Em um universo onde a animação japonesa frequentemente recorre à hipersexualização de personagens femininas, criando corpos desproporcionais, uso de vozes infantilizadas e comportamentos descabidos, Hayao Miyazaki e o Studio Ghibli oferecem uma ótica crucial e a lembrança de uma essência perdida. Suas obras não apenas contornam os estereótipos, mas o fazem com elegância, profundidade e humanidade.
Personagens infantis e jovens como Chihiro, Kiki e Sophie são exemplos de garotas que possuem corpos e vozes condizentes com a idade, sem exageros comportamentais ou caricatos. Isso é possível porque, nos enredos do Studio Ghibli, o autor constrói indivíduos para além de acessórios narrativos e fantasias visuais. Elas são protagonistas, antagonistas, mentoras, crianças e idosas que, embora tenham características muito diversas, possuem algo em comum: existem com propósito, complexidade e dignidade.
A hipersexualização de seios e quadris exagerados em relação ao restante do corpo, roupas reveladoras e a inocência erotizada não são vistas nas histórias criadas por Miyazaki. Suas personagens têm proporções realistas, roupas funcionais e expressões que refletem emoções verdadeiras.
Vale lembrar que as características citadas como hipersexualizadas não são exemplos de representatividade da liberdade feminina e uma glória a diferentes tipos de corpos, mas um fan service descarado e incômodo que todo aquele que consome obras japonesas acaba precisando se acostumar ou tolerar, pois é passível de acontecer em praticamente qualquer gênero dos animes.
Miyazaki, no entanto, já declarou publicamente seu desprezo pela indústria que trata mulheres como objetos. Para ele, a animação é uma forma de educar o olhar, de ensinar empatia e de mostrar que a força feminina não precisa ser alarmante e aguda, mas pode ser silenciosa e firme.
Podemos ver esses aspectos ainda mais críveis quando o autor dá espaço para mulheres adultas refletidas em personagens como Gina, de Porco Rosso, que é uma cantora elegante, belíssima e dona de um hotel para aviadores. Além de sofisticada, sua personalidade possui uma profunda melancolia e sua feminilidade não é exagerada, mas sempre vivida com maturidade e respeito. Gina representa a mulher que já sofreu perdas, que ama com intensidade, porém escolheu sua própria solidão como forma de liberdade.
Já Lady Eboshi, de Princesa Mononoke, é outro exemplo de mulher adulta nas animações, mas representa uma das personagens mais complexas do universo Ghibli. Ela é a líder de uma cidade industrial, onde acolheu leprosos e prostitutas, e enfrenta os deuses da floresta com força e perspicácia. Eboshi não se encaixa nos termos de vilã nem heroína meramente; seu roteiro é fundado em contradições de cosmovisão e poder. Sua força está na capacidade de construir, proteger e decidir, mesmo que isso a coloque em conflito com o mundo natural.
Em tempos de saturação visual e superficialidade, Hayao Miyazaki criou não apenas mundos mágicos, mas personagens femininas que são um lembrete de que a verdadeira beleza está na sutileza e no refinamento de personalidades genuínas.
Ficha Técnica:
A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi)
Título: A Viagem de Chihiro
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Produção: Toshio Suzuki
Direção de arte: Norobu Yoshida, Yoji Takeshige
Ano de lançamento: 2001
País de origem: Japão
Duração: 125 minutos
O Serviço de Entregas da Kiki (Majo no Takkyūbin)
Título: O Serviço de Entregas da Kiki
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki (baseado no livro de Eiko Kadono)
Produção: Studio Ghibli
Direção de arte: (não especificado em fontes principais, creditado ao time de arte do Studio Ghibli)
Ano de lançamento: 1989
País de origem: Japão
Duração: 105 minutos
O Castelo Animado (Hauru no Ugoku Shiro)
Título: O Castelo Animado
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki (baseado no romance de Diana Wynne Jones)
Produção: Toshio Suzuki
Direção de arte: Yoji Takeshige
Ano de lançamento: 2004
País de origem: Japão
Duração: 119 minutos
Porco Rosso (Kurenai no Buta)
Título: Porco Rosso
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Produção: Studio Ghibli
Direção de arte: Nizo Yamamoto
Ano de lançamento: 1992
País de origem: Japão
Duração: 94 minutos
Princesa Mononoke (Mononoke Hime)
Título: Princesa Mononoke
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Produção: Toshio Suzuki
Direção de arte: Satoshi Kuroda, Kazuo Oga, Yoji Takeshige, Naoya Tanaka, Nizo Yamamoto
Ano de lançamento: 1997
País de origem: Japão
Duração: 133–134 minutos
