Bruna Montenegro do Nascimento – CRP:06/211264
No contexto psicanalítico, as relações com os idosos na pré-modernidade podem ser interpretadas à luz das dinâmicas inconscientes, das estruturas sociais e dos significados culturais associados à velhice. A psicanálise, iniciada por Freud, propõe que as interações humanas são profundamente influenciadas por processos inconscientes, como o desejo, a repressão e a transferência, e esses conceitos ajudam a iluminar como os idosos eram percebidos e tratados na pré-modernidade.
Na pré-modernidade, os idosos ocupavam um papel central como guardiões da tradição e líderes espirituais e morais. Do ponto de vista psicanalítico, podemos entender os idosos como figuras de autoridade simbólica, comparáveis à figura paterna freudiana, que exerce influência sobre o desenvolvimento psíquico dos indivíduos e a estruturação do Superego. O Superego, que é o representante das normas sociais e das regras internalizadas, estaria, em grande parte, moldado pela presença dessas figuras anciãs, que representavam a ordem e a continuidade cultural. Os idosos, com sua experiência e sabedoria, também eram vistos como depositários da “lei” e da moralidade, sendo responsáveis por manter a coesão familiar e social. Dentro das famílias, o idoso patriarca ou matriarca poderia ser visto como o “grande outro”, uma figura respeitada, à qual os mais jovens transferiam a autoridade e expectativas, em um processo de transferência inconsciente, como descrito por Freud. Essa transferência de respeito e poder simbolizava a perpetuação das normas e valores que regiam a vida social.
Outro conceito psicanalítico relevante é o inconsciente coletivo, proposto por Carl Jung. Na pré-modernidade, os idosos eram frequentemente associados à sabedoria ancestral e ao arquétipo do “Velho Sábio”, uma figura que aparece em mitos e contos de todas as culturas. Este arquétipo representa o conhecimento profundo, a orientação espiritual e a ligação com o transcendente. Na psique coletiva, os idosos encarnavam esse arquétipo, sendo reverenciados como figuras que transmitiam um conhecimento além do meramente racional, conectando o presente com o passado e com as forças simbólicas do inconsciente. Através desse arquétipo, os idosos tinham um papel de mediadores entre as gerações, ajudando os mais jovens a integrar as experiências do passado e a lidar com os dilemas existenciais e psicológicos da vida. O respeito a esses anciãos era, em parte, uma forma de reconhecer o poder do inconsciente e da tradição coletiva.
No contexto das famílias extensas da pré-modernidade, os idosos não eram apenas fontes de sabedoria, mas também espelhos da fragilidade humana e da finitude. Freud postulava que o medo da morte está profundamente enraizado no inconsciente, sendo muitas vezes reprimido ou deslocado. Na convivência diária com os idosos, a sociedade da pré-modernidade podia projetar neles o temor da mortalidade, mas também sublimar esse medo através do respeito e da veneração. As famílias se organizavam de forma a manter os idosos integrados e valorizados, o que, segundo a psicanálise, pode ser visto como uma maneira de atenuar a angústia existencial que a presença da velhice suscita. Ao honrar e cuidar dos idosos, as sociedades pré-modernas evitavam, de certo modo, o confronto direto com o declínio físico e a morte, mantendo uma relação de negação ou atenuação do medo da finitude, ao mesmo tempo em que reconheciam o ciclo de vida e morte como parte integrante da existência.
Freud também falou sobre o processo de “desinvestimento” libidinal, que ocorre ao longo da vida. À medida que a velhice avança, há uma tendência natural de redirecionar ou reduzir o investimento energético em atividades externas e relações. Na pré-modernidade, o papel social dos idosos refletia, em parte, essa transição, com os mais velhos sendo afastados dos trabalhos físicos e da produção econômica, mas assumindo novas formas de importância simbólica e emocional dentro da comunidade.
Esses papéis mais contemplativos, ligados à transmissão de valores, à sabedoria e ao conselho, correspondiam ao que, psicanaliticamente, pode ser visto como uma sublimação do desejo de atividade e produção. Em vez de serem marginalizados, os idosos canalizavam sua energia psíquica para funções que transcendiam a produção material, participando da vida coletiva de forma simbólica e emocional.
Com o advento da modernidade, as mudanças econômicas e sociais alteraram significativamente o lugar dos idosos na sociedade. Segundo a teoria psicanalítica, essas mudanças podem ter desencadeado crises de identidade e um sentimento de desvalorização nos idosos. A transição para sociedades industriais, centradas no trabalho e na produtividade, reduziu o valor simbólico dos idosos, deslocando o investimento libidinal coletivo para os jovens e para o progresso. A modernidade trouxe consigo uma ruptura com a tradição e, consequentemente, com o papel dos idosos como guardiões dessa tradição. A psicanálise pode interpretar essa transição como um momento de descontinuidade no processo de transferência de valores, levando à alienação dos idosos e ao rompimento das redes familiares intergeracionais que, na pré-modernidade, os integravam de maneira plena.
No contexto psicanalítico, as relações com os idosos na pré-modernidade podem ser vistas como um reflexo das dinâmicas inconscientes de transferência, repressão e sublimação. Os idosos desempenhavam papéis centrais como figuras de autoridade moral e espiritual, funcionando como intermediários entre as gerações e representando o inconsciente coletivo e a sabedoria ancestral. Além disso, sua integração na vida familiar e comunitária ajudava a aliviar o medo da morte e a proporcionar uma estrutura simbólica para lidar com a finitude. Com a chegada da modernidade, essas relações foram transformadas, levando a uma marginalização crescente dos idosos, à medida que a produtividade e a juventude passaram a ser mais valorizadas.
Referências:
Freud, Sigmund. “O Mal-Estar na Civilização”. 1930
Freud, Sigmund. “Totem e Tabu”. 1913
Jung, Carl G. “O Homem e Seus Símbolos”. 1964.
Erikson, Erik H. “Infância e Sociedade”. 1950