Suicídio: a linha tênue que separa a vida da morte

“O silêncio em torno do assunto alimenta a passividade, quando o momento deveria ser de ação. “ (André Trigueiro)

Com o passar dos anos a sociedade foi se tornando cada vez mais vazia e solitária, onde a educação dada às crianças e jovens enfatiza ao máximo o individualismo e a importância de conseguir alcançar um futuro de “sucesso”; como consequência disto, esses acabar por se tornar adultos frustrados, confusos e solitários. Um evento que pode se tornar exemplo, seria o ato de andar em uma rua de São Paulo com milhares de pessoas e, ainda assim sentir solidão, o que pode vir acarretar em doenças psicológicas e nos piores casos, o suicídio.

Essa solidão citada, muitas vezes é “abafada” pelas relações virtuais, onde a vida real passa a ser qualificada mediante a qualidade da vida virtual. Vida esta, que é bem limitada e depende da aprovação de determinados padrões estabelecidos. Refém desses padrões, a vida real pode perder o sentido. Este fato, poderia fazer o indivíduo em um determinado momento, perder também a vontade de viver e decidir por tirar a própria vida? Esse é um questionamento que não é aceito nessas mídias sociais, ao invés disso, o suicídio é um tabu e falar a respeito não é considerado um assunto plausível.

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O livro ‘’Amor & Sobrevivência’’, de Ornish (1998), aponta que é através da construção moral de cada grupo social, que se pode chegar aos fatos que levam a cometer o suicídio, mesmo que este seja algo individual, os índices mudam de acordo com o grupo social e diferentes períodos de tempo, concluindo que o principal fator que afeta o índice é o nível de integração social dos grupos, determinando maior ou menor probabilidade de uma pessoa cometer suicídio.

Uma das maiores problemáticas relacionadas ao suicídio, é que o mesmo ainda é tratado como um tabu, quando deveria ser discutido e priorizado. Nesses últimos meses o jogo da Baleia Azul – onde o adolescente é induzido ao suicídio – se tornou assunto foco nas redes sociais, no entanto enquanto uma minoria se preocupava em discutir de forma séria o assunto, por outro lado, este foi alvo de diversas piadas e “deboches”, por parte da maioria dos internautas. Em contrapartida, a série ‘’13 reasons why’’, demonstra alguns descuidos que a sociedade tem, tratando-se dessa temática. Diante disso, a série conseguiu levantar certa polêmica a respeito do suicídio, ganhando maior interesse dos jovens, porém tão logo foi deixada de lado pela mídia, sendo substituída pela casualidade de diversos outros assuntos, considerados mais “interessantes” pela mesma.

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Até que ponto trazer isso na mídia de forma superficial ou manter o silêncio, pode ser prejudicial para os jovens e familiares que enfrentam de frente, problemas com potenciais suicidas? De acordo com André Trigueiro (2015) o silêncio em torno do assunto – um abominável tabu – só agrava a situação. A própria Organização Mundial de Saúde vem defendendo a comunicação aberta e responsável como medida eficaz de prevenção. É sabido que a informação cumpre uma função estratégica na prevenção dos mais variados tipos de males e doenças. E isso também vale para o suicídio.

Ainda segundo André Trigueiro (2015, p. 11) são muitos caminhos que levam ao suicídio. Tragicamente, a sociedade ignora a gravidade da situação e a urgência de algumas medidas que poderiam atenuar esse problema, considerado de saúde pública no Brasil e no mundo.

Os mais vulneráveis a tentar tirar a própria vida são os jovens adolescentes, por estarem passando por um processo de transformação e autoconhecimento, que na maioria dos casos, não acontece de uma forma confortável. Requer-se um maior cuidado quando o assunto é a adolescência, em que o jovem lida com muitas situações estressantes e desafiadoras como: ficar de frente com problemas de autoafirmação; a necessidade de se inserir no mercado de trabalho, que a cada vez mais aumenta a concorrência, com essas novas tecnologias e modelos de negócios; drogas; problemas mentais, que são muitas vezes negligenciados pelas famílias; escolas que priorizam a memorização e repetição dos conteúdos como forma de aprendizado – sem dar a devida importância a inovação e criatividade de seus alunos – entre muitos outros.

