“De vários modos, continuamos a experimentar, no século XXI, um racismo muito mais perigoso do que o racismo institucional do passado. Trata-se de um racismo que está arraigado nas estruturas” (Angela Davis).
O racismo e tudo que ele engloba vem ocorrendo durante vários séculos e apesar de muitas informações e combate à essa violência, ainda perduram os mais diversos comportamentos racistas. O racismo envolve consequências que muitos indivíduos carregam, muitas delas fatais, por isso a importância em continuar debatendo e discutindo esse assunto. Compõe uma estrutura social, o que reforça que a sociedade necessita de mudança, podendo ser a tomada de posturas diferentes e adoção de práticas antirracistas.
Almeida (2019) explica a diferença entre os conceitos de preconceito, racismo e discriminação, sendo que o preconceito é o resultado de um modo de captar o imaginário social, é uma ideia preestabelecida a respeito do comportamento de pessoas por conta da raça ou por conta de algum tipo de característica própria de seu pertencimento social. A discriminação racial, como uma atribuição de tratamento diferenciado a pessoas racialmente identificadas. E o racismo como uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como motivo e que se manifesta através de práticas conscientes e inconscientes, provocando desvantagens ou privilégios para indivíduos a partir da raça ao qual pertençam.
Além desses conceitos, há o de injúria racial, essa cometida por meio de palavras depreciativas referentes a raça ou cor direcionadas a uma vítima, recentemente o STF equiparou a injúria racial ao crime de racismo, sendo assim entende-se que injúria racial é uma categoria do crime de racismo (CONJUR, 2021).
Conceitualmente o racismo tem diversas formas de manifestação, podendo ser classificado em racismo individual, institucional ou estrutural. O racismo individual decorre de indivíduos ou grupos isolados que praticam esse ato contra outro indivíduo ou grupo. É de manifestação comportamental de caráter individual, ou seja, sob essa perspectiva, o indivíduo é racista e não a sociedade ou instituições (ALMEIDA, 2019; LIMA et al., 2019).
Já na concepção institucional, o racismo decorre a partir dos funcionamentos de instituições, que adotam, ainda que de forma indireta, desvantagens e privilégios com base na raça. As instituições têm o poder de orientar e moldar comportamentos, tanto em decisões racionais quanto em sentimentos e preferências. Dessa forma, pode-se falar em racismo institucional, quando os conflitos raciais integram as instituições (ALMEIDA, 2019).
Para Almeida (2019), o racismo é sempre estrutural, ou seja, está enraizado na sociedade e é uma manifestação normal, não no sentido de ser algo aceito pela sociedade, mas no sentido de retirar a ideia de que seja um fenômeno patológico ou anormal. As expressões de racismo estão presentes diariamente, tanto nas dinâmicas interpessoais, quanto nas instituições e são decorrentes de uma sociedade onde o racismo é uma regra e não uma exceção.
O racismo não é assunto para ser tratado apenas em ambiente composto por pessoas negras, afinal é preciso desenvolver o exercício de se voltar o olhar para quem se beneficia dele, os brancos, como diz Grada Kilomba, em uma entrevista que ela concedeu a Carta Capital, em 2016: “O racismo é uma problemática branca, portanto temos que começar pela desmistificação”.
Ribeiro (2019), Carone e Bento (2003) reforçam a importância de discutir sobre a branquitude, o termo remete a uma posição marcada por vantagens simbólicas, subjetivas e materiais a favor de pessoas identificadas como brancas em uma sociedade onde o racismo é estrutural. É um acordo não-verbal onde brancos em posições de poder asseguram entre si posições de privilégio, que ocorrem desde em entrevistas de emprego a políticas públicas, moldado no “confiar em seus iguais”. É preciso refletir sobre a ausência ou a pouca presença de pessoas negras em posições de poder, cargos gerenciais, além da baixa incidência de discussão de autores e produções científicas negra nas universidades.
Outro ponto importante a ser desmistificado é o racismo reverso, que seria uma forma de “racismo ao contrário”, ou seja, um racismo das minorias dirigidos às maiorias. Ideia essa que é equivocada, pois membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não conseguem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, tanto direto, quanto indiretamente (ALMEIDA, 2019; SCHWARCZ, 1993).
