Somos, até aqui, resultado direto do modelo capitalista narrado por Karl Marx. É verdade que ocorreram mudanças. O modelo de produção, assim como o de dominância burguesa, não é tão literal como nos moldes iniciais do sistema, já que sobrepujamos o formato/processo de trabalho pregado por Taylor, Fayol e Ford. A própria concepção de “Ser” do homem contemporâneo supera a do homem moderno, hoje vista por alguns teóricos como mecanicista.
É certo que a visão de homem, assim como a de produção de vida, sempre esteve ligada ao trabalho. Contudo, o capital nem sempre esteve ligado ao trabalho, mas sim à exploração de um sobre a força do outro.
No homem contemporâneo, as constantes transformações no modo de vida, paralelo ao avanço tecnológico e ao ritmo cada vez mais acelerado do trabalho, resultam em uma sobrecarrega física e psíquica. Esse ritmo desenfreado e abusivo de trabalho tornou-se – erroneamente – sinônimo de acúmulo de capital e melhoria de vida. E, sem perceber, o homem tornou-se produto ao produzir seu modo de vida. O sistema criou as necessidades, e nós as abraçamos sem pestanejar.
O trabalhador habituou-se ao formato desenfreado e abusivo das empresas, não obstante surgiram as doenças ligadas a essa relação institucionalizada do homem com o trabalho. Como analisador, e de modo a intervir nesse estilo de vida – forçado ou não – do homem contemporâneo, a psicologia passa a atuar dentro das organizações.
Os desafios para a profissão nesse contexto são muitos. Diante da realidade de vida desses trabalhadores, e da desigualdade social e mazelas de nosso país, onde até mesmo o Estado – única instituição política que temos – ao invés de garantir a qualidade de vida, quase sempre corrompe sua função, agindo em prol das empresas e dos empresários, o trabalhador em muitos casos aparece como vitima do sistema, sem acessos a meios para garantir a efetivação de seus direitos.
É por meio do trabalho que o homem atribui significado para sua existência, na realização e no desenvolvimento de suas capacidades. Contudo, não é sempre que a atividade laboral cumpre esse papel. Quando exercida de modo abusivo, passa a ter influência negativamente sobre sujeito, produzindo doenças ligadas ao processo de trabalho.
A própria insatisfação do trabalhador, casada à sobrecarga de trabalho exigida por muitas instituições destitui do trabalhador seu tempo de descanso; lazer; convivo social, familiar; etc. Resultando, não raramente, em tensões e conflitos que culminam em doenças de ordem física e/ou psíquica. O ritmo acelerado de trabalho parece atingir principalmente o trabalhador que ganha por produção.
Em nosso século, criou-se uma visão deturbada de felicidade, onde a qualidade de vida está intimamente ligada à produtividade, uma vez que está resulta em salários cada vez melhores. O modelo capitalista, visando ganho e produção, criou as doenças ligadas ao trabalho, como o Estresse, a Síndrome de Bunoult e a LER/DORT etc. Isso sem mencionar os conflitos no ambiente de trabalho, gerados pelo desgaste físico e de relações superficiais de convivência, pautadas apenas no ganho individual, atravessado pelo trabalho coletivo.
A desvalorização do potencial humano, somada aos interesses puramente comerciais dos empresários do inicio do regime capitalista, associado ao modelo de produção, foi o grande responsável por uma serie de problemas de saúde nos trabalhadores, tanto físicos quanto mentais.
Segundo Cañete(2001), estes transtornos acompanharam a evolução do processo de trabalho e chegaram a nosso tempo, alguns com agravos, outros são novos, acometidos pela tal modernização do processo de trabalho. Mesmo com a redução da jornada de trabalho, aumentou-se a pressão sobre o trabalho/trabalhador ocasionando um desgaste tanto físico quanto mental, é importante frisar que não dá para dissociar um do outro.
