Irá para votação na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo 234/11, de autoria deputado João Campos (PSDB-GO), também conhecido como projeto da “Cura Gay”, pois visa a retirada de dois artigos do código de ética do psicólogo.
A saber:
“Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Aqueles que defendem o projeto o fazem segundo duas bases argumentativas: 1) Homossexuais devem ter o direito de querer mudar de orientação sexual; 2) o projeto não versa sobre a “cura gay”, mas, ao invés disso, garante que psicólogos possam atender homossexuais.
Neste texto versarei sobre a primeira base argumentativa, pois acredito que ela tem uma relação maior com a discussão sobre saúde mental. Sobre a segunda base argumentativa recomendo uma das postagens do meu recém-criado blog e um vídeo que encontrei na internet:
“SER GAY É UMA ESCOLHA!”
SERÁ?
Caro leitor, antes de prosseguir, convido-o a fazer uma reflexão. Por favor, responda a si mesmo, independente de ser hétero, bi, homo ou trans: Quando foi que você escolheu a sua orientação sexual? O que você pensou na hora que escolheu? Que tipo de raciocínio você seguiu na ocasião?
Você conseguiu lembrar? Acredito que não, acredito que você provavelmente simplesmente se deu conta dos desejos que você possuía ao invés de optar pelo quê sentir atração e tesão.
Comigo foi assim: eu nunca escolhi, simplesmente percebi que era diferente dos demais. Na segunda série me apaixonei perdidamente pelo rapazinho que sentava na minha frente. Não compreendia direito o que eu sentia, mas compreendia apenas que eu queria casar com ele. Nunca comuniquei a ninguém, porque seria embaraçoso.
E isto causava sofrimento psíquico, já quando criança. Sentia-me diferente e deslocado. Rejeitado em parte, e atacado a cada piadinha sobre ser gay. Acompanhava-me a solidão, pois sentia que era o único gay do mundo. Sim, sequer sabia que haviam outros gays no mundo, logo, descarte aí a ideia de que eu fui influenciado por algum homossexual.
Sentia-me tão sozinho e fragilizado que minha primeira infância foi reclusa. Era um pouco vulnerável. Se houvesse algum pedófilo que tivesse percebido a minha fragilidade, talvez ele tivesse se aproveitado disto e me molestado. Tive sorte, eu acho.
Sabe aquela máxima “crianças molestadas acabam gays”, que é um dos jargões para a defesa de que a homoafetividade é uma perversão, distúrbio ou trauma? Pois bem, acredito que este jargão está errado, o correto é que “crianças gays acabam molestadas”.
Crianças gays ficam fragilizadas por causa da solidão, do medo, da desinformação e do ataque disfarçado em forma de chacota que lhes cercam. Fragilizadas de tal forma que tornam-se fácil alvo para molestadores e abusadores de plantão.
Tive sorte, creio eu. Mas a questão é que eu nunca escolhi, eu simplesmente sinto meu desejo. Assim como você muito provavelmente também não escolheu, apenas segue o seu desejo. Ou você realmente acha que qualquer ser humano durante sua infância iria escolher entre fazer parte do grupo que é alvo de piadas ao invés de ser parte do grupo que lhe é imposto como normal?
Ainda sobre saúde mental, um último adendo: a confusão entre orientação sexual e opção sexual ainda trás outro problema para os jovens gays: o sentimento de culpa por não conseguirem ser diferentes do que a sociedade lhes impõe ou do que seus pais heteronormativos desejam deles. Muitos tentam ser heterossexuais, escolhem racionalmente a heterossexualidade, mas o desejo não pode ser mudado. Este conflito entre vontade de atender as expectativas dos outros e o desejo que sentem é um fator desencadeador de uma potencial grande melancolia ou depressão. Ansiedade crônica, insegurança, falta de autoestima e até baixo desenvolvimento das habilidades sociais.
“ENTÃO SER HOMOSSEXUAL NA NOSSA SOCIEDADE É DOENÇA!”
