Raça e desigualdade: a base injusta que alimenta o capitalismo no Brasil

O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)

Ao se falar de desigualdade no Brasil, o retrato é muito claro, o grupo do 1% mais rico do Brasil tem um rendimento médio mensal 39,2 vezes maior que os 40% com os menores rendimentos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (MOURA, Agência brasil 2024).

O rendimento médio mensal real domiciliar per capita — ou seja, a renda média de um domicílio dividida pelas pessoas que lá habitam — do 1% mais rico foi de R$ 20.664,00 (vinte mil seiscentos e sessenta e quatro reais) em 2023, um aumento de 13,2% em relação ao valor observado em 2022, qual seja, R$ 18.257 (dezoito mil duzentos e cinquenta e sete reais). Enquanto isso, o rendimento médio mensal dos 40% mais pobres foi de, em média, R$ 527,00 (quinhentos e vinte e sete reais) no ano passado, o que representa uma alta de 12,6% em relação ao número registrado em 2022, qual seja, R$ 468,00 (quatrocentos e sessenta e oito reais). (Miato, G1 2024)

Logo, tem-se que a renda média do grupo mais rico cresceu mais em um ano do que a dos 40% mais pobres. Não bastando, o crescimento da renda daquele grupo foi ainda maior que a média nacional, veja: 

O rendimento médio no Brasil subiu 11,5% entre 2022 e 2023, passando de R$1.658 para R$1.848, maior valor da série histórica da pesquisa. E entre o 1% mais rico: R$ 20.664, uma alta de 13,2% em relação aos R$ 18.257 de 2022;” (Os dados fazem parte de uma edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado pelo instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022).(Miato, G1 2024)

Analisando detidamente os dados acima explanados, questiona-se: sobre qual pele recaem os efeitos de tamanha desigualdade? Quais grupos levam nas costas o peso dessa disparidade? E, principalmente, como se dá a perpetuação de um sistema tão desigual? De onde vem tanto para uns e tão pouco, ou nada, para outros?

É claro que, ao se falar de desigualdade, o processo de acumulação de riquezas da população abastarda vem de uma herança escravocrata, “a herança da escravidão se expressa nas instituições e nos lugares ocupados pelos brancos. Um período de exploração, tanto dos recursos quanto das pessoas” (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022)

Ao ver como essas riquezas foram sendo acumuladas, tem-se o retrato do hoje e de como é penalizada a população hipossuficiente, em um sistema convenientemente estabelecido e mantido pela desigualdade, são homens e mulheres negras, são pessoas à margem da sociedade que carregam o peso do sistema capitalista, que sobrevivem com o mínimo, já dizia sabidamente Cida bento (Entrevista com CIDA, Bento, por RUPP, Isadora. NEXO, 2022):

uma sociedade que se alimenta do lucro e do preconceito de raça vendido como liberalismo meritocrático. O capitalismo se desenvolveu a partir da utilização de raça e sexo como critérios de segmentos que foram mais explorados, ganharam menos ou ficaram ausentes (Bento, 2022, p.). 

É notório que a história do nosso país (Brasil) carrega uma dívida para com a população negra, que sistemas de cotas e incentivos do governo tidos como mecanismo reparadores dessa história, se tornam frágeis tapa buracos, pois foram quase 400 (quatrocentos) anos de escravidão em um país com pouco mais que 500 (quinhentos) anos:

“Por 388 anos o Brasil teve sua economia ligada ao trabalho escravo: extração de ouro e pedras preciosas, cana-de-açúcar, criação de gado e plantação de café. A mão de obra escrava era a força motriz dessas atividades econômicas. E os fazendeiros tornaram-se o grande sustentáculo econômico do regime imperial.”(PENNA, Senado notícias, 2019); 

Se você questionar onde se concentra a maior parte da população negra, qual a renda, mercado de trabalho disponível, cargos ocupados e funções desempenhadas, quais serão? Tem-se aqui como resposta o pior recorte social possível, são subalternizados, marginalizados, explorados. Esquecidos à mercê de um sistema que não os enxerga. Gente que necessita! Que a fome é a realidade diária, que falta recurso, onde sequer as necessidades básicas são supridas, que falta dignidade à pessoa humana e, é por meio desse necessitar, que são mantidos nesses espaços subalternos, cativos não só em sentido figurado, mas infelizmente no terror literal da palavra.

