Uma Reflexão Ampliada sobre Inclusão e Respeito nas Escolas a Partir de “Sex Education”.
A obra televisiva “Sex Education” emerge como uma delineadora de narrativas centradas nos protagonistas Otis (Asa Butterfield), Maeve (Emma Mackey), Eric (Ncuti Gatwa) e outros, inseridos na peculiar instituição educacional de Moordale. Sua temática diligentemente aborda questões correlacionadas à educação sexual, estendendo-se à contemplação de tópicos preponderantes, tais como assexualidade, pansexualidade e o movimento Queer.
Nos albores da narrativa, durante as duas primeiras temporadas, o enredo é primariamente centrado na terapia sexual conduzida pela progenitora de Otis, interpretada por Gillian Anderson, bem como na incursão deste como terapeuta sexual na mencionada instituição. O escopo narrativo abrange temáticas relevantes, a saber, impotência, insegurança sexual, gravidez na adolescência e inquirições acerca da sexualidade, propiciando uma contextualização destas vicissitudes às experiências de personagens que enfrentam tais contingências.
A série, de modo invariável, adota abordagens pragmáticas e diretas na exploração de assuntos verídicos, frequentemente relegados à esfera do tabu. Na terceira temporada, destaca-se a introdução de uma personagem não-binária, cujos relacionamentos, de maneira quase didática, elucidam temáticas previamente desconhecidas para os indivíduos cisgêneros. Essa abordagem acessível, marcada por uma didática sutil, contribuiu substancialmente para a notoriedade da série, solidificando seu êxito na plataforma de streaming.
A temática da representatividade LGBTQIAP+ no ambiente escolar emerge como um eixo central e preponderante em “Sex Education”. A série proeminente sublinha que a orientação sexual é intrínseca, desvinculando-se de uma escolha consciente. Propugna-se, portanto, a noção de que existem múltiplos modos de conceber, sentir e vivenciar a sexualidade, todos ancorados na singularidade humana. De acordo com as reflexões de Brasil (2004, p. 29), “embora tenhamos a possibilidade de escolher se vamos demonstrar, ou não, os nossos sentimentos, os psicólogos não consideram que a orientação sexual seja uma opção consciente que possa ser modificada por um ato da vontade”.
A série destaca-se, assim, como uma plataforma de discussão e reflexão, inserindo-se de forma proeminente na arena contemporânea das produções televisivas que buscam abordar, de maneira elucidativa, complexas questões ligadas à sexualidade e identidade de gênero.
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Quando refletimos sobre a concepção de gênero, uma das primeiras considerações a serem ponderadas, conforme salienta Butler (1990), é que este se configura como uma construção social, erigida a partir do contexto social. À luz de Jesus (2012), o gênero refere-se àquilo que somos, isto é, cada indivíduo é singular, embora compartilhe características comuns. Ao abordarmos as identidades, torna-se evidente que estas nos vinculam a alguns grupos e nos distinguem de outros, originando-se de variáveis como a região de nascimento, a cultura, a classe social, a presença ou ausência de uma filiação religiosa, a idade, as habilidades físicas, entre outras dimensões que marcam a diversidade humana. No escopo desse debate, este guia direciona sua atenção à dimensão do gênero (Jesus, 2012, p. 07).
A manifestação da discriminação sexual, conforme delineado, é uma realidade onipresente em diversos estratos sociais, com destaque para o ambiente escolar. Crianças que desafiam os estereótipos de gênero frequentemente tornam-se alvos de escárnio, perpetuando preconceitos danosos. Profissionais da educação, incluindo docentes, desempenham um papel significativo na potencialização ou combate à homofobia, exercendo influência sobre a incidência de situações discriminatórias.
Conforme a assertiva de Felipe e Bello (2009 p. 147), “é imperativo sublinhar que, desde a infância, muitas crianças expressam uma rejeição profunda a comportamentos que se desviam dos padrões culturalmente estabelecidos em relação à masculinidade”. A instituição escolar, assemelhando-se à sociedade democrática, é instada a envidar esforços para mitigar a intolerância, minimizando os sofrimentos e atenuando os efeitos deletérios. Entretanto, constata-se de modo recorrente que diversas instituições escolares perpetuam preconceitos, incluindo a homofobia, com impactos negativos disseminados entre todos os envolvidos.