No viés do que pode ser feito para combater a desigualdade social e as segregações, que principalmente a população negra sofre, constituiu-se as políticas de ações afirmativas, que são políticas de promoção de igualdade nos setores público e privados. Uma das políticas mais conhecidas são as cotas raciais, uma forma política de reparação pelo fato do racismo ter ocasionado diferenças de oportunidades entre negros e brancos no acesso à educação. Existem também outras políticas de ações afirmativas, como: reserva de vagas prioritárias em programas de habitação, estímulo à contratação de indivíduos de grupos sociais discriminados, programas de valorização e reconhecimento cultural e de auxílio financeiro aos membros dos grupos beneficiados (RIBEIRO, 2019).
A população negra no Brasil ficou à mercê após a abolição da escravatura e passou a fazer parte das classes sociais mais pobres, na base da pirâmide social. Espaços com precariedade de moradia, escolaridade, saúde e alimentação, onde o preconceito permeia cada vida e suas histórias. O medo, a falta de oportunidade e, consequentemente, a desigualdade em diferentes aspectos, têm produzido nestas pessoas um adoecimento mental e físico, que, muitas vezes, desencadeia um elevado número de casos de suicídio neste grupo populacional (DAMASCENO; ZANELLO, 2018).
Outro aspecto que merece atenção é o fato de ainda hoje no Brasil a população negra sofrer preconceito e discriminação por seus ritos e vestiários, os quais fazem referência a sua fé, seus espaços. Embora os direitos humanos garantam a liberdade de fé e a constituição traz um país laico, ainda assim a população negra é visitada com preconceito e crueldade, forjados por atos de crueldade que afetam a forma de viver de muitas pessoas, cuja voz não pode ser silenciada, por olhares, gestos e atitudes que intimidam. Essas constantes situações de humilhação, constrangimento e precariedade geram um adoecimento mental o que provavelmente tem aumentado o número de suicídios entre jovens negros (LIMA; PAZ, 2021; MONTERIO et al., 2020).
O que se observa é que há racismo e discriminação em diversos lugares e contextos, evidenciando uma sociedade racista, sexista, homofóbica e violenta, como demonstram situações cotidianas que são frequentemente noticiadas: discriminação racial em escolas, nos campos de futebol; em abordagens discriminatórias, humilhações e abusos no meio policial; no contexto do trabalho em práticas excludentes, assédios no acesso ao emprego ou no exercício de suas funções como também, nas redes sociais.
Combater uma prática que está enraizada, atravessada em nossas relações não é tarefa fácil, mas se abster do debate e das reflexões do que o racismo provoca na nossa sociedade nos coloca em posição de opressor. Em vista disso, esse pequeno texto teve o intuito de contribuir para reflexão sobre o racismo e a construção de práticas antirracistas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Editora Pólen Livros, 2019.
CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva. Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Editora Vozes Limitada, 2017.
CONJUR. STF equipara injúria racial a crime de racismo, considerando-a imprescritível. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-out-28/stf-equipara-injuria-racial-racismo-considerando-imprescritivel> Acesso em 19 de nov. de 2022.
DAMASCENO, Marizete Gouveia; ZANELLO, Valeska M. Loyola. Saúde mental e racismo contra negros: produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 38, p. 450-464, 2018. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/pcp/a/gPSLSxDcHDhDccZgpk3GNVG/abstract/?lang=pt> Acesso em 26 de nov. de 2022.
LIMA, E. F. et al. Ensaios sobre racismos: pensamentos de fronteira. São Paulo: Balão Editorial, 2019.
LIMA, Luana; PAZ, Francisco Phelipe Cunha. A morte como horizonte? Notas sobre suicídio, racismo e necropolítica. Teoria e Cultura, v. 16, n. 1, p. 95-109, 2021. Disponível em: <https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/30795> Acesso em 26 de nov de 2022.
MONTEIRO, Daiane Daitx et al. Espiritualidade/religiosidade e saúde mental no brasil: uma revisão. Boletim-Academia Paulista de Psicologia, v. 40, n. 98, p. 129-139, 2020. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2020000100014> Acesso em 26 de nov de 2022.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Questões Racial no Brasil 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
AUTORAS:
Adriana Paula Coelho Calvacante;
Camila da Silva Pereira;
Clarissa Souza Lira;
Supervisora: Thaís Moura Monteiro