A partir do sistema capitalista, onde se tornam escravos remunerados por “trocados” que mal suprem as míseras necessidades, de onde estão tão imersos que não se tem tempo para pensar ou questionar, quiçá modificar tais estruturas, sem grandes chances de ascenderem, pois as portas abertas são mínimas, as oportunidades de crescimento escassas e longe dessa realidade, regadas pelo dissimulado mito da democracia, mito esse que impede a consciência objetiva do racismo e o conhecimento direto de suas práticas concretas. O mito da democracia racial se baseia na crença historicamente construída sobre a miscigenação, mas Gonzales (2018, p.110) advertia que “Na verdade, o grande contingente de brasileiros mestiços resultou de estupro, de violentação, de manipulação sexual da escrava etc.”

O que convenientemente, ou melhor, dizendo, absurdamente coloca o negro como responsável por seu estado de pobreza e vulnerabilidade uma vez que vivemos em “uma democracia racial”. Mas a realidade é que o racismo é uma articulação ideológica para a manutenção do equilíbrio do sistema como um todo, ele é um dos critérios de maior importância, sua exploração ou superexploração traz benefícios diretos e indiretos à população, ou seja, a discriminação não passa de um instrumento do capitalismo, que acomoda a estrutura social sem pretensão de mudança.

Concluindo-se que a fome e a desigualdade são necessárias para manutenção do sistema capitalista, para o sistema de dominação, e tristemente aderido por todo território brasileiro, cujos índices de subempregos em determinados setores são estratosféricos, de empresas que terceirizam serviços para continuarem a se beneficiar da força de trabalho barata, sendo que o seu quadro de funcionários é majoritariamente composto por negros, com baixo custo por empregado, rendendo alto lucro e uma força de trabalho descartável.Por fim, urge a necessidade de pensar em novas formas de existir, é necessário desmistificar manipulações discursivas a respeito de questões raciais, é preciso pensar os dividendos da herança escravocrata, contar a verdadeira história do país, modificar as profundas estruturas, repensar as academias e áreas do conhecimento que são usadas na perpetuação do sistema e, só assim, talvez, se balance a estrutura podre desse sistema.

 

Referências:

MIATO, Bruna: Desigualdade no Brasil: rendimento mensal do 1% mais rico é 40 vezes maior que dos 40% mais pobres.G1 Economia,2024. Disponível em:https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/04/19/desigualdade-no-brasil-rendimento-mensal-do-1percent-mais-rico-e-40-vezes-maior-que-dos-40percent-mais-pobres.ghtml. Acesso em 19 de Maio de 2024;

MOURA, Bruno Freitas: A renda dos 10% mais ricos é 14,4 vezes superior à dos 40% mais pobres. Agência Brasil, 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-04/renda-dos-10-mais-ricos-e-144-vezes-superior-dos-40-mais-pobres .Acesso em 20 de Maio de 2024;

MAEDA, Patrícia: O racismo brasileiro na obra de Lélia Gonzalez:CartaCapital,2020.Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/sororidade-em-pauta/o-racismo-brasileiro-na-obra-de-lelia-gonzalez/ .Acesso no dia 20 de Maio de 2024;

PENNA, Carlos. Há quase 131 anos senadores aprovaram o fim do racismo no Brasil. Senado notícias, 2019. Disponível em : https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/13/ha-131-anos-senadores-aprovavam-o-fim-da-escravidao-no-brasil#:~:text=Por%20388%20anos%20o%20Brasil,sustent%C3%A1culo%20econ%C3%B4mico%20do%20regime%20imperial. Acesso em 2024.

RUPP, Isadora: ‘A herança escravocrata trava o avanço do Brasil’.NEXO,2022.Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2022/03/25/a-heranca-escravocrata-trava-o-avanco-do-brasil. em 20 de maio de 2024;