Ainda em se tratando de jovens, outro fator que deve ser levado em consideração é que a mídia além de tratar de forma superficial a respeito do suicídio, pode ainda ser motivo/causa que leva muitos jovens a cometê-lo. Inseridos nesse novo meio de comunicação virtual, são constantemente influenciados, deixando-se enganar pela quantidade de seguidores que possuem, desvalorizando relacionamentos e amizades no mundo real. Compartilham constantemente imagens, mensagens e fotos, em troca da aprovação da sociedade virtual, mesmo que essa aprovação seja oposta ao que o próprio jovem acredita ser melhor para ele ou não. Em um determinado momento, a consequência disso, é a perda do sentido, das relações, da verdade, do self, da sua vida real. Então quando o indivíduo se encontra “cheio de curtidas” e vazio de tudo, entra em conflito.

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Há também os casos em que a mídia esmaga a pessoa, por não se encaixar dentro de seus próprios padrões de aprovação e, o jovem ao perceber ou acompanhar a “vida perfeita” de muitas pessoas, passa a duvidar do sentido de sua própria vida. O indivíduo se vê vazio de curtidas e vazio de tudo. Para eles, a vida real só tem qualidade, se obtiver aprovação da sociedade virtual. Gerando também conflito. Não se sabe até que ponto essa resolução pode prejudicar o crescimento físico e emocional de um jovem. Quantas gerações estarão sendo formadas cada vez mais isoladas? Como isso vai afetar a vida desses jovens quando forem adultos? Até que ponto esse contexto gera ou intensifica crises existenciais? Qual a proporção da influência disso no autoextermínio de crianças e jovens?

Trigueiro (2015, p.63) diz que “nós nos sentimos infelizes, solitários, ou culpados por não nos percebermos plenamente integrados ao ‘bônus’ da modernidade. Quando isso acontece, é comum perguntarmos: sou eu que preciso de ajuda ou o mundo se tornou mesmo um lugar estranho, sem graça? ” Diante desse levantamento, pode-se perceber o poder que a mídia possui e, o quanto poderia ser útil de forma positiva, tratando-se do suicídio.

Para Trigueiro (2015, p. 41,42):

O suicídio é um tabu, um assunto invisível, ausente sobre o qual preferimos não falar. Nem os números oficiais parecem ter forma suficiente para modificar esse quadro. Apesar da gravidade da situação e dos incalculáveis transtornos causados pelo elevado número de casos, o suicídio está fora do radar dos governos e da sociedade. Não é sequer lembrado como questão relevante na área da saúde pública pelas mídias. Sem informação, a sociedade não o reconhece como um problema, não mobiliza esforços e nem consagra tempo e energia para tentar reduzi-lo. É preciso quebrar esse círculo vicioso. Não será possível reverter as estatísticas de suicídio no Brasil e no mundo sem informação. Na área da saúde, prevenção se faz com informação. O que vale para a dengue, aids, hanseníase, câncer de mama, hipertensão, tabagismo, doenças cardiovasculares, e tantas outras morbidades vale também para o suicídio. Não é fácil quebrar esse estigma e há muito trabalho pela frente para tentar romper a muralha do silêncio.

Falando diretamente do Brasil, ele aparece abaixo da média de suicídio, porém, a situação ainda precisa dos devidos cuidados. Segundo André Trigueiro (2015, p. 27):

 O relatório revela que, considerando apenas os dados oficiais do Ministério da Saúde, entre 2000 e 2012, a taxa de crescimento dos suicídios em todo o país (33,6%) é superior a do crescimento da população no mesmo período (11,1%) e ultrapassa também o aumento dos homicídios (2,1%) e dos mortos em acidentes de trânsito (24,5%). São números preocupantes, e em alguns estados brasileiros os números se assemelham aos países que ocupam o primeiro lugar no ranking mundial. Apesar de todos esses números, o suicídio ainda está fora da discussão nos governos, da sociedade, e na mídia pouco se fala, e quando o tema é abordado, é de uma forma superficial, preconceituoso, irrelevante e dogmático, sem a devida informação a população acaba por não reconhecer como um problema, e nem procura formas de preveni-lo, a mesma atenção e esforço que se dá quando se fala de aids, drogas, câncer de mama, deve ser dado na mesma proporção quando se coloca em pauta o suicídio, e o silêncio em torno do assunto só aumenta a probabilidade desses casos ocorrerem. 