NÃO! A NOSSA SOCIEDADE É QUE É ADOECEDORA PARA OS HOMO/TRANS
A exclusão social, o preconceito, a estigmatização, a solidão, a falta de compreensão e excesso de julgamento; todos estes fatores são potencializadores de transtornos mentais e estados negativos. Um sujeito que é o tempo todo atacado com piadas, chacotas e é rejeitado constantemente tem uma grande chance de desenvolver um transtorno de ansiedade, podendo se desenvolver em tendências suicidas. Uma pessoa que não encontra compreensão e aceitação possui grande potencial para desenvolver uma depressão.
Ser homo/bi/trans não é doença. É algo natural.
“A HOMOSSEXUALIDADE NÃO É NATURAL”
Falar que algo é natural é falar que ela está presente na natureza, seja na natureza de uma maneira geral, seja na natureza de uma espécie específica.
Na natureza de maneira geral o comportamento homossexual é observado em cerca de 1.500 espécies animais, variando de primatas até insetos e vermes intestinais. Na espécie de primatas mais próxima dos seres humanos, os Bonobo – em que o sexo está dissociado da reprodução, assim como nos seres humanos – relações sexuais são a chave da vida social, e a espécie não segue a heteronormatividade em suas relações. Bonobos possuem diversos parceiros sexuais durante a sua vida, inclusive com membros do mesmo sexo. Não obstante, as fêmeas Bonobo de classe baixa fazem questão de comunicar ao resto do grupo com vocalizações quando estão em uma relação sexual com uma fêmea alfa, para aumentar a própria posição do grupo. E são a espécie mais próxima dos seres humanos.
Além disto, alguns estudos apontam a existência uma base genética no desenvolvimento da orientação sexual, embora não seja um determinismo. Existe, ainda, uma diferenciação ou adaptação biológica que ocorre em homens homossexuais: homens gays produzem mais androstenona, uma substância que produz o odor masculino; e também são mais sensíveis ao odor masculino provocado pela androstenona. Ou seja, gays produzem um odor masculino mais forte e, ao mesmo tempo, são mais sensíveis a este odor.
“E O QUE A POLÍTICA TEM A VER COM ISTO?”
Por fim, é importante questionar porque a política partidária está se preocupando com esta questão. Dentro das minhas leituras, atualmente a política se encontra mais voltada a concretizar os seus próprios interesses e os interesses da manutenção do sistema (capitalista) em que nos encontramos imersos. Os movimentos nas ruas são uma conjuntura interessante para tentar modificar algo (o Estado ou a estrutura estatal ou talvez apenas as pautas, só o tempo dirá), porém ainda não chegaram a sua força máxima.
Se a atual organização política está voltada para satisfazer os interesses da classe política (partidária e de gabinete), qual o interesse na questão de sustar os dois artigos do código de ética do psicólogo? O que os pastores de gabinete ganham com isto (nos sentidos econômicos e de poder)?
Segundo o Pastor Adélio, personagem fictício que critica os pastores das igrejas evangélicas mercantis, a “cura gay” é mais um produto para os templos venderem aos seus fiéis, e seu mercado consumidor são os adolescentes em conflito com a própria orientação sexual. As igrejas faturariam com a promessa de uma reversão sexual (falsa) para atender as necessidades machistas da família e tentar aliviar os conflitos dos jovens cujos desejos não correspondem as imposições sociais.
Eu, na minha paranóia sadia (ou assim a julgo), vou um pouco mais longe: fico com o pé atrás que no futuro haja um projeto de financiamento para entidades religiosas que sejam voltadas para a “cura gay”, assim como já existe financiamento para entidades religiosas que prestam serviço de tirar os drogados das ruas. Ou seja, mais dinheiro público investido nas igrejas, segundo minha profecia que espero que nunca se cumpra.
Por fim, fica o meu convite: vamos tentar enxergar a homossexualidade não como uma doença mental e começarmos a compreender que o preconceito, a ignorância, o machismo e a homofobia podem ser fatores desencadeadores de transtornos.
E compartilho meu humilde pensamento: Se temos doentes mentais, é porque, em grande parte, o mundo em que vivemos é adoecedor.