Condições como estresse, fadiga e esgotamento se tornaram cada vez mais comuns no ambiente de trabalho. Cañete (2001), alerta para o aumento do uso de fármacos como meio de mascarar esses sintomas, negligenciando o sofrimento na raiz do problema.
Outro fator preocupante de nosso tempo são os altos índices de acidentes de trabalho, cada vez mais comuns, que estão intimamente ligados ao baixo nível de instrução e qualificação profissional; e ao esgotamento físico e psíquico. Outro problema recorrente são as lesões por traumas acumulativos, que resultam em aumento da rotatividade de funcionários e obrigam os empresários a investirem na prevenção, e em uma atenção diferenciadas quanto à segurança e condições de trabalho desses profissionais.
Esse quadro de empresários que não se responsabilizam pelo bem-estar de seus colaboradores tem mudado. Cada vez mais, empresários que visam desenvolvimento de suas instituições têm se conscientizado de que investir no trabalhador (capacitação, benefícios, valorização do trabalho, aumento de salário, melhora no espaço físico, etc), reflete diretamente no progresso da empresa. Essa nova forma de gestão, preocupada com o homem em suma, resulta em ganhos para ambas as partes.
A psicologia no âmbito do trabalho, atua prevenindo e promovendo a saúde mental do trabalhador – deixando claro que o conceito de saúde mental deve abranger uma visão holística do sujeito, não significando apenas o estado de ausência de doença, tão pouco ligada apenas uma instancia psíquica do homem, mas sim, em uma relação de interdependência de um completo bem-estar físico, psíquico, social, econômico, cultural e espiritual, etc desse sujeito – age como um analisador do sistema de produção, não apenas no campo de trabalho, mas no meio social, como promotora de saúde, buscando um equilíbrio entre emprego/empregador, trabalho/trabalhador, produção/produtor.
No Brasil, essa construção cultural/histórica da saúde está apoiada na antiga busca do bem estar físico do homem, na conservação dos corpos-saudáveis, resultando na predominância de uma ação muito mais curativa que preventiva, no que tange às políticas públicas de saúde.
Em sua história, nosso país carrega os traços de um modelo de saúde pautados nos princípios higienistas, que por muitas décadas fora imputada ao cidadão goela abaixo, ao invés de ensinada. Questões de saúde sempre foram, ao longo de nossa história, priorizadas, com o único fim de se evitar epidemias e prejudicar a produção das empresas, principalmente no período de industrialização do Brasil. Em geral, o trabalhador em sua condição alienada não se atenta (ou não percebe) a verdade por trás das medidas de saúde.
É preciso salientar que há correntes que pregam que este alienismo não seja de todo um mal, e até veem ele como um mecanismo de defesa, uma condição necessária para que o trabalhador tenha meios de lidar com sua realidade. Contudo, Cañete (2001), discrimina a disciplinarização dos corpos e dos hábitos de saúde que durante anos foram erroneamente pregadas em nossa sociedade como medida de saúde, em prol da harmonia e bem estar social.
Ainda hoje as medidas de saúde, não apenas no que tange a relação trabalho/trabalhador, mas a própria conjuntura social imputa uma assistência emergencialista, fundada na prática da medicina curativa, focada apenas em questões físicas, negligenciando por completo as outras esferas de ser do homem. As medidas preventivas ainda são poucas, e quando acontecem, nem sempre priorizam a coletividade.
Cañete (2001), defende uma relação interdependente entre saúde e educação. Só por meio de uma Qualidade Total – condição real de assistência à saúde por parte da sociedade e do estado – se garantirá uma saúde de qualidade e de livre acesso, construída por todos. Mas para esse nível comprometimento, precisamos de homens conscientes de sua condição e, portanto, livres, aptos a lutar por melhores condições de saúde, por uma Qualidade de Vida, que não virá sem reformulações de ordem moral, ética e cultural de nossa sociedade.
Referência:
CANETE, Ingrid. Humanização: Desafios da Empresa moderna. Ed. Icone, 2001.