A mídia precisa perceber sua influência e a importância de sua responsabilidade sobre o suicídio, muitas vezes a forma como o aborda, nas poucas vezes em que o faz, pode atingir de forma negativa pessoas em estado de vulnerabilidade.

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Ainda segundo Trigueiro (2015, p.42, 43):

Os estudiosos dizem que há uma maneira certa de falar sobre suicídio. Construiu-se ao longo do tempo a certeza – e há farto material de pesquisa sobre isso – de qualquer abordagem menos cuidadosa do assunto na literatura, no cinema, no jornalismo ou em qualquer outro meio de comunicação (e até mesmo nas relações interpessoais), poderá precipitar a ocorrência de novos casos em pessoas vulneráveis que estejam passando por um momento psíquica, emocional ou existencialmente.

Trigueiro (2015) afirma que os precedentes viriam de longe. No campo da literatura, a descrição do suicídio dos personagens principais de Romeu e Julieta (1597) – de William Shakespeare – teria desencadeado situações semelhantes. Na história moderna, a notícia da morte de Marilyn Monroe, reportada na época como suicídio – apesar de nunca ter sido comprovado – poderia ter causado o aumento da taxa de autoextermínio em 12% no mês de agosto de 1962, com 303 casos acima da média histórica para o período, nos USA. “Dá-se a esse fenômeno o nome de mimetismo, ou ‘efeito Werther’, processo que serve de inspiração para a repetição do ato, que atinge principalmente adolescentes e jovens” (TRIGUEIRO, 2015, p.43).

Durkheim (2000, p.143) diz que se, com efeito, a imitação é, como se disse, uma fonte original e particularmente fecunda de fenômenos sociais, é principalmente quanto ao suicídio que ela deve dar provas de seu poder, pois não há outro fato sobre o qual ela tenha maior domínio.

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Contudo, é evidente que a forma com que a mídia se coloca diante do suicídio, influencia na sua probabilidade e proporção de ocorrência. Trigueiro (2015, p.44) afirma que na maioria absoluta dos veículos de comunicação, prevalece o entendimento de que as notícias sobre suicídio podem precipitar a ocorrência de novos casos. Na prática é como se não houvesse suicídios no Brasil e no mundo. De todos os casos de saúde pública no Brasil, o suicídio é certamente aquele que menos espaço ocupa nas mídias (televisão, rádio, jornal, revista, sites, redes sociais etc.). Em nome da prudência elimina-se o assunto do noticiário. Será essa a melhor estratégia? Para os suicidologistas, a resposta é definitivamente ‘não’.

Segundo os suicidologistas, não se trata de censurar o suicídio nas artes, mídia ou jornalismo, pelo contrário, é muito necessário abordar o assunto, porém com ética, esclarecimento, cuidado e responsabilidade. Propiciando debates e reflexões a respeito. Trigueiro (2015, p. 46) defende que “noticiar acerca do suicídio de uma forma apropriada, cuidadosa e potencialmente útil pelas mídias esclarecidas, poderá prevenir trágicas perdas de vida por suicídio”. Falar a respeito do suicídio pode salvar vidas. Percebe-se que em todo caso, a linha tênue que separa a vida da morte, pode ter a mesma medida da barreira que separa o suicídio e o silêncio que se faz a respeito.

 

REFERÊNCIAS:

DURKHEIM, Émile, 2000. O Suicídio. 1º edição.  Martins Fontes Editora Ltda, 2000.

TRIGUEIRO, André, 2015. Viver é a melhor opção. 2º edição. Editora Espírita Correio Fraterno, 2015.