A relevância da discussão torna-se ainda mais premente quando se associa a questão de gênero à relação com o corpo. Guacira Lopes Louro (2000) argumenta que o corpo parece ter sido negligenciado no contexto escolar, da mesma forma que o gênero possui pouco espaço para debate nesse ambiente. A matriz curricular muitas vezes não abrange determinadas questões, limitando a discussão ao campo da sexualidade e, ainda assim, frequentemente restrita aos componentes curriculares das ciências ou biológicas.
Em consonância com Junqueira (2009 p. 484), “os processos de internalização da homofobia são fortalecidos, induzindo a vítima a sentir-se culpada, envergonhada e até mesmo merecedora da agressão sofrida, mantendo-a em um estado de reação silenciosa, entregue ao pior desfecho possível”. As violências físicas e simbólicas corroboram para que a vítima colabore na legitimação da agressão, favorecendo o agressor e seus cúmplices, encorajando-os a perpetuar suas ações e coações.
A exposição midiática de incidentes de violência direcionada à comunidade LGBTQIA+ nas instituições educacionais é uma ocorrência não infrequente. Nesse sentido, as instituições de ensino não devem impor padrões sexuais ou de gênero, mas, ao contrário, devem fomentar a liberdade, a pluralidade e a autodescoberta, incitando os discentes a agirem respeitosamente na sociedade.
A escola, enquanto instituição central na construção de gêneros e sexualidades, exerce influência não apenas sobre os conteúdos curriculares, mas também sobre as práticas cotidianas que moldam as relações sociais (Louro, 2008; Junqueira, 2013). Nesse contexto, Louro (2000) sustenta que a escola imprime marcas que transcende as meras informações presentes nos currículos, refletindo-se nas experiências cotidianas compartilhadas com educadores e colegas.
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Ampliando a abordagem sobre a presença das temáticas relacionadas às homossexualidades, bissexualidades e transgeneridades no contexto educacional, Junqueira (2009) ressalta que essas questões permanecem invisíveis no currículo, nos livros didáticos e até mesmo nas discussões sobre direitos humanos nas escolas. Diante dessa constatação, é imperativo que a instituição escolar promova essas discussões e defenda um convívio harmonioso e equitativo entre os indivíduos, estimulando o respeito às diferenças, independentemente de sua natureza, e promovendo a produção do conhecimento e o desenvolvimento da criticidade nos sujeitos que por ela transitam.
As vivências e percepções dos professores LGBTQIA+ em relação aos desdobramentos que envolvem assexualidades no âmbito escolar ratificam a ideia de que o combate à discriminação sexual é uma tarefa contínua que demanda a devida atenção da sociedade. A escola, enquanto uma esfera social com o propósito maior de instigar mudanças na forma de pensar e perceber as diferenças, não deve ser conivente diante de situações de discriminação; ao contrário, precisa abordar o problema e avançar em ações que proporcionem a liberdade de expressão e o autoconhecimento.
Urge a necessidade de reformular as estratégias de acolhimento escolar, tornando o respeito à diversidade uma diretriz fundamental da instituição. Os gestores educacionais precisam assegurar que essa postura seja incorporada de maneira inequívoca no projeto político-pedagógico (PPP) da escola, refletindo a seu comprometimento efetivo com a promoção de um ambiente inclusivo e propício ao desenvolvimento integral de todos os seus membros.
Referências:
- BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual (Cartilha). Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
- BUTLER, Judith. “Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do pós-modernismo”. Cadernos Pagu, n. 11, p. 11-42, 1998. Tradução de Pedro Maia Soares para versão do artigo “Contingent Foundations: Feminism and the Question of Postmodernism”, no Greater Philadelphia Philosophy Consortium, em setembro de 1990.
- FELIPE, Jana. BELLO, Alexandre Toaldo. Construção de Comportamentos Homofóbicos no Cotidiano da Educação Infantil. In: JUNQUEIRA, Rogério Diniz (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009, p. 141-157.
- JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. EDA/FBN, Brasília, 2012.
- JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Homofobia nas Escolas: um problema de todos. In: JUNQUEIRA, Rogério Diniz (org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2009, p. 13-51.
- JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Pedagogia do armário: a normatividade em ação. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 7, n. 13, p. 481-498, jul./dez. 2013.
- LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. Rev. Educação & Realidade, v. 25, n. 2, 2000.
- LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v. 19, n. 2 (56) – maio/ago. 2008.