento à psicologia social psicológica norte americana no final da década de 70, marcada pelo experimentalismo. Empurrados de certa forma pelos regimes militares e pela grande desigualdade social do continente, esses psicólogos sociais defendiam uma ruptura radical com a psicologia social tradicional (FERREIRA, 2011).

Passaram a praticar o que na época até nossos dias foi denominado de psicologia social crítica, conforme Ferreira, (2011 p 26) apud Álvaro e Garrido (2007) ou psicologia social histórico crítica Mancebo e Jacó‑Vilela (2004) referenciado pela autora. Expressões que abarcam diferentes posturas teóricas, como, por exemplo, o sócio construcionismo (Gergen, 1997), a análise do discurso (Potter e Wetherell, 1987), a psicologia marxista, entre outras.

A psicologia social crítica, caracterizava‑se por romper com o modelo neopositivista de ciência e, em consequência, com suas posições sobre a necessidade de o conhecimento científico apoiar‑se na verificação empírica de relações causais entre fenômenos. Em contraposição a tese modelo, defendia o caráter relacional da linguagem e a importância das práticas discursivas para a compreensão da vida social. (FERREIRA, 2011)

 

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Os psicólogos sociais brasileiros também participam ativamente do movimento de ruptura com a psicologia social tradicional ocorrido na América Latina. Assim, a partir da publicação, em 1984, do livro organizado por Silvia Lane e Vanderley Codo, intitulado Psicologia social: o homem em movimento, Ferreira (2011) afirma que surgiram vários outros estudos brasileiros de psicologia social com Campos e Guareschi (2000); Jacques et al. (1998); Lane e Sawaia (1994); Mancebo e Jacó‑Vilela (2004) na perspectiva da psicologia crítica.

Para encerrar esta síntese de capítulo, fica o registro da fundação em 1980, da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), estabelecida com o propósito de redefinir o campo da psicologia social e contribuir para a construção de um referencial teórico orientado pela concepção de que o ser humano constitui‑se em um produto histórico social, de que indivíduo e sociedade implicam‑se mutuamente.

Referência:

FERREIRA, M.C. Breve História da Moderna Psicologia Social. IN: TORRES, C. V e Outros. Psicologia Social: Principais Temas e Vertentes, ARTMED, São Paulo: 2011.